“No ano retrasado fui assistir a um show do Júpiter em São Paulo e, depois do show, ficamos conversando e eu sugeri a ele que fizesse um livro, exatamente por conta da qualidade das letras das músicas dele, que eu acho extremamente originais, criativas e escrachadas”, me conta o músico gaúcho Juli Manzi, conterrâneo do mito psicodélico brasileiro, que acaba de lançar, como ele mesmo diz, uma “autobiografia fictícia” de Júpiter Maçã chamada A Odisseia: Memórias e Devaneios de Jupiter Apple, que já está à venda pela Azougue Editorial (dá para comprar no site da editora por aqui).
“Ele me respondeu dizendo que sempre quis escrever um livro contando a história da vida dele, e que estava procurando um ghost writer para fazê-lo”, continua o autor do livro. “Me deu um longo abraço e disse ‘senti uma energia boa nos meus chakras’, assim começou a nossa parceria. Poucas semanas depois, começamos a trabalhar. Quando ele iniciou a contar sua história dizendo que o Mick Jagger e o Keith Richards estiveram na sua maternidade, eu logo entendi qual era a pegada do livro.”
Júpiter, que morreu no final do ano passado, foi um personagem crucial na consolidação tanto da psicodelia brasileira quanto do rock gaúcho na virada do século passado para o atual e era conhecido tanto por um indefectível senso melódico, por sua maestria multiinstrumental, pelo humor boca suja e por uma noção épica de sua própria importância, principal característica do livro, costurado a partir de papos entre biógrafo e biografado que somam mais de 30 horas de conversa. “É um material fabuloso, que subsidiou o livro”, explica.
“Chamamos o livro de uma autobiografia ficcional porque toma os episódios da vida dele como pontos de partida para novos saltos criativos, recheados de muito bom humor e inventividade, que eram marcas registradas do Júpiter”, resume Manzi, que convidou o músico e discípulo de Júpiter Tatá Aeroplano para escrever a apresentação do livro, reproduzida com exclusividade aqui no Trabalho Sujo, leia abaixo:
Impossível me esquecer do dia em que comprei meu exemplar do clássico A Sétima Efervescência na Baratos Afins… Voltei pra casa a pé como de costume… Pré-Internet… Eu não tinha a mínima ideia do que ia encontrar pela frente… Coloquei o disco pra rolar… “Um Lugar do Caralho”… E meu roommate apareceu na sala dizendo: “– QUE PORRA É ESSA!?”, com uma das melhores caras que eu vi ele fazer em toda minha vida. Disse ao “Paul”: “– Isso é JÚPITER MAÇÔ.
A Sétima foi um dos alumbramentos mais lindos e psicodélicos que eu tive… E na sequência veio o Plastic Soda, outra pedrada do man… Acabamos amigos, fizemos o média-metragem Apartment Jazz… E fizemos algumas festas que duraram alguns dias… O meu amigo “Paul”, apelidado carinhosamente pelo Júpiter, chegou a achar que a gente andava transando alguma droga muito poderosa pra ficar tantos dias ligados no 220v ouvindo som na sala… Era só música o tempo inteiro saindo de uma caixa mono, papos transcendentais, café e alguns drinks… A gente escutava os discos dos Beatles e Stones sempre duas vezes… Por conta do som sair em mono… A gente mudava o cabo e fazia outra audição.
O Flavio Basso tinha esse magnetismo incrível… Era de outro tempo… Outra existência. A gente conversava sobre tudo… Eram madrugadas de alta filosofia… Ele abrigava um universo maravilhoso dentro daquela cachola.
Em A Odisseia estão registradas histórias loucas que o man viveu e imaginou, algumas ele me contou enquanto tomávamos o power coffe da três da matina… Outras fiquei sabendo lendo esse delicioso livro…
Tá tudo aqui. Sua ironia fina, sua gargalhada esparramada. Saudades, man
Passeei pelo centro de São Paulo na Virada Cultural e presenciei que a motivação política da festa não brigava com a animação do público – e relatei o que vi, com vídeos, lá no meu blog no UOL.
Réquiem para um mestre da psicodelia.
Júpiter Maçã – “A Sétima Efervescência Galáctica”
Júpiter Maçã – “Pictures and Paitings”
Júpiter Maçã – “Modern Kid”
Jupiter Apple + Bibmo – “(Sometimes) Fire-Heading Man”
Júpiter Maçã – “Walter Victor”
Júpiter Maçã – “Little Raver”
Jupiter Apple – “Collector’s Inside Collection”
Júpiter Maçã – “Tropical Permanent Holidays”
Júpiter Maçã – “Eu e Minha Ex”
Júpiter Maçã – “A Marchinha Psicótica de Doutor Stu”
Júpiter Maçã – “Sociedades Humanóides Fantásticas”
Júpiter Maçã – “Exactly”
Júpiter Maçã + Os Pereiras Azuis- “As Outras Que Me Querem”
Jupiter Apple – “Head Head”
Júpiter Maçã – “Um Lugar do Caralho”
Júpiter Maçã – “Base Primitiva”
Jupiter Apple – “The True Love of the Spider”
Júpiter Maçã – “The Homeless and the Jet Boots Boy”
Jupiter Apple – “Bridges of Redemption Park”
Júpiter Maçã – “As Tortas e as Cucas”
Júpiter Maçã – “Over the Universe”
Jupiter Apple + Bibmo – “Seventy Man”
Júpiter Maçã – “The Freaking Alice (Hippie Under Groove)”
Jupiter Apple – “Metrópole”
Júpiter Maçã – “Um Sorvete Com Vocês”
Júpiter Maçã – “Essência Interior”
Júpiter Maçã – “As Mesmas Coisas”
Jupiter Apple + Bibmo – “Any Job”
Júpiter Maçã – “Samby-Groovy Theme”
Júpiter Maçã – “Miss Lexotan 6mg Garota”
Escrevi sobre a falta que o músico gaúcho fará lá no meu blog no UOL, além de separar alguns vídeos para provar isso.

