Samba noise

Maravilha o show que Cacá Machado fez nesta quarta-feira no auditório do Sesc Pinheiros, dando continuidade ao trabalho que vinha fazendo com a banda formada no ano passado (e que banda! Allen Alencar na guitarra, Marcelo Cabral no baixo e Richard Ribeiro na bateria) ao mesmo tempo em que unia forças à voz da cantora Anaïs Sylla. Equilibrando o repertório de seus dois discos com composições recentes, a apresentação tomou o clássico de Paulinho da Viola “Roendo as Unhas” como ponto de partida, experimentando possibilidades improváveis a partir de uma base tradicional de música brasileira. Ao redor de Cacá, o trio de músicos explorava possibilidades entre o ruído e a melodia, Allen fazendo sua guitarra rugir ou gorjear dependendo da situação, Cabral entre o baixo elétrico, o synth bass e alguns pedais para distorcer bases nada previsíveis e Richard passeando pelas peças da bateria com pulso firme ou mão leve, de acordo com o clima que a música exigia, enquanto Cacá tocava uma guitarra elétrica em vez do sempre presente violão de nylon, deixando boa parte dos vocais a cargo da voz doce e sinuosa de Anaïs. Foi minha estreia na direção artística com o músico e compositor paulistano e um show em que palpitei pouco justamente para valorizar a base que Cacá já vinha armando desde que voltamos à vida nos palcos.

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Cacá Machado: Roendo as Unhas

Enorme satisfação de anunciar que oficializo, a partir desta quarta-feira, o trabalho de direção artística da carreira do compadre Cacá Machado, quando ele apresenta-se no show Roendo as Unhas, no auditório do Sesc Pinheiros a partir das 20h. Músico e compositor estabelecido, ele também é um dos principais intelectuais que falam sobre música brasileira, atuando como coordenador do departamento de cultura da Unicamp, e começa a pensar o que poderá ser seu terceiro disco, depois dos ótimos Eslavosamba (2013) e Sibilina (2018). Para isso, montou uma banda afiadíssima com quem já vem tocando desde o ano passado, que conta com os grandes Allen Alencar nas guitarras, Marcelo Cabral no baixo e Richard Ribeiro na bateria, além de iniciar uma parceria com a maravilhosa cantora franco-senegalesa Anaïs Sylla. “O título do show vem da música que escolhi para abri-lo, o clássico de 1972 de Paulinho da Viola, que talvez seja seu samba mais paulistano por não se restringir ao gênero samba”, explica Cacá. “É uma composição ao mesmo tempo com espírito vanguardista e fincada na tradição e, de certo modo, é uma inspiração para a poética do meu trabalho como compositor.” Os ingressos estão à venda neste link.

Passo decisivo

Ao conectar seu trumpete com o contrabaixo acústico de Marcelo Cabral, o kit de percussão de Mamah Soares e o vocal intenso de Paola Ribeiro, Guizado começou a explorar uma nova fronteira sonora para uma nova fase de sua carreira a partir desta terça-feira, no Centro da Terra. Com esta formação chamada Guizado e a Realeza, ele abriu possibilidades de improviso a partir de temas já estabelecidos que fez com que este encontro de músicos expandisse seus próprios horizontes à medida em que se conheciam mutuamente. Um primeiro passo decisivo.

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Guizado e a Realeza

O trompetista Guizado começa mais um capítulo de sua carreira ao apresentar, pela primeira nesta terça-feira, seu projeto Guizado e a Realeza, no Centro da Terra. Cercado de cobras como Marcelo Cabral, Mamah Soares e Paola Ribeiro, o músico e produtor começa a investigar conexões entre a música eletrônica para dançar, percussão africana, a presença do baixo e a voz como instrumento de improviso, em uma apresentação inédita O espetáculo começa pontualmente às 20h e os ingressos podem ser comprados antecipadamente neste link.

Salto no escuro

Na segunda segunda-feira de sua temporada no Centro da Terra, Ná Ozzetti abraçou o desconhecido. Amparada pelo contrabaixo acústico de Marcelo Cabral, ela deixou o território que lhe é mais familiar – a canção – para dar um salto no escuro a partir de superpoderes que nunca haviam sido exibidos no palco: ela entrou na apresentação dançando e pouco depois sentou-se ao piano para cantar suas composições, inclusive uma inédita composta com Romulo Fróes. Tanto a dança quanto o piano já fazem parte da rotina de Ná, mas foi a primeira vez que ela mostrou-se assim ao vivo, com o músico e arranjador servindo de base e estímulo. E assim aos poucos ela foi entrando no território do improviso livre, que não faz parte de seu repertório, mas que pode ser desbravado numa nova fase de sua carreira. Tratando toda a apresentação como uma longa peça musical, a dupla encantou o público do Centro da Terra numa apresentação emocionante – e até Cabral soltou a voz, cantando suas próprias canções. Uma noite única – quem foi sabe.

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Ná Ozzetti: Três Duos e Um Trio

Que maravilha receber a maravilhosa Ná Ozzetti na primeira temporada no Centro da Terra de 2023. Durante quatro as segundas-feiras de março, ela divide o palco com mais três amigos na série de shows que batizou de Três Duos e Um Trio, que começa nesse dia 6 exatamente com o trio propriamente dito, formado pelos sopros de Fernando Sagawa e pelo violão de Franco Galvão, quando os três navegam pelas canções eternizadas pelo mestre Dominguinhos. Na segunda seguinte, dia 13, Ná recebe o comparsa baixista e produtor Marcelo Cabral para formar um duo de voz e contrabaixo acústico que repassa o repertório dos dois, tanto as músicas de Ná quanto as que Cabral participou em parcerias com Rodrigo Campos Kiko Dinucci e Romulo Fróes, entre outros. Na terceira segunda do mês, dia 20, ela reúne-se mais uma vez com Sagawa e os dois embarcam em um duo de voz e sopro com vasto repertório, para finalmente encerrar estes encontros no dia 27, ao lado dd violonista e arranjador Franco Galvão, celebrando a obra do compositor paulista Vadico, puxando clássicos em parcerias com Noel Rosa, entre outros sambas. Os ingressos já estão à venda e os espetáculos começam sempre às 20h.

Incisiva e sensível

Anna Vis lançou sua carreira fonográfica no dia em que fez o primeiro show desta nova fase, lançando seu disco de estreia, Como Um Bicho Vê, no palco do Sesc Vila Mariana exatamente no mesmo dia em que este viu a luz do dia. E, como o próprio disco, o show foi direto e convicto, com sua autora assumindo a força deste primeiro trabalho acompanhada da mesma dupla que a ajudou a transformar suas canções em fonograma – Marcelo Cabral e Maurício Takara -, que abriram seus respectivos baixo e bateria para que ela mostrasse suas composições desimpedidamente. Além da dupla, que também produziu o disco, ela ainda contou com a presença do diretor artístico deste trabalho, Romulo Fróes, que em vez de cantar a música que participa no final do álbum (a tensa “Moribundo”), preferiu cantar “Calada”, que leva a carrega o verso que batiza o disco – Anna retribuiu a participação puxando “Numa Cara Só”, de um dos discos que Romulo lançou ano passado, Aquele Nenhum. Mas o show era dela e mesmo com essas presenças ilustres, não baixou a cabeça e apresentou-se com a mesma firmeza do disco. Quase sem trocar palavras com o público, ainda intercalou as faixas com o longo poema “Sem Vacilação”, que, como no disco, espalhou pelo repertório – a diferença é que se, no disco,os pedaços do texto foram amparados pela colagem eletrônica do produtor carioca Mbé, no show Takara e Cabral improvisaram bases acústicas para que ela recitasse o texto, criando uma conversa dinâmica e ao mesmo tempo austera com suas canções incisivas e sensíveis.

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Centro da Terra: Março de 2023

Com o número de segundas-feiras de fevereiro reduzido pelo carnaval, deixamos para começar as temporadas no Centro da Terra em março. E para começar o ano em grande estilo, temos a presença da mestra Ná Ozzetti, que nos brinda com a primeira temporada de 2023, Três Duos e Um Trio, em que convida comparsas para passear por diferentes recantos da música brasileira. Na primeira segunda ela forma o trio do título com Fernando Sagawa (sax, clarinete e flauta) e Franco Galvão (violão), quando visitam as Dominguinhos, com arranjos próprios. Na segunda noite, o primeiro duo acontece ao lado do baixista Marcelo Cabral, quando Ná passeia pelo repertório dela e de outros autores contemporâneos. No dia 20, é a vez de formar um duo apenas com os sopros de Fernando Sagawa, quando passeiam por diferentes fases e autores da música brasileira e o último duo vem formado com o violonista Franco Galvão, em homenagem ao compositor paulista Vadico, trazendo também outros sambas do passado. Na primeira terça-feira do mês quem chega ao Centro da Terra é o quarteto carioca Oruã, liderado pelo herói independente do Rio de Janeiro Lê Almeida, que traz seu “free jazz de pobre, kraut de vagabundo, sem neurose” pela primeira vez ao palco do teatro, apresentando o espetáculo Passe. Na outra terça, dia 14, é a vez do grupo de jazz funk Bufo Borealis encontrar-se pela primeira vez com o guitarrista Edgard Scandurra, na apresentação que batizaram de Escuridão. E no fim do mês, as duas últimas terças ficam a cargo de Mestre Nico, que todos nós conhecemos por acompanhar Siba na percussão e vocal, que começa a mostrar seu trabalho solo na minitemporada De Andada no Tempo. Os espetáculos começam sempre às 20h e os ingressos para todas as apresentações já estão à venda neste link.

Um Brasil aos pedaços

Quando dedicou-se a visitar o repertório clássico – no limite do clichê – da música brasileira reconhecida no exterior em seu Brazliian Songbook, Marcela Lucatelli despedaçou símbolos da MPB como uma forma de confronto estético, iconoclastia que inevitavelmente tem natureza política. Isso muito pelo fato de que o projeto foi gravado com músicos do país em que Marcela reside há anos, a Dinamarca, cuja visão de nossa sonoridade é muito específica (e também no limite do clichê). Mas quando ela arregimentou um timaço de músicos brasileiros para reviver esta premissa no palco do Centro da Terra, nesta segunda-feira, a abordagem foi para um outro patamar. Livre dos clichês que permeiam o álbum – o pianinho bucólico, o violão percussivo com acordes dissonantes, a bateria segurando o beat no aro da caixa -, ela partiu do improviso livre ao lado de quatro jovens mestres nesta arte, todos eles mais do que escolados na música brasileira, mas parte desta. Marcelo Cabral, Rodrigo Campos, Alana Ananias e Lello Bezerra criaram um conjunto abstrato de ruído que em poucos momentos resvalava no que se reconhecia como clássico da música brasileira, deixando a hiperbólica apresentação vocal e cênica de Marcela como fio condutor desta sonoridade. Ela disseca versos e frases musicais com um ataque musical entre a violência e o escárnio, enquanto sua performance cênica, solta naquela teia de ruído tão bem tramada (ainda que ao acaso), relê estas canções entre o encanto e a ironia. À frente daqueles quatro cientistas do som, transmutou seu Songbook em ouro puro.

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Marcela Lucatelli: Brazilian Songbook

Quase chegando no final do mês, recebemos mais uma vez, no Centro da Terra, a cantora mineira Marcela Lucatelli para fazer a primeira apresentação de seu Brazilian Songbook em solo brasileiro. Residente há quase duas décadas na Dinamarca, ela estabeleceu-se como uma referência no canto de improviso livre na Europa e neste trabalho, ela viaja por clássicos da música brasileira, desconstruindo-os à medida em que embaralha as fronteiras entre samba, free jazz, musica pop, ópera, heavy metal e música experimental. Para montar este quebra-cabeças psíquico, ela conta com uma banda formada especialmente para esta ocasião, com Rodrigo Campos no cavaquinho, Lello Bezerra na guitarra, Marcelo Cabral no baixo e Alana Ananias na bateria, o que abre outras tantas dimensões nesta improvável equação. O espetáculo começa pontualmente às 20h e os ingressos estão à venda neste link.