Jornalismo

Intensidade solar

Pouco antes de começar a segunda noite de sua temporada no Centro da Terra, passei no camarim do teatro para desejar mais uma boa apresentação para Lenna Bahule e ela comentou que a que iria fazer nesta segunda era mais solar, diferente da primeira. “Que foi intensa”, emendei, para ouvi-la repetir com um sorriso que “intensa é a palavra, a de hoje vai ser mais solar”, no que reforcei que poderia a apresentação poderia ser solar E intensa ao mesmo tempo – e foi exatamente o que ela fez. Como na semana anterior, começou sozinha no palco, desta vez sem tocar nenhum instrumento senão sua voz, para logo depois ser acompanhada de seus dois comparsas desta temporada, o baixista Kiko Woiski e o guitarrista Ed Woiski, ambos imersos em um groove hipnótico e cheio de detalhes sutis, que só cresceu com a entrada dos convidados da noite, a maravilhosa e forte voz da angolana Jessica Areias (que, ao dançar junto com Lenna no meio do palco, era pura energia) e a força no couro dos mestres Maurício Badé (na percussão) e Jota Erre (em uma minibateria), explorando o jogo de vozes que envolvia todos no palco, palmas e a participação do público numa noite, sim, solar e intensa.

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“O encontro com Lenine aconteceu de forma mais direta no carnaval recifense do ano passado, quando ele assistiu ao meu show no Polo da Várzea”, explica a sagaz pernambucana Flaira Ferro sobre o encontro com seu ídolo e mestre, com quem acaba de gravar um single,”Afeto Radical”, que será lançado nesta terça mas já pode ser ouvido em primeira mão aqui no Trabalho Sujo. “Para quem não sabe, o carnaval do Recife é bem espalhado, com palcos em vários pontos da cidade e o da Várzea é um deles. Toquei antes dele e, sem saber, ele foi para a coxia do palco e ficou assistindo de lá. Segundo a galera que estava vendo, ele tava pirando, dançando, curtindo o show. Quando terminei minha apresentação, ele me chamou para ir ao camarim.”

Flaira continua explicando como foi o encontro: “Lá, ele falou um monte de coisas lindas sobre o show, disse que já estava há tempos esperando para ver ao vivo, que já conhecia o meu trabalho, mas nunca tinha me visto no palco. Ele me contou também que a família dele, em especial a irmã que faleceu há alguns anos, falava muito dos meus shows e que ela ia direto. Nesse momento, rolou uma sinergia, uma troca de carinho real. Foi algo genuíno, sabe? Uma conexão muito forte. Eu sou muito fã dele, ele é uma força inspiradora para mim há mais de 15 anos. Escuto suas músicas como um norte, uma referência, desde antes de eu começar a trabalhar com música.”

“Quando nos reencontramos naquele carnaval, senti uma intimidade se construindo, e eu sabia que, em algum momento, seria possível fazer algo juntos. Era um sonho meu conseguir registrar algo com uma figura que eu admiro tanto. Para mim, a ideia de feat e singles vai além do aspecto mercadológico, que muitas vezes se resume a juntar públicos diferentes. Para mim, esses encontros precisam ter um propósito verdadeiro, algo que venha do coração, da essência de cada artista. E o Lenine é essa figura que me inspira profundamente, com suas canções que falam de sabedoria existencial e força motora.”

“Então, em 2024, no primeiro semestre, eu o convidei para colaborar, por mensagem. Ele respondeu na hora: ‘Você pode contar comigo sim! Adoraria dividir uma de suas canções’ E foi tudo muito rápido, muito fluido, fácil. Eu mandei a música para ele e, pouco tempo depois, ele já estava gravando no estúdio O Quarto, no Rio de Janeiro, com Bruno Giorgi, seu filho, que também é produtor. Eles me mandaram as vozes, e a gente pirou. Foi tudo muito tranquilo, rápido, e isso só tornou a experiência ainda mais especial.”

