Eu tou selecionando umas coisas do YouTube pra linkar aqui, mas tinha que colocar isso antes…
Visto de fora, nossa normalidade é a coisa mais absurda possível. Matamos e fritamos bichos pra comer. Estudamos metade da vida para trabalharmos em coisas que não tiveram a ver com nada daquilo que aprendemos. Carros usados como armas, armas usadas como brinquedos, brinquedos usados como formas de provocar os outros. O comportamento humano talvez seja a verdadeira essência da humanidade. Não é a racionalidade ou a estrutura física ou a espiritualidade que nos torna quem somos: é a forma que agimos uns com os outros, como nos portamos diante das diversas situações da vida, rituais e manias que, tiradas de contexto, não fazem sentido algum. Você não vê nenhuma espécie no planeta terra – e talvez no universo – que seja, ao mesmo tempo, tão sábia e tão idiota. Isso é a base da obra davidbyrneana, a síntese do conceito das letras dos Talking Heads. Analisando a sociedade humana como se a antropologia (ou a zoologia) fosse a sociologia, David Byrne muda um pouco o foco da realidade e vê uma coisa completamente diferente. Assim, torna-se um cara à frente do nosso tempo, mesmo que por apenas uma hora. Percebendo algumas coisas antes de todo mundo, Byrne é metade do que faz o Talking Heads uma das melhores bandas detodos os tempos. A outra metade é a poderosa seção rítmica do grupo.
Fundado em pleno punk rock, os Talking Heads (como o B-52’s, o Devo, o Fall, o Gang of Four e tantos outros) transformaram a inaptidão técnica em ritmo, criando grooves – quadrados, em geral – que nos impunham ao ritmo robótico da canção. Mas aos poucos, a banda começou a criar uma forma prática de tocar que floresceu onde ninguém esperava – na cozinha. O casal Tina Weymouth e Chris Franz era mais inofensivo que qualquer outro tipo de dupla. Ela frágil e apática, ele gordo e sorridente, usando bonés daquele jeito que só os caipiras norte-americanos conseguem. Mas dali, provavelmente da química sexual dos dois, surgiu uma máquina de ritmo sinuosa e marcial. O baixo de Tina é macio e meloso, conduzindo a dança no sentido horizontal, enquanto o maridão trabalha no sentido vertical com pulso firme e preciso; um funk minimal que cresce e controla o ambiente. Acrescente aí a guitarra e os teclados de Jerry Harrison, o mesmo que, ao lado de Johnattan Richman e sob a supervisão do ex-Velvet John Cale, gravou as primeiras demos que mais tarde se tornariam o primeiro e clássico disco dos Modern Lovers. Jerry solava bem, mas reduziu sua guitarra ao suíngue apertado de Tina e Chris e passou a usar o teclado mais como uma máquina de ruídos, tocando-o como um piano quando necessário. À frente de tudo, a figura caricatural de David Byrne. Magrelo e constantemente de olhos arregalados, Byrne não tinha cabelos espetados ou jaqueta de couro. Pelo contrário, tocava usando roupas normais, calças de linho e camisas de gola, meias de algodão e tênis. Seu ar tímido contrastava com sua performance robótica que, acrescido de sua voz nem aguda nem grave e deliciosamente desafinada e da forma percussiva que tocava seu instrumento – às vezes uma guitarra, às vezes um imenso violão. Eram os Talking Heads. Sua crítica social irônica era – junto com o marxismo do Gang of Four e o pós-modernismo do Pere Ubu – o máximo que o rock poderia se aproximar do intelectualismo sem parecer pedante ou, pior, progressivo. No final dos anos 70 esta palavra era vista com os piores olhos possíveis, criando um preconceito que atravessa décadas (alguém já disse que é impossível ignorar um gênero inteiro e isso é verdade).
E os Heads eram intelectuais. E botavam o povo pra dançar. E aos poucos ganharam omundo. Mas estamos ainda em 1979, quando o grupo ainda vinha sendo assimilado. O primeiro disco, Talking Heads’77, contou com a sorte de um hit perfeito: Psycho Killer, um clássico. O segundo, More Songs About Food and Buildings, os associava pela primeira vez com Brian Eno, num casamento que se mostrava prático e promissor. Ainda não era o suficiente. Precisavam de uma prova definitiva, um disco que não deixasse dúvidas se o grupo era bom ou não. E assim nascia Fear of Music.
