O jovem mestre da guitarrada Felipe Cordeiro prepara-se para lançar seu terceiro álbum, Transpyra, produzido por Kassin, no início de 2019, e resolveu antecipar aqui no Trabalho Sujo, o primeiro alento deste trabalho: “Demais”. A faixa, cujo clipe foi filmado no Minhocão paulistano, flerta com a new wave (sem abandonar as raízes paraenses) e tem cores explicitamente políticas, mas olhando para o futuro com esperança. “Corpo é nosso núcleo de desejo, resistência e liberdade. Levo para a minha música o corpo, o movimento, a provocação, o pensamento”, explica o músico e compositor.
Sem aviso, a banda curitibana Ruído/mm anuncia que lançará seu novo disco nesta quinta-feira e antecipa a penúltima faixa, “Jacó”, em primeira mão para o Trabalho Sujo. Seguindo instrumental, como sempre, o novo disco segue uma linha bem diferente dos trabalhos anteriores, embora os fortes ataques em câmera lenta ainda predominem o cenário do álbum. Felizmente A é Côncavo, B é Convexo foge bastante da fórmula conhecida do pós-rock, gênero sem fronteiras em que a banda normalmente é encaixada. “O disco orbita se relacionando e fugindo do que já fizemos, ora se aproximando ora se aventurando”, tenta explicar Pill, enquanto Liblik tenta racionalizar a distância entre os dois álbuns: “Eu diria que são quatro anos-luz – cerca de 37.842.921.890.323 quilômetros. Pensemos em quanto o Brasil de 2014 se distancia do de 2018.” “Jacó” é uma boa amostra deste novo rumo – que não é um só.
A é Côncavo, B é Convexo é o trabalho mais recente do grupo desde o ótimo Rasura, de 2014, e o primeiro desde que um de seus guitarristas, André Ramiro, mudou-se para os Estados Unidos, mas a mudança não interferiu o processo de criação da banda. “Dois países é moleza”, me conta o tecladista Alexandre Liblik por email, “o problema é a distância dos seis mundos e as realidades diferentes que cada um de nós vive”. “Temos trabalhado remotamente via internet desde o Rasura, então é algo que já nos acostumamos”, completa o outro guitarrista, Ricardo Pill. “O papel fundamental do Ramiro nas composições só segue possível porque a sintonia dele com a banda é muito grande, de verdade. Felizmente, as agendas bateram e ele pôde estar presente para gravar conosco pessoalmente.”
As agendas não bateram, no entanto, para o lançamento do novo álbum – e o grupo mostra o disco ao vivo neste domingo, no Teatro da Reitoria da UFPR, em Curitiba (mais informações aqui). A resposta para como lidar com a ausência do guitarrista tem a ver com a proposta do grupo: “Emaranhamento quântico. Nós estamos em estado de sobreposição – é ritual. O Ramiro sempre chega junto quando tocamos, seja como espectro ou mesmo compartilhando alguns spins em comum”, completa Liblik. A banda ainda conta com Felipe Ayres na guitarra, Rafael Panke no baixo e Giovani Farina na bateria.
No entanto, esta comparação não é apenas política. “É uma da possíveis leituras, mas definitivamente não se resume a isso”, conta o baixista. “Estamos estarrecidos com os rumos que História tem tomado, mas o A/B que exploramos vai além, dizendo respeito às ambiguidades, aos paradoxos e às aparentes dualidades presentes nas categorias elementares do pensamento humano. A complexidade derivada das paralaxes de percepção é estonteante e melhor expressada sem o uso de palavras.”
Pill deschava melhor este conceito: “Entendo essa interpretação, mas acredito que o título, o nome das músicas e principalmente o som reflete muito mais o microcosmos da banda. Como se expressar de forma subjetiva através de um ser coletivo? Como lidar com prismas onde o apreço estético não tem valor de juízo? E no final caímos no abismo do ‘eu prefiro’. O disco é, mais uma vez, um exercício de diálogo, uma busca de um chão comum ou de uma divergência válida, interessante. É claro que não somos imunes ao que está acontecendo na política brasileira e isso em algum grau deve estar presente na música. O quanto, não sabemos.”