Uma notícia péssima para fechar 2015: embora não haja confirmação 100%, tudo indica que Flavio Basso, o Júpiter Maçã, uma das figuras mais importantes da psicodelia brasileira e do rock gaúcho, passou pro outro plano da existência. A Rádio Guaíba está dando como oficial a notícia em sua conta no Twitter Rádio Guaíba confirma a morte do músico. Júpiter compôs um dos grandes discos do rock brasileiro, a Sétima Efervescência, de 19976, e por esse disco já teria seu nome na história de nossa cultura.
E só por uma das músicas deste disco – “Lugar do Caralho” – ele já está no panteão do rock gaúcho. Mas foi integrante do TNT, banda da primeiríssima leva de bandas gaúchas dos anos 70, e fundou os Cascavelletes ao lado de Frank Jorge e Nei Van Soria na virada dos 80 para os 90 (e xavecou Angélica na cara dura em cadeia nacional). Sempre se reinventando, o multiinstrumentista navegou pelo rock inglês, pela tropicália, pelo krautrock, pela canção francesa, pela bossa nova para exportação, pelo free jazz, pela música eletrônica. E sua figura pública – uma esfinge irônica que misturava Syd Barrett com Raul Seixas – era tão emblemática quanto de outros heróis gaúchos contemporâneos, como Wander Wildner, Frank Jorge e Edu K, mas seu nível de loucura era refinado e grosseiro na mesma medida.
A última vez que o vi, ele fez um show no Sesc Pompéia, em que mostrou alguns de seus clássicos antigos e recentes. Filmei algumas músicas abaixo:
As gerações mais novas devem conhecê-lo apenas pelas entrevistas ultrajantes e sem cabeça que apareciam vez por outra no YouTube. Mas sua morte súbita deixa uma lacuna drástica no inconsciente do rock nacional, justamente no momento em que a psicodelia volta a ser valorizada. Ave Júpiter!

É tanto show em tanto Rock in Rio que às vezes encontros memoráveis como este passam despercebidos. Felizmente, há o registro:

Sei lá, deu vontade…
Girls Against Boys – “Superfire”
Scott Weilland – “Desperation #5”
Beck – “Nicotine & Gravy”
Ween – “Freedom of ’76”
Los Amigos Invisibles – “La Playa Azul”
Chico Science & Nação Zumbi – “Amor de Muito”
Imperial Teen – “Imperial Teen”
Sebadoh – “Forced Love”
Yo La Tengo – “Decora”
Júpiter Maçã – “As Tortas e as Cucas”
Cornershop – “Sleep on the Left Side”
New Radicals – “You Only Get What You Give”
Cake – “Never There”
Dr. Dre – “Let Me Ride”
Beastie Boys – “So What Cha Want”
Blur – “Look Inside America”
Supergrass – “Moving”
Vem!
Poucos dias antes de cair do segundo andar do prédio em que mora, Júpiter Maçã lançava seu “clipe de inverno”, como se referia nas filmagens de “Gothic Love / Urban Blue”. Dirigido e filmado por Roberto Panarotto (que fala mais sobre as gravações do vídeo em seu blog) em Chapecó, o clipe envereda por aquela paisagem inglesa típica do imaginário de Flávio Basso, só que mais puxada para a melancolia azulada que dá o tom do clipe abaixo:
Sobre a queda, o estado de Júpiter está estável e ele passa bem. Felizmente.
Uma notícia ruim: Júpiter Maçã caiu do segundo andar do prédio em que mora em Porto Alegre na manhã desta quinta-feira. Segundo a Zero Hora, ele fraturou o pulso e uma vértebra e teria alta nessa sexta-feira. Vamos torcer pra tudo isso ser apenas um susto e que nada mais grave aconteça a um dos grandes nomes da psicodelia brasileira. Pude assistir a um show que ele fez em São Paulo há um mês e filmei algumas faixas, veja abaixo: