Jornalismo

brian-eno-baas

Um disco que consolidou a reputação de Brian Eno completa quatro décadas – escrevi sobre ele no meu blog no UOL.

Brian Eno é um dos principais nomes da música popular contemporânea, embora não seja reconhecido do grande público. Pensador e provocador, o “não-músico” (como gostava de se referir) teve uma breve carreira de popstar ao integrar a formação clássica do Roxy Music no início dos anos 70, mas logo sairia da banda rumo a experimentações estéticas que consolidariam a reputação de grandes ícones do pop do final do século passado, como David Bowie, Talking Heads e U2, além de viajar em seus próprios trabalhos solo, seja ao lado de músicos de alto calibre (como Robert Fripp, John Cale, Kevin Ayers, David Byrne, Jah Wobble, Daniel Lanois, entre outros), seja estabelecendo os parâmetros para sua grande contribuição autoral para a música moderna, firmando os paradigmas do que hoje chamamos de ambient music. Mas se passou parte dos anos 70 rascunhando o futuro da música moderna como a conhecemos hoje, estes traços musicais atingiram o ápice no dia 2 de dezembro de 1977, quando, há quarenta anos, lançava o quinto disco com seu nome, que cravava sua importância com o espetacular Before and After Science.

Eno ficou conhecido por provocar seus companheiros de banda a buscar novas alternativas para além das convenções musicais estabelecidas. Brincava que se tivesse se atrasado ou adiantado no dia em que conheceu o saxofonista Andy McKaye no metrô de Londres talvez nunca tivesse entrado no ramo da música e seria um acadêmico das artes sem nenhum vínculo com a música comercial. A passagem pelo Roxy Music, que durou apenas dois anos, foi o suficiente para que ele aplicasse, na prática, conceitos estéticos que explorava enquanto era universitário. Só foi subir no palco com a banda – fazendo vocais de apoio ao vivo e tocando teclados – depois de começar apenas na cabine de som, mixando o som da banda ao vivo. Ao ir para a ribalta, aproveitou a estética glam de sua banda para levar ao extremo suas aparições ao vivo, transformando-se em um modelo cênico radical dos conceitos que aplicava na música, vestindo-se de forma extravagante. Gostava de dizer que seu principal instrumento era o gravador de fitas (e orgulhava-se possuir mais de trinta aparelhos desse tipo) à medida em que estabelecia sua carreira solo, dizia que não tocava músicas e sim músicos.

Brian Eno

Brian Eno

Seus primeiros quatro discos solo reforçariam essa mentalidade. Os dois primeiros, Here Come the Warm Jets e Taking Tiger Mountain (by Strategy), ambos de 1974, forçavam os limites sônicos da música pop sem precisar desestruturá-la. Nos dois discos, Eno liderava um grupo de músicos que reunia titãs da música europeia dos anos 70, como todos integrantes do Roxy Music (à exceção de Bryan Ferry), membros do King Crimson, Hawkwind, Pink Faries, Genesis, Soft Machine e Winkies, enquanto Eno aparecia tocando instrumentos batizados como “piano simplista”, “laringe elétrica” e “guitarra-cobra”. Gravados em pouco tempo, seus dois primeiros discos também consolidariam uma técnica criativa que ele materializa como um conjunto de cartões chamado Oblique Strategies (Over One Hundred Worthwhile Dilemmas) (Estratégias Oblíquas – Mais de Cem Dilemas Que Valem a Pena), que traziam desafios estéticos para os músicos com quem estava gravando. Chamava um músico e puxava uma carta, que vinha com instruções simples e desafiadoras, como “tente fingir”, “apenas um elemento de cada tipo”, “o que aumentar? o que reduzir?”, “honre o erro como uma intenção oculta”, “pergunte ao seu corpo” e “trabalhe em uma velocidade diferente”. Além disso, ele usava o próprio corpo – dançando ou fazendo gestos – para guiar as experiências musicais que queria introduzir, mas sem nunca deixar as canções soando experimentais ou esquisitas.

Os dois discos seguintes, Another Green World e Discreet Music (ambos gravados em 1975), iam para o outro extremo, justamente ao descartar o formato canção. Apenas cinco das quatorze músicas de Another Green World (considerado seu principal álbum) tinham letras e as melodias se estendiam em longas texturas horizontais minimalistas, que começariam a definir o conceito de música ambiente (concebido a partir de outra ideia ousada, do compositor Erik Satie, a “música-mobília”), que aos poucos seria toda uma nova vertente desde a incipiente música eletrônica do período até hoje. Discreet Music ia ainda além, principalmente a partir da faixa-título, que ocupava todo o lado A do vinil com trinta minutos de contemplação sonora.

Receoso de se repetir, Brian Eno deixou os holofotes e passou para o estúdio, começando sua bem-sucedida carreira como produtor de artistas estabelecidos, ajudando David Bowie a se reinventar em sua trilogia gravada em Berlim, onde o músico inglês abraçou completamente os conceitos estéticos de Eno, principalmente no lado B do disco Low. Nos dois anos entre seus quatro primeiros álbuns e o vindouro Before and After Science, Eno começou a trabalhar no equilíbrio entre essas duas personas: o experimentalista pop e o compositor de vanguarda.

O disco de 1977 é praticamente um manifesto de suas duas metades. O lado A é composto por canções baseadas em ritmo, que, além de ajustar o formato canção para uma novidade que vinha se desenvolvendo do outro lado do Atlântico (a disco music que seria o big bang para toda a dance music do final do século passado) também conectava-se com seus novos colaboradores alemães. Eno chamaria integrantes de bandas como Can, Cluster e Harmonia da mítica versão alemã para o rock progressivo da época (conhecidos pelo termo pejorativo krautrock) e em músicas “No One Receiving” e “Kurt’s Rejoinder” anteciparia em décadas a cena disco punk nova-iorquina puxada pelo grupo LCD Soundsytem.

Na faixa “King’s Lead Hat” saudava os novatos Talking Heads no título da música (um anagrama para o nome da banda de David Byrne), estreitando o contato que o tornaria produtor daquele grupo em seus três próximos álbuns (More Songs About Buildings and Food, Fear of Music e Remain in Light), ajudando a banda de Nova York ultrapassar o pós-punk e abraçar as músicas eletrônica, caribenha e africana. O lado B do disco, uma obra-prima por si só, elevava os conceitos de ambient music para além, aos poucos dissolvendo-os com a música pop experimental que havia lapidado em seus dois primeiros discos.

Before and After Science é o disco que marca o fim de sua carreira como popstar e sela seu destino como tutor para bandas em ascensão, além de experimentalista conceitual. A partir deste disco, Brian Eno passa a usar sua discografia como exercícios de estética ao mesmo tempo em que auxiliava artistas como Devo, James, Slowdive, Laurie Anderson, Grace Jones, Coldplay e, principalmente, o U2 a explorar novos territórios musicais. É o produtor da coletânea de noise vanguarda No New York e gravou ao lado de nomes como John Cale, David Byrne, Robert Fripp, Cluster e Harold Budd, entre outros. É o álbum que demonstra para os anos 70 como seria a música pop do futuro ao mesmo tempo em que consolida sua reputação, tornando-o livre para fazer o que quiser sem precisar dar nenhuma satisfação – comercial ou não.

guerra-inifinita

Escrevi no meu blog no UOL sobre o porque do fracasso da DC e o sucesso da Casa das Ideias ser ruim para o cinema de entretenimento.

Vamos à real: a disputa entre Marvel e DC no cinema, que até pouco tempo atrás poderia ser considerada séria, não existe mais. A Marvel vem nadando de braçadas em seu próprio universo cinematográfico e mesmo que a DC não estivesse no páreo, a transformação da editora em estúdio de cinema já seria um dos eventos mais importantes da cultura neste século. Mas depois do fracasso de Liga da Justiça e da sequência de sucessos da Marvel de 2017 (o segundo Guardiões da Galáxia, o novo Homem Aranha, um surpreendente terceiro Thor e agora o trailer do próximo Vingadores), é nítido que a DC sofreu uma derrota que dificilmente recuperará seu universo, mesmo após o ótimo filme de estreia da Mulher Maravilha. Não há Flash ou Aquaman que possa reverter esse cenário. Talvez novos filmes do Batman, mas mesmo assim… É preciso ser muito otimista – e descolado da realidade.

O anúncio que a sessão para a imprensa do terceiro Thor aconteceria na mesma semana do novo trailer do primeiro filme da Marvel em 2018 (o Pantera Negra) mostrou que a Casa das Ideias estava aos poucos desfazendo a unidade de seu universo para atingir um público ainda maior. Tanto o trailer do filme que se passa na África quanto todo o filme que ocorre no espaço a anos-luz da Terra mostram histórias que acontecem dentro deste universo já estabelecido sem que necessariamente vinculasse os filmes entre si, o que tornaria a compreensão do todo cada vez mais complexa para o público que ainda não foi convertido. Como Doutor Estranho e o segundo Guardiões já haviam mostrado, o universo cinematográfico Marvel pode criar climas completamente diferentes e filmes que pertençam a gêneros que não conversam esteticamente entre si. Só o novo Homem Aranha que escorregou no excesso de referências, embora isso não tenha abalado a reputação como sendo o melhor filme que já foi feito deste herói.

O novo trailer, nesse sentido, funciona como uma pequena sinfonia. Ele prenuncia o segundo ato da terceira fase do universo inicial com o primeiro Homem de Ferro e vai elencando todos heróis disponíveis como motivos musicais ou instrumentistas exímios. Dá alguns indícios para onde vai o filme, tem pequenas revelações, cenas grandiosas e closes em rostos emocionados e atiça o público sem entregar o ouro, como todo teaser deveria fazer. Para os fãs, um deleite. Para o público que vai ao cinema sem saber que filme vai assistir no dia, é um marco territorial, definindo a existência de mais um novo filme de heróis a partir do semblante de um ótimo novo vilão, Thanos.

O problema é que com a DC fora da disputa, o gênero super-herói tende a ficar preso à Marvel. E por mais que o novo estúdio se desdobre em mil possibilidades diferentes, esse monopólio artístico e comercial tende a estagnar essa vertente cinematográfica à agenda de uma única empresa, mais ou menos como o conglomerado que a comprou fez com a animação entre os anos 50 e 90: pouquíssimos longas de desenho animado emplacaram comercialmente durante a época em que a Disney reinava, antes da ascensão da Pixar (outra empresa que a Disney comprou anos depois) e da Dreamworks.

E o culpado desse fiasco é inevitavelmente a mão pesada de Zack Snyder, que estraçalhou dois filmes do Super-Homem ao tentar atingir o nível de hiperrealismo dos Batman de Christopher Nolan. O tempo nublado de Snyder contagiou os demais filmes da parceria da DC com a Warner (outra culpada, por não confiar no próprio taco e refazer os filmes dezenas de vezes, a ponto de protagonizar o momento mais ridículo da história do cinema comercial deste século, com o bigode do Super-Homem apagado por computador). Mulher Maravilha conseguiu jogar uma luz natural momentânea nesse universo de explosões à noite, mas Liga da Justiça afunda ainda mais uma estética fadada ao fracasso. Se ninguém quer ver um filme com o Super-Homem, a Mulher Maravilha e o Batman juntos, quem vai querer ver o filme do Ciborgue?

A monocultura que pode ser protagonizada pela Marvel ainda tem esse agravante: tira do páreo histórias novas dos dois heróis mais emblemáticos da história dos super-heróis. Batman e Super-Homem são infinitamente superiores a qualquer herói da Marvel, somente o Homem-Aranha chega perto da importância dos dois. Nomes como Thor, Homem de Ferro, Hulk e Capitão América (sem contar desconhecidos do grande público como Doutor Estranho, Guardiões das Galáxias, Pantera Negra) são mais reconhecidos por sua iconografia do que por suas histórias. Mas na medida em que a Marvel conseguiu recapturar o Aranha de volta para seus filmes (abrindo a possibilidade de isso também acontecer com os X-Men), cada vez mais o estúdio se blinda contra possíveis ameaças ao seu recente reinado nas bilheterias.

Talvez a melhor solução para a DC fosse reiniciar seu universo, como tantas vezes fez nos quadrinhos. Usar esse recurso narrativo inclusive para apresentar novos atores e diretores, zerar histórias, começar de novo. Fazer como fizeram outras tentativas de universo compartilhado que não deram certo comercialmente, como o “monstroverso” da Universal que fechou suas produções após o fracasso de A Múmia.

