Kraut São Paulo

, por Alexandre Matias

Hallogallo 2010
Sesc Vila Mariana @ São Paulo
Terça-feira, 26 de novembro de 2010


“Hallogallo”

Durou quase uma hora e meia, mas pareceu menos de um segundo ou uma eternidade. Ao encarnar o robótico motorik no palco do Sesc Vila Mariana na terça-feira passada, o alemão Michael Rother parecia que iria levar o público para os anos 70 do krautrock, o influente rock psicodélico alemão de bandas como Can e Faust. Um dos protagonistas daquela cena, Rother era metade do Neu!, a dupla alemã que completava o Kraftwerk original no início daquela década, mas que, após romper com o núcleo-duro dos pais da eletrônica moderna (Ralf Hutter e Florian Schneider), resolveu seguir uma carreira própria. Formada apenas por Michael na guitarra e efeitos e Klaus Dinger na bateria, o Neu! não foi apenas uma das principais bandas deste período alemão como sintetizava sua essência rítmica em peças intermináveis que insistiam no mesmo ritmo, metronomômico, que seria associado eternamente ao gênero. E o pulso preciso e quadrado do krautrock, personificado essencialmente no Neu!, mas presente em todas as bandas deste período, talvez seja a principal contribuição musical daquela cena – o ritmo industrial e monótono como base para criações sonoras abstratas. É como se alguém tivesse tirado uma chapa do pulmão musical do século 20 e expusesse aqueles estranhos, mas calmos, padrões repetitivos como um mesmo fluxo sonoro – que pode ser alinhado ao próprio ritmo da vida…


“Karussell”

O problema é que o Neu! não durou muito tempo e gravou apenas três discos, no meio dos anos 70. Rother e Dinger tentaram uma volta nos anos 80, mas novas brigas fizeram o disco da segunda vinda ser arquivado e posteriormente pirateado. Desde então Rother insiste em voltar ou relançar o catálogo da banda, mas Dinger era categórico em não querer saber de nada do Neu!. O máximo que concedeu foi a autorização para o relançamento dos discos da banda, mas nada fora do que havia sido lançado originalmente, como Rother insistia.


“Neutronics 98”

Mas Dinger morreu há dois anos e Rother finalmente pode revirar a tumba do Neu!. A expedição arqueológica não apenas garantiu o relançamento de todo o catálogo do grupo em uma caixa cheia de extras, como garantiu a reencarnação ao vivo das músicas gravadas com o grupo. Para isso chamou o engenheiro de som Aaron Mullan, com quem trabalhou em uma apresentação de outra reencarnação vivida por Rother, o trio Harmonia, do qual fez parte após terminar o Neu!. Mullan também trabalhava com o Sonic Youth e imediatamente fez a conexão entre Rother e Steve Shelley, um baterista à altura do legado de Dinger, e assim os três deram vida ao projeto Hallogallo 2010, dedicado à obra de Rother no Neu!.


“Delux”

Há uma certa nobreza de Rother em não colocar seu nome no título da banda ao mesmo tempo em não querer dizer que o novo trio é uma reencarnação do Neu!. O grupo é batizado com o nome de uma das faixas mais emblemáticas do repertório associado à mitologia do original alemão, que batizou dois discos com o ano de seus lançamentos após o próprio nome. Mas ao mesmo tempo há um recorte específico sobre a obra do Neu! (nem todas as músicas são da banda, algumas são de seus discos com o Harmonia, umas de seus discos solo), pois foram escolhidos temas em que o baixo e a bateria seguram o ritmo de forma incessante, submetendo o público (repleto de artistas de música experimental da cidade) a um transe abstrato mas vivo, de fazer bater o pé ou balançar a cabeça. E isso era apenas um dos elementos do Neu! – a outra metade eram experimentações com velocidades de rotação e texturas sonoras, muitas delas com vocais. Esta segunda parte do Neu! ficou completamente de fora do show de terça passada.

Assim, o show em São Paulo primou pela presença dos convidados, uma cozinha segura e pesada, o baixo de Mullan sendo lentamente transformado em ritmo enquanto a bateria de Shelley alternava entre os pratos tocados com baquetas de ponta de feltro e o ritmo motorizado que logo mais conduzia as faixas. Quase todas elas começavam com Rother nos efeitos sonoros, manipulando texturas e microfonias até chegar a um ciclo específico de som, que dava margem para Shelley e Mullan determinarem o compasso dos próximos dez minutos. Dez minutos que pareciam ser meia hora ou um som eterno, que bate no pulsar da vida do planeta e que, por alguns instantes na semana passada, foram sintonizados eletricamente por dois nova-iorquinos e um alemão.


“Negativland”

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