“O single ‘Afeto Radical’ que nasceu dessa colaboração tem muito a ver com a proposta do Lenine”, continua Flaira. “A sonoridade e a mensagem dela têm tudo a ver com o que ele transmite nas suas canções. Foi um encontro de essências, e é por isso que essa música é tão importante para mim. Quando avisei para ele que o nosso single sai agora dia 11, ele respondeu: “Flaira querida, Que bom que o novo rebento tá chegando! Adorei estar junto contigo…, te curto faz tanto… Sim, nos veremos no reinado de momo e brindaremos nosso encontro! Xêro gigante”.

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Courtney Barnett abriu os trabalhos do disco em homenagem a Neil Young que será lançado no próximo mês de abril, trazendo uma versão maravilhosa para “Lotta Love”. O disco, chamado de Heart Of Gold: The Songs Of Neil Young Volume I (e um volume II já foi anunciado) será lançado no dia 25 de abril e ainda trará versões para músicas do gênio canadense cantadas por Fiona Apple (“Heart of Gold”), Sharon Van Etten (“Here We Are In The Years”), Doobie Brothers com Allison Russell (“Comes A Time”), Steve Earle (“Long May You Run”), Mumford & Sons (“Harvest”), Eddie Vedder (“Needle and The Damage Done”), entre outros. “‘Lotta Love’ é uma das minhas músicas favoritas de Neil Young e sua letra me parece especialmente relevante neste momento da história”, disse Courtneyzinha ao mostrar sua versão. Os fundos arrecadados com as vendas do disco (que já está em pré-venda) irão para a escola norte-americana The Bridge School (organização não-governamental fundada em 1987 pela ex-esposa de Neil, Pegi Young, que morreu em 2019). Além da versão de Barnett, outra versão, de “Southern Man” que tornou-se um soul rasgado na voz de Chris Pierce, também foi revelada esta semana. Ouça as duas abaixo, além de ver a lista com todos os artistas convidados para o disco e suas respectivas versões. Continue

A vocalista da banda mineira Varanda Amélia do Carmo lançou um curto disco de fininho em que colabora com seu conterrâneo, o produtor eletrônico Yo Mati. Apesar de baseada em Juiz de Fora, Amélia vem da pequena Caratinga (terra-natal do Ziraldo), onde conheceu Mati. Ele começa contando a história desse primeiro disco da dupla, que bate tanto num trip hop lo-fi quanto em melancólicas canções adolescentes com forte carga dramática: “Melondreams nasceu despretensioso em 2020 com algumas faixas instrumentais feitas no meu quarto”, explica o produtor. “Em 2021, juntei essas músicas num EP e chamei Amélia pra fazer a capa. Eu sempre gostei muito da estética das artes e pinturas dela. No meio desse processo, ela me disse que interessou por uma das músicas, gravou vozes por cima, e eu fiquei surpreso com o resultado – até então, o que eu fazia só circulava entre meus amigos.”

“Quando eu ouvi nesse EP, que faria só a capa, o instrumental de “Goodbye”, ouvi também uma voz ali, num dia só escrevi a letra, gravei sem permissão e sem click, mandei pra ele como um exercício mesmo”, lembra a cantora. “A gente pilhou tanto no som e nessa onda de sonhos febris que fizemos logo mais três nesse mesmo estilo, no caso de “Sim” e “Marble Eyes”, eu gravei a letra cantada e ele fez o instrumental em cima, desse mesmo jeito improvisado e online que inventamos”

Os dois citam as referências nestas primeiras canções. “Eu estava fissurado em Boards of Canada, Windows96 e outras drogas mais pesadas – apesar dos meus amigos sempre mencionarem a influência daquela live infinita ‘lofi hip hop radio beats to relax/study to’ em tudo que faço”, explica Mati. “Pra compor e performar eu mirei totalmente nas jovens criações de Lana del Rey e seu dreampop lo-fi, e é engraçado ouvir sabendo que faria tudo diferente hoje em dia, mas gosto que se mantenha assim, essa coisa meio outra personalidade”, completa a vocalista. Os dois continuaram colaborando sem se encontrar pessoalmente, pois Amélia já estava em Juiz de Fora.