Porque assim teríamos a possibilidade de ver versões convincentes no cinema para clássicos do quadrinho moderno, como Red Son, O Homem Que Tinha Tudo, A Piada Mortal, As Dez Noites da Besta, Asilo Arkham, Crise de Identidade, O Reino do Amanhã. Se a DC continuar insistindo nessa linha narrativa com esses atores e diretores inevitavelmente contemplará fiasco atrás de fiasco. À sombra cada vez mais forte da Marvel.

tarantino

O próximo filme de Quentin Tarantino, teoricamente o seu penúltimo, não será sobre os assassinatos de Charles Manson, mas sobre todo aquele fatídico ano – escrevi sobre isso no meu blog no UOL.

Depois de decidir retirar seu penúltimo filme da Miramax após o escândalo envolvendo o produtor de todos seus filmes, Harvey Weinstein, Quentin Tarantino fechou acordo com a Sony para a realização de um filme que, ao contrário do que havia sido especulado anteriormente, não será sobre a chacina liderada pelo maníaco Charles Manson e sim sobre o ano de 1969. O principal executivo do grupo Sony, Tom Rothman, confirmou a produção do próximo filme do autor de Pulp Fiction, Django Livre e Bastardos Inglórios em um comunicado interno, tirando estúdios como Warner e Paramount da disputa, como reporta o site da Variety.

A notícia havia sido antecipada pelo site Deadline, cujas fontes asseguram que atores como Tom Cruise, Brad Pitt e Leonardo DiCaprio já haviam sido sondados para participar do filme, além da atriz Margot Robbie (a Harley Quinn do Esquadrão Suicida), que viveria Sharon Tate, a famosa atriz que foi uma das vítimas do massacre da chamada Família Manson, quando o líder desta comunidade mandou quatro de seus seguidores matar indiscriminadamente as pessoas em duas casas por duas noites seguidas em agosto de 1969.

Mas o diretor faz questão de frisar que o filme não é sobre estes assassinatos. “Não é sobre Charles Manson, é sobre 1969!”, contou ao site IndieWire. O ano é célebre por outros acontecimentos, como o início da retirada das tropas americanas do Vietnã, a chegada do homem à Lua, a eleição de Richard Nixon à presidência dos EUA e o festival de Woodstock, além de filmes como Sem Destino, Butch Cassidy, Meu Ódio Será Tua Herança, Perdidos na Noite e Era Uma Vez no Oeste. Resta saber o que Tarantino pode fazer neste cenário – e como o ano se encaixa em seu próprio universo de filmes.

Porque você sabe que todos os filmes de Quentin Tarantino são interligados, certo?

neilyoung

O bardo canadense Neil Young disponibilizará todo seu acervo online e de graça a partir do próximo mês – escrevi sobre isso no meu blog no UOL.

O músico canadense Neil Young, cuja obsessão com a própria produção é tão reconhecida quanto seu talento, anunciou que irá disponibilizar todo seu acervo de forma digital a partir do primeiro dia do mês que vem, em um comunicado no Facebook:

Olá,
O dia primeiro de dezembro será um grande dia para mim. The Visitor chegará à sua cidade. Eu irei para minha cidade. Você poderá me ouvir e me ver. Meu arquivo abrirá neste mesmo dia, um lugar em que você pode visitar e experimentar todas as músicas que já lancei com a melhor qualidade possível que seu equipamento possa permitir. É como tem que ser. No começo, tudo será de graça.

Muito amor,

neil

The Visitor é o nome do novo disco que Neil irá lançar ao lado da banda Promise of the Real, que o acompanha há dois anos, que será lançado com um show na cidade-natal do mito de 72 anos, Toronto, no Canadá. Será o item mais recente na vasta discografia lançada por Neil Young desde 1963 até hoje, entre discos oficiais, ao vivo, itens raros e as várias versões alternativas que lançou para suas canções. Neil Young senta-se ao lado de Bob Dylan (com as Bootleg Series), dos Beatles (com a série Anthology e outros discos lançados desde os anos 90) e de Frank Zappa (com a série Beat the Boots) como um dos principais auto-arquivistas da história da música contemporânea, preocupados tanto com a contínua produção quanto com a forma que seu legado chega para velhos fãs e novos consumidores. No site da série, Neil Young explica melhor como vai ser o funcionamento do serviço e dá uma amostra de como funcionará a linha do tempo que trará todos os lançamentos organizados em ordem cronológica (na imagem abaixo).

neilyoung-llinhadotempo

E será que ninguém se anima em trazer o Neil Young pro Brasil?