Centralizando sua tese sociológica no medo, David Byrne explicava com detalhes um mero capítulo de algo que as pessoas não tinham certeza que sequer existia. Era um disco conceitual sobre o medo sem sequer citar o medo. As canções encerram conceitos definitivos sobre assuntos diversos e todos eles são encarados com estranheza, com diferenciação. O medo é decorrente. Gravado no apartamento de Chris e Tina, em Long Island (Nova York), Fear of Music começa nos apresentando ao desconhecido.
I Zimbra é uma letra do poeta nonsense Hugo Ball e não quer dizer nada, pelo menos que saibamos: “Gadji Beri Bimba Clandridi/ Lauli Lonn Cadori Gadjam/ A Bim Beri Glassala Glandride/ E Glassala Tuffm I Zimbra”. O ritmo é tenso e repetitivo e o funk torna-se sombrio e mais negro que em qualquer outro disco do Talking Heads. Culpa do baixo de Tina Weymouth, que torna-se um elástico de groove da noite pro dia e da percussão afro-caribenha que aos poucos vai tomando conta do grupo. A letra é cantada em coro como um rito tribal por todos os Talking Heads e por Brian Eno, que “trata” o disco (a definição é dele mesmo – “treatments”, nos créditos) e acrescenta teclados esquizóides ao final da canção. Na base, quieto, quase escondido, Robert Fripp ajuda Jerry e David a compor o muro de som que cresce até explodir subitamente ao fim da música.
Em Mind, o baixo de Tina (o fio condutor de todo o disco) puxa as guitarras abafadas que parecem datilografar alguma palavra. Byrne, preocupado, procura algo para mudar a mente do ouvindo, já que nem as drogas, nem o tempo, nem a ciência, nem a religião, nem o dinheiro, nem ele mesmo parecem surtir efeito. “Tento falar consigo para esclarecer as coisas/ Mas você sequer me ouve”, canta desesperado, enquanto as guitarras cantam riffs preguiçosos que deslizam pelobaixo central.
Paper tenta incitar a paranóia: “Segure o papel contra a luz (alguns raios podem atravessá-lo)/ Exponha-se lá fora por um minuto (alguns raios podem atravessá-lo)”. O suíngue torna-se massivo e, paradoxalmente, minimal, e é enfeitado com guitarras que parecem extraídas de Revolver, dos Beatles.
Cities começa baixinho até explodir num groove robótico que seria explorado melhor no disco do ano seguinte, Remain in Light. Na letra, Byrne descreve cidades pelos defeitos, enquanto procura um lugar pra morar: “Pense em Londres, uma cidade pequena/ É escuro, escuro de dia/ As pessoas dormem de dia/ Se quiserem”, “Há muitos ricos em Birmingham/ Muitos fantasmas em muitas casas/ Olha lá: uma fábrica de gelo seco/ Um bom lugar pra arrumar idéias prontas”, “Esqueci de Memphis/ Casa de Elvis e dos gregos antigos/ Eu tô fedendo? Eu fedo a comida/ É só o rio, é só o rio”. Sem avisar ninguém, Byrne “rouba” uma estrofe inteira, imprimindo apenas sualetra no encarte.
Life During Wartime (que foi surrupiada por Marcelo Nova para compor Hoje, do Camisa de Vênus, e recentemente gravada pelos Paralamas do Sucesso) é o mais próximo do Talking Heads que estávamos acostumados. Como diz o título, a canção fala da vida durante a guerra, mas sem romantismo ou pavor. A faixa conta a história de um cara que, em meio a uma guerra, tenta viver uma vida normal, apesar de tudo. A letra compila alguns dos melhores momentos do letrista. “Ouvi falar numa van cheia de armas pronta pra sair. Ouvi falar de cemitérios clandestinos perto da estrada, num lugar que ninguém sabe onde é. Som de tiros à distância, estou me acostumando. Moro na periferia, moro no gueto, moro por toda cidade. Isso não é uma festa, não é uma discoteca. Não dá pra ficar de bobeira. Não dá pra dançar ou paquerar. Não tenho tempo pra isso. Transmita a mensagem ao receptor, espere respostas, algum dia. Tenho três passaportes, um par de visas, não sei nem meu nome de verdade. Perto da colina, estão abastecendo caminhões, tudo está pronto pra sair. Durmo de dia, trabalho à noite, nunca mais chego em casa. Isso não é uma festa, não é uma discoteca. Não dá pra ficar de bobeira. Não tenho tempo pro Mudd Club ou pro CBGB. Não tenho tempo pra isso. Ouviu falar de Houston? Ouviu falar de Detroit? Ouvi falar em Pittsburgh, PA? Melhor não ficar à janela, alguém pode vê-lo. Tenho umas frutas e manteiga de amendoim pra alguns dias. Não tenho caixas, não tenho fones, nem discos pra ouvir (…) Adoraria te beijar, adoraria te abraçar, não tenho tempo pra isso”.