“Em algum momento, entrei em um quadro depressivo e abandonei o projeto”, lembra o produtor. “Esse gap de tempo me ajudou a dar uma reciclada nas ideias daquela época e quatro anos depois, reabri as faixas, mandei um “we are very back!” pra Amélia e com uma semana de total hiperfoco, eu só pensei em finalizar o que faltava.” “Foi um bom exercício de desprendimento com uma criação do passado também, soltar esse EP finalmente foi legal também pelo exercício de fazer uma coisa e deixar ela existir sem tantas pretensões, sei lá, vai que alguém gosta”, completa Amélia, que fala que nem pensou sobre a possibilidade de fazer algo ao vivo com esse trabalho. “Não estávamos pensando nem se alguém iria querer ouvir… mas quem sabe né… Mistério”, se faz. “Enfim dropamos, sem aviso e sem expectativa, só porque precisava existir”, conclui Mati. Ouça abaixo: Continue

Vamos começar mais uma festa? Nessa sexta-feira retorno a um velho endereço conhecido para inaugurar mais uma festa, a Trabalho Sujo DJs. Depois de fazer uma primeira edição em Brasília, estreio a festa em São Paulo no Katarina Bar, que muitos talvez não conheçam de nome, mas certamente devem conhecer de endereço, pois o estabelecimento fica no mesmo número 272 da Avenida São Luiz que abrigava o saudoso Alberta #3, onde há mais de dez anos inaugurava a minha festa Noites Trabalho Sujo. Pois a nova festa tem o espírito daquela época, pois atravesso a madrugada de sexta pra sábado discotecando a noite toda ao lado de compadres e comadres cujos gostos musicais batem tanto com o meu quanto o meu santo com o deles. E pra essa primeira edição chamei a Pérola Mathias, com quem tenho dado mais uma edição do curso Bibliografia da Música Brasileira, e o ícone Luiz Pattoli, que copilotava comigo as lendárias Noites Trabalho Sujo. No som, você já sabe, hits de todas as épocas, seja de música eletrônica, indie rock, música brasileira, rock clássico, dance music, música pop, hip hop, soul e samba – e por onde mais nossa imaginação e vontade de dançar nos levar. A festa começa às 22h e quem chegar até essa hora não paga pra entrar – e a pista vai abrir às 23h. Vamos?

Morreu nesta quinta-feira um dos principais nomes da leva de artistas nordestinos que conseguiu despontar para o sucesso nacional entre os anos 70 e 80. Vital Farias tornou-se mais conhecido ao fazer parte do espetáculo Cantoria – que o reuniu a outros três grandes nomes da canção tradicional nordestina, Geraldo Azevedo, Xangai e Elomar -, que começou como uma temporada de shows em 1984 no Teatro Castro Alves em Salvador e tornou-se uma turnê nacional que rendeu dois álbuns (batizados de Cantoria, de 1984, e Cantoria 2, de 1987, e lançados pela emblemática Kuarup Discos), confirmando sua ascendência como um dos principais compositores, violeiros e trovadores de sua geração. Mas apesar de não ser um nome facilmente reconhecido do grande público, o mesmo não pode ser dito sobre suas canções, como “Veja (Margarida)”, eternizadda por Geraldo Azevedo, “Canção em dois tempos (Era casa era jardim)”, mais conhecida na voz de Fagner, e “Ai Que Saudade D’Ocê”, consagrada por Elba Ramalho e regravada por dezenas de artistas. Nascido em Taperoá, no Cariri paraibano, ele veio para o Rio de Janeiro para fazer a trilha sonora da peça Lampião no Inferno e também colaborou com Chico Buarque em sua peça Gota D’Água. Tradicionalmente ligado à esquerda, deu uma virada para a política e para a direita na última década de sua vida, quando tentou candidatar-se a cargos legislativos e foi apoiador do ex-presidente de extrema-direita.


(Foto: Juh Almeida/Divulgação)

Depois de um ano debruçada sobre a Timbalada, sobre a qual lançou o EP Mandinga Multiplicação no ano passado, a baiana Josyara começa a mostrar seu novo álbum, já batizado de Avia, que começa a mostrar sua cara a partir de uma canção alheia, no caso a clássica “Ensacado”, faixa do clássico prog nordestino Vinte Palavras Ao Redor do Sol (1979), da paraibana Cátia de França, que ela será lançado nessa sexta-feira mas surge em primeira mão aqui no Trabalho Sujo. Mas para não desequilibrar a energia baiana, ela, responsável pelo arranjo e pelos violões do single, chamou a conterrânea Pitty para acompanhá-la neste primeiro passo. A escolha da música é perfeita não apenas por colocar Josyara num cânone bem específico, como para lançar luz sobre a mestra Cátia, que segue à toda mesmo às vésperas dos 80 anos, fazendo shows, além de ter lançado um discaço ano passado, chamado No Rastro de Catarina.

Ouça o novo single abaixo: Continue

Tecladista fundador do Soft Machine e uma das figuras mais icônicas do rock psicodélico inglês – e um dos responsáveis por transformá-lo em rock progressivo -, Michael Ratledge nos deixou nesta quarta-feira, depois de uma súbita doença, como seu amigo e ex-companheiro de banda John Etheridge escreveu em sua página no Facebook. “Mike era a espinha dorsal do Soft Machine mo início e um sujeito com uma mente absolutamente incisiva – compositor e tecladista maravilhosos. Um verdadeiro homem da renascença – tão talentoso, culto, charmoso – e uma companhia maravilhosa. Nos encontrávamos por semanas nos últimos quarenta anos – um deleite para mim.” Ratledge, conhecido pelos solos endiabrados que caracterizavam a primeira fase da banda, completava um quarteto que era formado apenas por David Allen, Robert Wyatt e Kevin Ayers, a nata da cena de Canterbury, que ainda pariu monstros sagrados como Wilde Flowers, Gong, Caravan, Khan e Camel.

Começando de novo

Começamos eu e Pérola a segunda edição do curso Bibliografia da Música Brasileira nesta quarta-feira no Sesc Pinheiros. Na primeira aula conversamos com os alunos sobre suas expectativas em relação ao curso bem como explicamos como o mercado editorial brasileiro, a partir da virada deste século, passou a dar mais atenção nao só ao tema da música brasileira como a diversos pontos específicos da nossa identidade cultural. Quarta-feira que vem continuamos e o tema dessa vez será o samba. (📷: @theaseverino)

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Das melhores promessas da nova cena indie rock paulistana, o grupo Celacanto começa a mover-se em direção de seu álbum de estreia ao lançar, nesta quinta-feira, o primeiro single, chamado apenas de “Cedo”, que antecipam em primeira mão para o Trabalho Sujo. Formada por Eduardo Barco (guitarra e sanfona), Giovanni Lenti (bateria), Matheus Costa (baixo) e Miguel Lian (voz e guitarra), o grupo já tocou duas vezes no Inferninho Trabalho Sujo e quem já os viu ao vivo percebe as influências tanto do indie mais cabeçudo à Radiohead – talvez a principal referência da banda – quanto de MPB e rock clássico. Neste single, o primeiro gravado pelo grupo quando começou a trabalhar com o produtor Luiz “Lauiz” Martins (integrante do grupo Pelados), o quarteto reforça a natureza romântica de suas canções. “Composta em 2019, a proposta da faixa era abordar por uma perspectiva própria a canção romântica do pop rock brasileiro dos anos 1990 e 2000”, explica o vocalista Miguel. “Liricamente, Skank e Nando Reis foram referências importantes, ajudando a dar contorno às inspirações biográficas por trás de ‘Cedo’, e os elementos musicais, de outro lado, for concebidos com influência dos primeiros álbuns do Tame Impala, junto de acenos às canções dos Beatles na fase iê-iê-iê”. A banda lança oficialmente o single nas plataformas de áudio nesta quinta-feira, mesmo dia em que se apresentam no Bar Alto (Rua Aspicuelta, 194), a partir das 20h.

Ouça a “Cedo” abaixo: Continue