Ave PJ Harvey

pj

A deusa inglesa faz um show impecável e pode mudar o paradigma dos shows de rock no Brasil – escrevi sobre isso no meu blog no UOL.

Antes mesmo do show extra que a cantora e compositora inglesa PJ Harvey fez nessa terça-feira em São Paulo começar, os presentes sabiam que estavam prestes a testemunhar algo histórico. Não apenas o show em si, segunda vinda de uma das principais artistas contemporâneas ao Brasil, mas o contexto em que ele se encaixava, tirando o nome mais importante do meio de um festival com várias outras bandas (o Popload Festival, que acontece nesta quarta) e pondo-a em um palco mais que adequado, perfeito, para uma apresentação daquele porte. O público era veterano – numa faixa etária entre os trinta e os cinquenta – e claramente todos passaram parte considerável de suas vidas escutando som alto e indo para shows e festivais insalubres para ver seus artistas preferidos ao vivo. É uma mentalidade que tem mudado, mas fãs de rock no Brasil ainda são vistos como adolescentes que topam qualquer roubada para encarar shows que realmente querem assistir – desde pagar ingressos com valores descolados da realidade brasileira a se submeter a condições precárias e mal-ajambradas apenas para satisfazer objetivos de cunho emocional.

A situação anterior àquele show era inversa: grande parte do público sequer havia pago para assistir ao espetáculo, que em vez de cobrar dinheiro, preferiu pedir para os fãs trocarem seus ingressos por trabalhos de assistência social. Um modelo de negócios radical, uma vez que dentro do recinto não era possível ver nenhuma marca patrocinadora. E o show aconteceu num teatro que, afora uma precisa consideração de um mago moderno (“teatro de shopping é gaveta“) atendia necessidades que o público brasileiro de rock nem sabia que tinha.

A sensação era de estar num evento de gala, mesmo que o público usasse, em sua maioria, jeans, tênis e camiseta (de banda). A atmosfera poderia ser vista como sisuda ou convencional demais para um show desta natureza, mas era apenas uma sensação que vinha de décadas assistindo a shows de rock no Brasil que não levavam o público em consideração. No teatro, com lugares marcados, visibilidade perfeita, som intacto, estávamos prontos para assistir não apenas a um show de rock de uma artista importante, mas um espetáculo transcendental de uma das maiores artistas da virada do século.

Baseado em seus dois discos mais recentes (Let England Shake de 2011 e The Hope Six Demolition Project de 2015, de fortes tons políticos), o show começou com um leve atraso de quinze minutos e trouxe todos os nove músicos que a acompanham em suas apresentações no exterior: Alain Johannes, Alessandro Stefana, Enrico Gabrielli, James Johnston, Jean-Marc Butty, Kenrick Rowe, Terry Edwards, Mick Harvey e John Parish subiram ao palco enfileirados como uma banda marcial, mantendo o clima solene e cívico que embala os discos mais recentes de Polly Jean. Revezando-se entre vários instrumentos, a banda se moldava em diferentes formações, que poderiam ter quatro guitarras, três saxofones (inclusive um tocado pela cantora) ou três teclados simultâneos, uma bateria desconstruída que por vezes retomava o aspecto de banda militar (acompanhada de acordeão, flautas e violino), vocais de apoio de timbre grave que mantinham o tom patriótico da noite – o de uma pátria sem nação, sem fronteiras, cuja abordagem política era essencialmente humanista.

Todo esse altar hierático perdia seu sentido protocolar assim que PJ fazia o ar vibrar com sua voz. Sua presença magnética recolhia-se aos momentos em que se calava – ela mesma indo para trás dos músicos por diversas vezes para fazer-se coadjuvante nos trechos instrumentais -, mas bastava ela se aproximar do microfone que a tensão política se dissipava para ganhar contornos ainda mais grandiosos e a solenidade tornava-se ritual, cerimonial.