Memories Can’t Wait fecha o lado A com a mais séria canção dos Heads. Pesada e deprê, Memories… fala em amnésia e coma, mas de forma pertubadora e sutil: “Você lembra de alguém aqui?/ Não, você não se lembra de ninguém/ Estou dormindo, deitado/ Nunca acordei, não me arrependo/ Há uma festa na minha mente/ Que nunca acaba/ Uma festa lá em cima o tempo todo/ Vão festejar até cair/ Outros podem ir pra casa/ Outros podem ir dormir/ Estou aqui o tempo todo/ Não posso ir embora”. Pela primeira vez as guitarras assumem o comando e o resultado é a música mais assustadora dodisco.
O lado B começa no extremo contrário. Air é doce e suave (com belos backing vocals) e dá ao baixo os controles do disco, mais uma vez. Agora o objeto de insegurança e aflição é o ar, que, segundo Byrne, “também pode te machucar”.
Heaven talvez seja um dos melhores momentos do disco. Rock lento e onírico, a faixa descreve o céu como um lugar que nada (ou “o nada”) acontece o tempo todo. “A banda no céu toca minha música favorita/ Toca mais uma vez, toca a noite inteira”, “Quando esse beijo acabar, recomeçará/ E não será diferente, será exatamente o mesmo”. O nada e a morte tornam-se objetos de uma apreciação lúdica e inédita na música pop. “É difícil acreditar que o nada absoluto possa ser ser tão excitante, tão divertido”.
Animals brutaliza a banda para falar da agressividade e do instinto animalesco do ser humano. “Descobri que os animais não ajudam/ Eles pensam, são bem espertos/ Cagam no chão, vêem no escuro/ Nunca estão lá quando precisamos deles/ Nunca estão lá quando os chamamos/ (…) Animais pensam, entendem/ Acreditar neles é um grande erro/ Animais querem mudar minha vida/ Eu sempre foi ignorar conselhos de animais”. Realçando o lado animal do ser humano, Byrne transforma os bichos em seres tão racionais como nós, apenas para ridicularizar nossas ansiedades e fobias.
A guitarra elétrica é posta em um tribunal em Electric Guitar. O som é um antiska que conta a história de um atropelamento (da própria guitarra), que chega a algumas conclusões: “Nunca ouça a guitarra elétrica” e “Alguém controla a guitarra elétrica”.
Drugs encerra o disco com uma atmosfera ao mesmo tempo tensa (culpa do baixo, dos teclados e da guitarra esparsa) e bucólica (culpa dos sons florestais sob o som da banda).
Fear of Music é mais uma versão contemplativa que o Talking Heads faz da raça humana, observando-a desta vez pelas coisas que lhe incomoda, que lhe assusta. E é o disco em que o funk do grupo está mais coeso e denso, antes de explodir no universo de ritmos caribenhos que seria o próximo disco do grupo, Remain in Light. Mas isso é outro papo…
Foto: pstrelkow
Ontem, na gravação do programa Bem Brasil, no Sesc Pompéia, a Nação Zumbi tocou uma música sem guitarra, “Cidadão do Mundo”. Mas Lucio Maia, o guitarrista, ainda estava no palco – só que comandando um oscilador que distorcia os ruídos emitidos por seu instrumento, largado ligado no chão. Isso é uma amostra do que o novo projeto de Lucio, Maquinado, está fazendo com a cabeça do cara. Ao lado dos bambas cearenses Junior Boca (que toca com Otto) e Fernando Catatau (do Cidadão Instigado) nas guitarras (isso mesmo, três guitarras!), ele estréia o projeto ao vivo hoje, ali no Sarajevo, na balada Frankáfrika, do Radiola Urbana. Vai ser istaile.
Textinho do Caderno C, fase Campinas ainda.
Para uns, o cinema é uma retratação subjetiva da realidade, um ponto de vista muito específico através do qual observamos determinada história que, ficção ou não, tem algum vínculo com a nossa existência, com a nossa noção de ser. Para outros, a sétima arte consiste na forma com que as imagens são conduzidas, fazendo com que passemos por diversas e específicas emoções apenas pela forma que o conjunto multimídia de texto, atuação, imagem e som discorre frente aos olhos. Para os seguidores da segunda vertente, Stanley Kubrick é o Maestro, com “m” maiúsculo.
“Um filme é – ou deveria ser – mais música que ficção”, dizia, “deve ser uma progressão de atmosferas e sentimentos. O tema, o que está por trás da emoção, o significado – tudo isso vem depois”. Kubrick era essencialmente um compositor cinematográfica: cada cena, um movimento; cada câmera, um andamento; cada filme, uma sinfonia. Sem se ater a uma linha temporal de trabalho (com grande parte dos diretores, que limita-se a descrever o século cujo centro é seu aniversário), Kubrick fez como os grandes compositores eruditos e visitou épocas e lugares, sem pensar em limites. Desde a origem do homo sapiens a um futuro totalitarista, passando pela nobreza européia do século 18, por tropas de soldados romanos, por duas guerras – tudo regido com pompa e pulso, com câmeras que lentamente observam algum ser humano perdendo sua humanidade num cenário grandioso.
Regularmente tachado de pessimista, o centro da obra de Kubrick vem de uma constatação tão profunda quanto significativa. Seu realismo conclui que o que torna o homem diferente dos animais é sua capacidade de escolha, de observação de possibilidades e consciência das decisões tomadas. O homem nasce com a razão, mas é ela quem lhe possibilita sua própria destruição, uma vez que é ela quem permite que a violência seja usada para a dominação. É a violência quem desumaniza o ser humano e sempre que isso acontece, quem usou da violência se beneficia. Toda a obra de Kubrick se baseia na capacidade do ser humano dominar outro semelhante pelo uso da violência. Na natureza do poder.
Ele se manifesta de diferentes maneiras dentro de seu trabalho. Cada filme disserta sobre uma das possíveis formas de poder e como ela pode e normalmente é usada para causar o mal, violenta. Até um filme como Lolita, de 1962, traz este tipo de tensão no ar, reduzindo o pobre Humbert Humbert (de James Mason) a um escravo dos caprichos da personagem-título (Sue Lyon, perfeita). Passamos por Spartacus, de 1960 (com Kirk Douglas, Laurence Olivier e Peter Ustinov); Paths of Glory, de 1959 (também com Douglas); e Nascido para Matar, de 1987 – filmes sobre guerras e soldados, líderes e ordens. A dinâmica do poder na política da guerra é traduzida em cada movimento frio das câmeras. Em Dr. Fantástico, de 1964, o clima documental apenas aumenta a paranóia que ferve o sangue das autoridades americanas depois que um general enlouqueceu e lançou os mísseis que detonariam a Terceira Guerra Mundial.
A autoridade de Alex em Laranja Mecânica, de 1971, frente a sua gangue e ao Estado é um dos mais instigantes conflitos traçados por Kubrick e a mais sólida oração sobre a natureza da violência já feita. Ela volta a ser questionada em 2001 – Uma Odisséia no Espaço, de 1968, que teima em comparar o nascimento do homo sapiens ao da inteligência artificial (um dos projetos que deixou para trás, o filme A.I.), que coloca em xeque até mesmo uma possível evolução espiritual do ser humano. É seu filme mais marcante e o mais fácil de digerir, mesmo porque é um dos poucos com final, posso dizer, feliz.
Mas nada era mais importante para Kubrick do que uma boa imagem. Começou no cinema através da fotografia, hobby da adolescência que lhe tomava o tempo como o xadrez, outra enorme paixão. Como um fotógrafo, Kubrick enxerga onde só ele consegue ver e cria imagens para traduzir suas idéias em belíssimas metáforas audiovisuais. Cenas marcantes como o caubói que cavalga o míssil em Dr. Fantástico, toda a seqüência final de 2001, as alucinações de Laranja Mecânica, as gêmeas em O Iluminado. Recursos diferentes que apenas querem seduzir os sentidos do espectador, que entram no roteiro como espasmos abstratos, às vezes tirando completamente a lógica do filme.