“O Agambem traduz Política no sentido de Aristóteles como o (co)partilhamento da existência”, amplia ainda mais a discussão o tecladista. “Não pode haver nós versus eles quando temos tão somente nós-que-compartilhamos-o-mundo. Em nosso processo específico para a criação deste disco, tivemos que lidar com toda a gama de dificuldades possíveis – já aqui, uma micropolítica da convivência foi essencial. Em primeiro lugar, cada um cuidando do seu jardim, buscando o Eu-Tu nas relações. Saindo dessa micropolítica da banda, podemos admitir que a música instrumental só pode acontecer num espaço coletivo, em que o emaranhamento de pessoas que estão concentradas e focadas nos epifenômenos, nas sutilezas, nas profundidade, é o que torna a experiência subjetivamente importante e “maior” – gestalt. É uma definição perfeita do que seria esse compartilhar da existência. Na macropolítica, somos entusiastas desse compartilhamento – acredito que haja mais política numa experiência xamânica do que em um ano de discursos e argumentação politica.”
O disco estará disponível em todas as plataformas digitais a partir desta quinta. Abaixo, a capa (feita por Jaime Silveira sobre uma gravura de Maikel da Maia) e o nome das músicas do disco, na ordem.
“Niilismo”
“Volca”
“Antílope”
“Ourobouros”
“Tesserato”
“Esporos”
“Jacó”
“MMC”
E lá se vão 23 anos em que vi a primeira vez um projeto inteiramente meu se materializando. No dia 20 de novembro de 1995, uma segunda-feira, tive o prazer de ver que uma página que havia idealizado mentalmente e diagramado (mal e porcamente) no PageMaker no computador 486 que tinha no pequeno apartamento em que habitava no cruzamento da Coronel Quirino com a Moraes Salles, em Campinas, havia sido publicada por um jornal local. Essa foi uma entre várias outras epifanias daquele período. Tinha me mudado para a cidade do interior paulista para fazer Ciências Sociais e nem imaginava que fosse parar no jornalismo, bicho que me mordeu sem perceber para mostrar que eu já o conhecia desde sempre.
Nestes 23 anos, o Trabalho Sujo já foi impresso, digital, entrevista, presencial, em áudio, vídeo, playlist, sessão de cinema, podcast, curso, festa. Minhas redes sociais acabam se integrando a este enorme processo individual que nos últimos anos puxou para a música independente brasileira para escolher um foco para uma nova fase que começou em 2014 e que tem movido meus trabalhos como curador e diretor artístico. Já contei essa história várias vezes, além de explicar as motivações deste trabalho (bem como produzindo os frutos deste processo) e tudo indica que estes processos vão se intensificar em breve, à medida em que o próprio site cada vez traz mais referências ao que faço fora dele. A produção dos próximos anos, como nos mais recentes, deverá ser mais presencial que digital – uma boa direção para retomarmos discussões que possam ser mais produzidas e menos vazias que estas publicadas nesse tamagochi gigante que se transformou a internet.
O Trabalho Sujo é jornalismo, é pessoal e é individualista, mas também é um processo coletivo que conta com a presença de pelo menos uma outra pessoa: o leitor. Por isso aproveito para agradecer todos que me ajudaram nesta construção pessoal. Não vou citar nomes porque senão passaria dias listando e inevitavelmente esqueceria de alguéns. Mas todo mundo que colaborou de alguma forma com este site, seja produzindo textos (eventualmente publico texto dos outros), ilustrações ou dado entrevistas, quem discotecou comigo, que me chamou pra fazer um frila ou pra um almoço ou pra um café ou pra um sorvete, que me cumprimentou no meio de um show ou quando estava discotecando, que eu chamei para participar de algum curso ou fazer alguma palestra ou que me chamou para algum debate ou fazer mediação de mesas redondas, quem eu chamei para fazer shows nos lugares em que faço curadoria e quem foi assistir a estes shows, quem foi às minhas festas e aos meus cursos. Viagens, passeios, discussões, shows e festas, encontros presenciais que me aproximaram de pessoas que desconhecia ou que conhecia apenas via internet. O Trabalho Sujo é fruto destes encontros e eles são uma motivação e tanto para continuar nessa. Agradeço a todos que encontrei neste caminho, pessoas incríveis que me ajudaram a ver o mundo de outra forma.
Seguimos juntos, porque, apesar de parecer contraditório, o mantra segue firme: só melhora!
Norah Jones vem tateando novos caminhos desde o início do ano, lançando faixas isoladas (o single “My Heart is Full“) e colaborações (fez um dueto com Willie Nelson no disco tributo do ícone country a Frank Sinatra e vai participar do remake que o grupo Mercury Rev irá fazer do disco The Delta Sweete, de Bobbie Gentry) como se estivesse em busca de um novo rumo a seguir. Mas ela acaba de repetir um padrão nesta série de novidades, com a melancólica “Wintertime”, lançada parceria com o líder do Wilco, Jeff Tweedy, e que ainda conta com o filho de Jeff, Spencer na bateria.
É a segunda faixa que Norah grava com Jeff. A outra, “A Song With No Name”, foi lançada em setembro.
Será que os dois cogitam um disco juntos? Não tem como dar errado…
Escrevi minha coluna Tudo Tanto – que agora está no site Reverb – sobre o disco novo de Karol Conká, Ambulante, que foi produzido por Péricles “Boss in Drama” Martins e funde hip hop e dance music em busca do pop perfeito – leia a coluna aqui.
Gigantes, do carioca BK’, é mais uma prova que o rap nacional vive uma nova fase de ouro.
O vocalista do Radiohead, Thom Yorke, está fazendo a divulgação de seu novo álbum, a trilha sonora para o remake do filme de terror Suspiria, e com isso tem dado entrevistas e participado de programas de rádio, como este Late Junction da BBC 3, que convidou Thom para fazer uma mixtape específica para o programa. O mix, que pode ser ouvido no site da BBC, abre com “Burn the Witch”, a primeira faixa do disco mais recente do Radiohead, e inclui nomes como Aphex Twin, Faust, o percussionista do King Crimson Jamie Muir, o cravista francês Justin Taylor tocando György Ligeti e obras de Karlheinz Stockhausen e Pierre Henry, além de uma música da recém-lançada trilha sonora de Yorke. Ele já havia participado de outro programa da BBC, quando deu uma entrevista, tocou músicas e fez outra mixtape, essa inspirada em Suspiria, mais atmosférica, com peças de Steve Reich, Ryuichi Sakamoto, James Blake, Lightnin’ Hopkins, Pierre Schaeffer & Pierre Henry e músicas próprias (que pode ser ouvida aqui).
Aproveito a oportunidade para resgatar a coluna On the Run, dedicada a mixtapes, DJ sets e toda sorte de músicas alheias tocadas em sequência.
Na minha coluna Tudo Tanto desta semana, que agora está no site Reverb, um papo com o Luiz Gabriel Lopes, um dos criadores da Mostra Cantatoures, que acontece há sete anos em Belo Horizonte e repensa a música brasileira a partir de um aspecto específico – a formação solitária no palco. A coluna pode ser lida no site aqui.
Um dos principais nomes da música britânica do século passado, Nick Drake é daqueles artistas que fez pouco, mas o pouco que fez foi muito. Lançou três álbuns e uma série de gravações esporádicas numa discografia impecável que reúne um cancioneiro único no Reino Unido. Tímido e recluso (e com quase dois metros de altura), fazia parte da cena folk inglesa de bandas como Incredible String Band, Fairport Convention e Sandy Denny, da virada dos anos 60 para os 70, e embora não fosse um dos integrantes mais ativos da cena, era seu principal nome. Ainda desconhecido no Brasil, ele é alvo de um tributo organizado pelo produtor Eduardo Lemos e pelo músico Régis Damasceno, guitarrista do Cidadão Instigado e diretor musical do show Lua Rosa, que acontece no Sesc 24 de Maio nos dias 14 e 15 de novembro e reúne, além de Regis, nomes como Filipe Catto, Stela Campos, Ceumar e Gui Amabis (mais informações aqui). Bati um papo com os dois, que também anteciparam em primeira mão para o Trabalho Sujo a versão que Filipe Catto e Regis Damasceno fizeram para “Clothes of Sand”, uma das músicas mais conhecidas dele por aqui, que foi gravada no primeiro disco solo de Renato Russo, The Stonewall Celebration Concert.
https://www.youtube.com/watch?v=gtmCzHQZc0U
Como surgiu a ideia de homenagear Nick Drake? Como você conheceu o trabalho do autor?
Eduardo Lemos: Conheci Nick Drake em 2008, quando assisti Garden State. Uma de suas mais bonitas canções, “One of These Things First”, faz parte da trilha sonora do filme. Nas semanas seguintes, fiquei obcecado por sua obra: escutava o tempo todo seus três discos lançados em vida, pesquisava sobre sua vida em fóruns na internet, procurava amigos músicos e jornalistas pra saber se alguém o conhecia. A resposta era sempre ‘não’. Me formei jornalista, comecei a trabalhar na área e descobrir que um ou outro músico era também obcecado pelo cara. Meu interesse por ele só ia aumentando. Visitei duas vezes sua cidade, Tanworth In Arden, um vilarejo perdido no meio da Inglaterra, a uma hora de Birmingham, li biografias, revistas, fanzines e, mais importante, continuei escutando suas músicas e tendo a mesma sensação mágica das primeiras vezes. Há uns dois anos, me dei conta que em 2018 ele faria 70 anos. Achei que a data redonda pudesse ser um gancho pra tirar um antigo sonho da cabeça: fazer um show de músicos brasileiros em homenagem a Nick Drake.
Fale sobre sua aproximação com Regis Damasceno para dirigir a parte musical do show.
Eduardo Lemos: O diretor musical é Regis Damasceno. Mas eu não o conhecia até então. E há uma história curiosa em torno disso. Um dos amigos músicos que compartilham comigo o fascínio pelo Nick Drake é Meno del Picchia, um dos mais talentosos músicos da cena contemporânea. Em janeiro deste ano, convidei-o para pensar comigo o espetáculo. Ele adorou a ideia, tentamos começar o projeto diversas vezes, mas a coisa sempre travava em algum lugar, ou na agenda dele, ou na minha. Decidimos que era melhor que eu buscasse outro nome. Por coincidência, dias depois fui para a Inglaterra e novamente visitei Tanworth in Arden. O seu túmulo fica no jardim de uma igreja milenar, solitário embaixo de uma grande árvore de carvalho. Me aproximei, falei algumas coisas, rezei e chorei. Quando eu já havia dado alguns passos para ir embora, resolvi voltar e fazer um pedido: se ele, Nick, achasse legal a ideia de um projeto em sua homenagem, que me enviasse um sinal. horas depois, já de volta a Londres, recebo uma mensagem do Meno dizendo: “tenho a pessoa perfeita pro show do Nick: Regis Damasceno”. Dali em diante, Regis tocou a parte musical e eu fui cuidar do resto: conceito, produção, comunicação etc.
Como aconteceu a escolha dos intérpretes?
Regis Damasceno: A escolha dos intérpretes não foi uma tarefa muito fácil. A gente pesquisou bastante pra encontrar, dentro do universo de intérpretes que a gente conhece, artistas que fossem fãs do trabalho do Nick Drake. Algumas escolhas foram simples, outras foram surpresas pra nós. Por exemplo, eu não imaginava que a Ceumar fosse fã do Nick Drake, foi uma boa surpresa pra nós. O Gui Amabis eu já conhecia, toco com ele e, inclusive, a gente tocava uma música do Nick Drake nos shows dele (“Day is Done”). A Stela é uma fã de longa data do Drake. E o Filipe Catto, um cantor pop, atual, que tem afinidade com a obra dele. E foi legal descobrir outros nomes de fora de São Paulo que também curtem o Nick Drake, e que podem estar com a gente se conseguirmos levar o show para o Rio de Janeiro ou Belo Horizonte, por exemplo.
E o repertório, ele privilegia alguma fase, alguma estética ou é uma introdução ao trabalho de Drake?
Regis Damasceno: O repertório privilegia músicas dos três álbuns e duas que não estão em disco – foram singles lançados posteriormente à sua morte ou sobras de estúdio. A gente fez um recorte estético, algo que pudesse representar a obra dele. Há músicas que serão abordadas só no arranjo de violão, como é característico dele, e outras que serão recheadas com cordas, como cello, rabeca, contrabaixo. E muitas, que no original são calcadas apenas no violão, foram arranjadas para a linguagem de banda.
O que você descobriu sobre Nick Drake que não sabia durante esta pesquisa?
Eduardo Lemos: Muita coisa. Drake era um ótimo atleta quando adolescente. Mais velho, numa viagem ao Marrocos, encontrou com – e tocou algumas canções para – ninguém menos que Mick Jagger e Keith Richards. E escutava Astrud Gilberto na faculdade. Há dezenas de histórias saborosas, mas acho que a maior descoberta está a ser feita. Desde o começo deste projeto, eu tentei que ele não fosse apenas um show ou um evento de oportunidade, algo que acende e depois apaga. Me determinei a criá-lo como um projeto contínuo, de longa duração, para que tivéssemos tempo de explorar os muitos assuntos que Drake propõe. Essa é, portanto, a maior descoberta de todas: quanto mais se lê, se escuta e se conversa sobre ele, mais ele se revela. Nick Drake não foi devidamente escrutinado pela mídia quando estava vivo – não há nenhum registro seu em movimento, seja entrevistas ou performances ao vivo, há pouquíssimas aspas para jornalistas e ele não deixou nenhum diário. A descoberta de seu universo se dá, portanto, pelo som e pela palavra. É um movimento lento e o projeto pretende seguir esse ritmo. Um exemplo prático vem de sua reconhecida habilidade em criar e usar afinações alternativas de violão. Então, criamos uma aula-espetáculo de afinações de violão típicas de Nick Drake, que Regis vai ministrar no dia 15/11, às 13h, no Sesc 24 de Maio, com entrada gratuita.