Fanático por sinais, coincidências e símbolos, Kubrick morreu exatamente 666 dias antes de 2001, na Inglaterra, o verdadeiro lar que adotou após brigas com a indústria cinematográfica de seu país. Havia acabado de filmar De Olhos Bem Fechados, que causou polêmica pelo casal de atores escolhidos – Tom Cruise e Nicole Kidman – e por sua “narrativa hermética”. Mas quem entra num filme de Kubrick esperando entender a história, perde o verdadeiro sentido, o banquete sensorial que o cinema pode se tornar.
BC tá de volta, misturando Beatles e os Beasties mais uma vez.
Surfar no YouTube, um novo passatempo: saca só.
Deve ser velho isso, mas é dimais.
De volta à metrópole, deixo a capital pernambucana com um aperto no coração – mas sempre há uma hora de se reaclimatar à minha querida Aclimação, onde o vento é brisa, a chuva refresca, o sol doura e o céu resplandece. Recife, mesmo sem vento, com seu calor táctil, seus temporais de verão, um sol que castiga e um céu que queima os olhos de tão brilhante, vai deixar saudades em 17 dias de pura loucura adolescente mesclados com o pós-intelectualismo de sempre e o afã das fãs junto com certo élan de bizness carburado em temperaturas próximas aos quarenta graus. Se você acompanhou o Vida Fodona (que assim que o computador novo nascer, torna-se outra home) tem uma vaga noção do que estou falando. Senão, aqui vão alguns pontos a se destacar:
– Que mané Coachella: Recife no Carnaval tem mais bandas por metro quadrado do que qualquer Roskilde da vida. Artistas do primeiro (Lenine, Antônio Nóbrega, Mombojó, Alceu Valença, Mundo Livre S/A, Martinho da Vila, Elba Ramalho, Nação Zumbi, Cordel) e do segundo (Gabriel O Pensador, Vanessa da Mata, Lula Queiroga, Leci Brandão, Zéia Duncan) escalão do pop nacional (o referencial sou eu, lembre-se!), mestres da velha guarda (Lia de Itamaracá, Carimbó Uirapuru, Riachão e o inacreditável Erasto Vasconcellos) e várias bandas novas do pedaço (Playboys, Barbis, Turbo Trio, 3ETs, La Pupuña, entre várias outras) dividem espaço com rodas de break, emboladores, pagodes de playboy, carros bombando axé music, bandas de frevo, velhinhos tocando marchinhas, repentistas, letras de duplo sentido, rodas de samba, maracatus fakes e de verdade. Fora sua própria Salvador particular – Olinda bomba como se não existisse diferença entre o cordão e a pipoca nos trios elétricos da capital baiana, como se a indústria do axé ainda não tivesse sido inventada, como se o carnaval de Ouro Preto fosse abençoado pelo frescor litorâneo. E toneladas de gente. Pra todos os lados. Uma experiência imperdível;
– Nova safra de velhos pernambucanos tinindo trincando: além do Futura da Nação e do Bêbadogroove do Mundo Livre S/A ainda deu pra saborear os novos do Eddie (Metropolitano), Bonsucesso Samba Clube (Tem Arte na Barbearia) e Mombojó (vai dizer que você ainda não sabe o nome…), além de uma pérola musical que deu a tônica da turnê: “O Baile Betinha”, de Erasto Vasconcellos;
– Mais do que traçar as diretrizes da relação da música brasileira com o mundo, pauta semioficial do Porto Musical, o evento consolidou-se como pólo magnético de atração de algumas das melhores cabeças da cena independente brasileira – do baiano Big Bross ao gaúcho Fernando Rosa, passando pelo Lariú, Thaís Aragão, Alex Antunes, Briuno Ramos, Fabrício Nobre, Luciano Mattos, Messias do Brincando de Deus, Marcos Boffa, Frank Jorge, o pessoal da Funtelpa de Belém… Muita gente boa atraída pela importância do evento, que praticamente criaram um outro Porto Musical, paralelo às salas de conferência;
– Comidas para todos os níveis de paladar: do queijo coalho na Pitombeiras à frescura roots do Chica Pitanga, passando pelo filé de carne de sol d’O Bode, a sinfonia marítima (é o nome do prato) no Camarão do Zito em Brasília Teimosa, a macaxeira de Noca e o incrível LaçaCheddar – só comi mal no tal do Parraxaxá;
– Duas grandes naites comigo na trilha sonora: primeiro na Pitombeiras, em Olinda, dividindo CD players com o Bruno Pedrosa, o cearense Guga e o breasiliense radicado em Petrolina Thales, tocando na última Sonora do verão 2005/2006, pra gringos e famosos locais; depois no bar PoEtico, na primeira balada per se da casa, que fica atrás do árabe Salamaleque, na Casa Amarela. Desta vez, dividi os CDJs com o bamba Fred Leal, e a noite ainda contou com Dani, Flávio e Mone nas picapes, tocando para perdidos na noite, indies recifenses, teens a granel e a galera do psy-trance – noite que amanheceu no papadefunto Garagem, um clássico do rock pernambucano (uma borracharia que vende cerveja);
– Grandes companhias em 17 dias: Fernanda, Renato, Pedro, Vicente,Priscilla, Joli, Naomi, China, Fabinho, Pedrosa (vamo ver aqui em São Paulo), Guga (duplo salvador!), Jenny, Luiz, Débora, Bactéria, Cardoso e Gui, Luciano (cobaia!), Mari, Kélita, Chiquinho, Dani (festão, hein), Aninha, Vivian, Melina, Lariú, Cris, Paulo André, Marcelo Machado, Sérgio, Xico, Gina, Gui Moura (CDF por escrito, mas um tremendo fanfarrão pessoalmente) e Hugo, Hélder, Renata, Nobre, Sílvio, Felipe, Diego e Otávio, Flávio (santo da carona), os Jumbos, Gutie, Frank London, Karine (comentarista fiel!), Marinilda (parceira de entrevista), Marcelo Campello (vi o vídeo! Bizarro!), Pupilo, Bruno, Fernando, Thaís, Aninha e Leide, Carol, Marcela, Yuno, Hermano, Mariana do Estéreoclipe, Carla (relämpago!), Samuel, Tejo, Belma, Shi e Ju, Basa, Zizi e as gringas do Pipa Avoando, Junio Barreto, o Galo e o Rei. E as fãs, de todas as idades, que se desprenderam de suas vergonhas para abraçar a passagem do cronista aleijado por Recife (poizé, era eu de tipóia no meio da multidão) – também, quem mandou aparecer no jornal.. Além de, claro, o buda da malemolência, o Fausto Wolff indie, o monstro Michelin da indústria do cigarro, Fred Leal, hospedeiro do podcast, idealizador da ida a Pernambuco e descolador do chatô Goodtrip, além de parceiro-mor sem rumo de casa, só na autodestruição complacente e ressecamento das juntas oleosas entre as sinapses.
– Teve muito mais coisa, se der, eu lembro depois;
– “Longe de casa há mais de uma semana/ Milhas e milhas distante do meu amor”. Ela estava me esperando na volta, mas eu inda não consegui matar as saudades…
– E fica a pergunta no ar: George Israel é judeu?
Enquanto minha mão não volta ao normal, vamos de voz. Tou eu e Fred Leal, o capo da Badtrip, aqui na terra do mangue beat e eu tou mandando flashes de áudio do que acontece em Pernambuco. É meio beta, mas depois vou me enveredar sério por esse rumo. São as tais major changes começando.
Pra decorar: www.badtrip.com.br/vidafodona/
Materinha na Folha de hoje do filme que vai passar amanhã. Vê se não perde, ow.
Imagine se João Gilberto virasse um Chico Buarque tropicalista, como se o herói de uma música “refinada” e “adulta” (bom gosto, não custa lembrar, é subjetivo como aspas), pai de uma cena que não conseguia andar sozinha, virasse-se para as guitarras da Jovem Guarda e um surrealismo de araque, e dissesse que aquilo era o futuro de sua carreira. A comparação pode parecer forçada, mas basta ver a reação dos antigos fãs de Bob Dylan ao sair de seu concerto elétrico em maio de 1966 e compará-lo com o esgar permanente de MPBistas ortodoxos a termos como “rock” ou “pop”. Ao canalizar sua veia criativa na força juvenil dos Beatles, Dylan não apenas deixou a insípida e repetitiva cena folk para a história como ampliou seu alcance e importância na segunda metade do século passado.
Não dá nem pra tentar comparações sobre o outro lado da câmera. Enquanto Dylan pode ser descrito como o híbrido mutante do início do texto, melhor evitar achar o que significaria, num parâmetro brasileiro, um dos principais momentos desta carreira ser revisto pela lente cada vez mais classuda de Martin Scorsese. Mais do que a primeira e mais importante parte da história do principal compositor vivo dos EUA pela lente do autor de “Goodfellas”, “Taxi Driver” e “Casino”, “No Direction Home”, que o Telecine Premium exibe amanhã (segunda) às 23h40, é a dança perfeita entre dos mestres da manipulação – e o resultado é um dos melhores documentários, não apenas sobre rock, não apenas sobre música, já feitos.
Dividido em duas partes distintas, o filme do ano passado mostra como o franzino Robert Zimmerman, saiu de uma pequena cidade do interior de Minnesotta para se tornar “Bob Dylan”, o messias da geração folk do Village nova-iorquino. A primeira parte vem repleta de vasto material audiovisual inédito sobre o cantor (Scorsese teve acesso aos arquivos pessoais de Bob, pela primeira vez aberto a alguém de fora de seu diminuto círculo pessoal) e o diretor recria geneticamente a persona Dylan, comparando maneirismos de suas influências confessas (Woody Guthrie, Hank Williams, Billie Holliday) com o jogo de cena adotado após ser descoberto pela intelligentsia folk.
Mas é na segunda parte que está o filé mignon, quando o compositor, encurralado com o título de voz de sua geração, puxa um cavalo-de-pau na própria história e abraça o rock’n’roll como estética, ideologia e válvula de escape. Assume as rédeas de sua vida, ciente das responsabilidades e conseqüências, sem rumo, mas livre. “Liberdade é um sinônimo para nada a perder”, rezaria um adágio no final daquela década, e Dylan não tinha nada a perder. Como na própria carreira, é a partir de 1964 que o filme decola num crescendo quase abrupto.
Não faltam imagens raras, entrevistas inéditas, apresentações históricas, sobras de filmes da época, em especial da turnê entre 65 e 66, boa parte registrada pelo documentarista para o também clássico “Don’t Look Back”, de 1968 (cenas coloridas!). Há até o célebre momento em que, numa apresentação com a banda elétrica que se tornaria The Band em Manchester, um espectador chama Dylan de “Judas!” antes de uma rendição agressiva de seu clássico central, “Like a Rolling Stone”, de onde saiu o título do documentário.
O crescendo dramático imposto por Scorsese em qualquer um de seus filmes ganha um enredo perfeito e uma coleção de imagens preciosas, que o deixam confortável para recriar os anos 60 norte-americanos usando Dylan como linha-mestra. O resultado, enfileirados a crise dos mísseis em Cuba, o assassinato de Kennedy, a Guerra Fria e a do Vietnã, é mais um dos capítulos da história dos EUA contada por um de seus mais hábeis narradores. “No Direction Home” faz parte do mesmo novo Scorsese que se reinventa como historiador e esteta, e está para os anos 60 como “O Aviador” está para a Segunda Guerra Mundial e “Gangues de Nova York” para a virada do século 18 para o 19.
Mas ao terminar o filme no mítico acidente de moto que tirou Dylan de circulação por oito anos em 66, o diretor suspende a tensão no ar, quase que matando seu personagem. Não precisa ser Dylanólogo para saber que Scorsese pára um pouco antes do território mais fértil e sagrado do compositor, quando ele e a Band viram as costas para o Verão do Amor para gravar sua própria lenda, recontando a história musical dos EUA nas influentes e ainda oficialmente inéditas Basement Tapes. E caso Scorsese venha concluir seus anos 60 fazendo uma segunda parte sobre este período… Er, melhor guardar os superlativos pra quando (e se) isso sair.
No Direction Home
Telecine Premium
Amanhã (segunda) às 23h40. Reprises na quarta às 11h10, dia 16 às 5h, 18 às 2h20 e 22 às 2h.