PJ Harvey não é uma diva, nem uma musa. Ela não é uma mulher num pedestal esperando ser admirada, apenas uma inspiração por sua presença irresistível. Ela é um agente de transformação, uma maestra de sentimentos que canaliza o inconsciente coletivo em suas canções. Ela também não é uma sacerdotisa num ritual pagão que converge diferentes sensações (o sagrado feminino, a majestade da canção, a tradição bretã, as dores do mundo, a resistência, o blues). Todos os nove homens que a cercam se apequenam à sua voz e a força feminina surge arrebatadora de suas cordas vocais e da forma como se movimenta no palco.

PJ Harvey é uma deusa. Toda de preto, ela encarna nossos anseios e ilusões, nossas esperanças e vontades, nossa força e inspiração em palavras cuspidas, gestos de exaltação, cantos hipnóticos, mantras celestiais, dancinhas sedutoras, letras que acertam o fígado, olhares que atravessam o público. É como se ela pudesse olhar nos olhos de todas as pessoas naquele teatro, acertar o fundo de suas almas com questões que nos esquivamos de responder. O público, completamente embevecido por sua presença catártica, assistia pasmo a um repertório concedeu poucos momentos à nostalgia (quatro músicas do século passado – “50 ft Queenie”, “The River”, “Down By the Water” e “To Bring You My Love”, todas ao final do show – e três da década passada – “Shame”, “White Chalk” e “Dear Darkness”) e reforçava a mensagem de seus discos mais recentes: que o importante é o humano, não o institucional. Que o que sobra é a civilização, não são marcas nem o dinheiro. Que deveríamos viver a cultura e a arte, sublimes, não a política e a economia, rasteiras.

Deusa de seu próprio ritual, ela se dirigiu verbalmente poucas vezes ao público (dois “obrigada” e um “minha banda” em português antes de apresentar o público), mas nem precisava falar. Sua mensagem é ela mesma, sua oração é sua presença e estávamos todos boquiabertos concordando, “amém”. E certamente parte da magia deste ritual veio das condições perfeitas de temperatura e pressão que foram apresentadas neste show que, acredito, começa a mudar o paradigma dos shows de rock no Brasil. O melhor show do ano (da década?) até aqui.

dougie-

Box com a terceira temporada da série de David Lynch traz mais de seis horas de cenas inéditas do evento do ano – escrevi sobre isso no meu blog no UOL.

A terceira temporada de Twin Peaks chega à mídia física no início de dezembro e depois de ser batizada como Twin Peaks: The Return e Twin Peaks: The Third Season, ela agora recebe o título definitivo de Twin Peaks: A Limited Event Series, que reforça a ideia de que a temporada, na verdade, é um longo filme de dezoito horas. E não bastassem os episódios da série lançada este ano que ultrapassam a duração de toda a filmografia de David Lynch até hoje, o lançamento e DVD trará mais de seis horas de extras – ou mais de sete, na opção em blu-ray.

twin-peaks-limited-event-series

São dez curtas de quase meia hora cada um deles, filmados pelo mesmo Jason S. que trabalhou no documentário sobre o diretor David Lynch lançado no início deste ano, chamado David Lynch: A Vida de um Artista. Os extras têm os seguintes títulos e durações:

1) The Man with the Grey Elevated Hair (29:40)
2) Tell it Martin (29:08)
3) Two Blue Balls (24:14)
4) The Number of Completion (29:17)
5) Bad Binoculars (28:08)
6) See You on the Other Side Dear Friend (30:00)
7) Do Not Pick Up Hitchhikers (26:44)
8) A Bloody Finger in Your Mouth (26:49)
9) The Polish Accountant (28:05)
10) A Pot of Boiling Oil (38:32)

Um breve trecho de uma das filmagens já foi antecipado online e mostra um descontraído Lynch dirigindo os atores Kyle MacLachlan e Laura Dern:

São cinco horas de bastidores e cenas inéditas deste que é o principal evento cultural de 2017. Ainda há a íntegra do painel que o elenco participou na Comic Con de San Diego antes do lançamento da série, que contou com a presença de Kyle MacLachlan, Tim Roth, Dana Ashbrook, Kimmy Robertson, Matthew Lillard, Everett McGill, James Marshall, Don Murray e Naomi Watts e a moderação de Damon Lindelof, um dos criadores de Lost. Ainda há o vídeo que David Lynch enviou para o evento, que abriu a mesa de discussão.

Outros extras são itens promocionais que foram usados para antecipar a chegada da nova temporada, como o documentário Twin Peaks: The Phenomenon, produzido pelo canal Showtime, dividido em três partes.

Uma galeria de fotos de bastidores e todos as dezoito variações do logotipo da Rancho Rosa, a produtora responsável pelo seriado. Há também curtas que Lynch produziu antes do lançamento da série, como Piano, Donut, Woods, People, Places, Albert (abaixo) e In – cinema:

Além destes, há mais dois extras que só estarão na versão em blu-ray da temporada, os curtas Behind the Red Curtain (29:17) e I Had Bad Milk in Dehradun (28:11) filmados por Richard Beymer no cenário do Black Lodge, e A Very Lovely Dream: One Week in Twin Peaks (27:09), dirigido por Charles de Lauzirika durante as primeiras semanas de filmagem da nova temporada no estado de Washington em 2015.

São mais de seis horas de extras, um sonho para fãs do seriado e de David Lynch.

Stranger Motown

stranger-things-motown

O elenco de Stranger Things esteve no programa de James Corden para um tributo à clássica gravadora de soul music – veja lá no meu blog no UOL.

Desde a primeira temporada de Stranger Things sabemos que os garotos que formam o elenco principal da série têm uma surpreendente queda pela música – e o apresentador de TV ingles James Corden, anfitrião do programa norte-americano The Late Late Show na emissora CBS, resolveu pegar carona no talento dos pré-adolescentes e no sucesso da segunda temporada do seriado. Finn Wolfhard (Mike), Gaten Matarazzo (Dustin), Caleb McLaughlin (Lucas) e Noah Schnapp (Will) reúnem-se como um grupo chamado The Upside-Downs em que recriam – com direito a coreografia e tudo mais – clássicos da Motown, a principal gravadora de soul dos Estados Unidos, como “I Want You Back” dos Jackson Five, “My Girl” dos Temptations e “I’ll Be There” dos Four Tops. Assista:

rocket-to-russia

O melhor disco dos Ramones completa quatro décadas de existência – escrevi sobre o disco no meu blog no UOL.

Quando Rocket to Russia, o terceiro disco dos Ramones, foi lançado no dia 4 de novembro de 1977 – há exatos 40 anos -, o grupo sabia exatamente o que queria. O álbum aperfeiçoava uma fórmula que o quarteto nova-iorquino vinha trabalhando desde antes de seu explosivo disco de estreia e que chegava ao auge naquele conjunto de canções. O disco também foi atropelado pelo disco de estreia dos Sex Pistols (o caótico Never Mind the Bollocks, lançado na semana anterior), o que desvirtuou completamente o conceito que o grupo nova-iorquino havia criado ao redor daquele novíssimo gênero chamado “punk rock”.

Porque Rocket to Russia, ao contrário de Never Mind the Bollocks, não era um disco de ruptura, muito pelo contrário. É o disco em que os Ramones sublinham que sua sonoridade tosca e agressiva não era negação do som que haviam crescido ouvindo e sim uma forma de retomar valores essenciais do cânone clássico do rock’n’roll que haviam se perdendo entre sinfonias de rock progressivo, solos virtuosos de bandas de hard rock e baladas adocicadas cantaroladas por cantores-compositores. Ao mesmo tempo é o disco que melhor captura a dinâmica sonora do grupo, consagrando seu formato para a eternidade – e reúne um cardápio repleto de canções clássicas a ponto de rotineiramente ser confundido com uma coletânea de melhores músicas da banda.

Rocket to Russia começa no primeiro semestre de 1977, quando o grupo lança o single “Sheena is a Punk Rocker” com “I Don’t Care” no lado B. As duas músicas haviam sobrado do disco anterior (o segundo álbum, Leave Home) e pareciam consolidar a geração que foram pioneiros. Dois anos antes, o grupo havia sido uma das principais bandas a puxar um cordão de novos grupos ao redor do bar de motoqueiros CBGB’s (descoberto pelo Television) e funcionava como um ponto em comum entre grupos tão diferentes quanto o grupo de Patti Smith, o ainda trio Talking Heads, o Stilettoes que num futuro próximo mudaria seu nome para Blondie e o próprio Television. Dois anos depois, as quatro bandas tinham contratos com gravadoras estabelecidas e discos lançados, o que provocava uma sensação num círculo específico de Nova York de que a cidade vivia uma cena tão mágica quanto a da Londres dos primeiros dias dos Beatles ou de São Francisco no início da psicodelia.

Os Ramones eram, de longe, o grupo mais coeso daquela cena – e sua coesão vinha justamente de sua simplicidade: músicas curtas, temas diretos, letras na cara do ouvinte, poucos acordes em uma parede de som. Eram também sucintos visualmente – o uniforme camiseta, jaqueta de couro, calça jeans rasgada e tênis fortaleciam aquela personalidade única que criavam ao se batizarem com um sobrenome (de um pseudônimo usado por Paul McCartney no início dos Beatles) e se rebatizarem todos com aquele sobrenome. Eram uma banda mas também um grupo de irmãos ou de clones e não importavam qual era sua função na banda, todos soavam idênticos: crus, diretos, barulhentos mas com uma pequena dose de melodia.

Johnny Ramone, Tommy Ramone, Joey Ramone e Dee Dee Ramone

Johnny Ramone, Tommy Ramone, Joey Ramone e Dee Dee Ramone

O grupo também sabia de sua influência para além de Nova York. Ao visitar Los Angeles e Londres em duas curtas turnês em 1976, o grupo pode entrar em contato com os principais grupos punk daquelas cidades e sua materialização parecia confirmar para os outros que era possível embarcar naquela onda contracultural que pregava os valores do faça-você-mesmo e a necessidade de se expressar de forma urgente. Os Ramones estavam no olho do furacão do movimento punk global e sabiam exatamente de sua importância.

Tanto que ao lançar o compacto de “Sheena is a Punk Rocker” e “I Don’t Care” eles pareciam determinar suas principais diretrizes. De um lado consolidavam o gênero pelo nome, registrando pela primeira vez o termo “punk rock” em disco. A nova faixa também fazia uma improvável concessão aos Beach Boys, repetindo uma fórmula eternizada pelo grupo dos irmãos Wilson só que com o dobro da velocidade e o triplo do peso. O lado B, por sua vez, reforçava a crueza estética, tanto pelos mínimos acordes (surrupiados, anos mais tarde, pelo Legião Urbana para compor a base de sua “Que País é Esse?”), quanto pela mensagem, um foda-se generalizado para tudo e para todos.

Com aquele primeiro disquinho os Ramones reforçavam que sabiam que o som que faziam era uma nova tendência, não pertencia apenas a eles. E ao reforçar o lado bubblegum anos 60 com o hit “Sheena is a Punk Rocker” eles aos poucos mostravam que pertenciam à história do rock e não haviam aparecido para encerrá-la.

E foi com esse espírito que entraram no Media Sound Studios para registrar seu terceiro disco. As gravações de Rocket to Russia – que começou a ser gravado com o nome de Get Well – começaram em agosto daquele ano e, além de regravar as duas músicas que haviam lançado anteriormente como single, eles tinham algumas cartas na manga. Uma delas, no entanto, apareceu de uma hora para outra, quando puderam ouvir a parede de guitarras do segundo single dos Sex Pistols, “God Save the Queen”. Mostraram para o engenheiro de som do disco, Ed Stasium, com a incumbência de soar mais barulhento que o grupo inglês. “Sem problemas”, disse o técnico, que foi o produtor efetivo do álbum, apesar dos créditos listarem Tony Bongiovi e Tommy Ramone neste papel.

Entre as armas secretas estavam três versões de músicas antigas, que sublinhavam que o grupo sabia de onde vinha aquela sua sonoridade. Além da vibe contagiante de “Sheena is a Punk Rocker”, o grupo ainda trouxe para o disco pérolas dos anos 60 como “Surfin’ Bird” (dos Trashmen), “Do You Wanna Dance?” (de Bobby Freeman) e “Neeedles and Pins” (gravada pelos Searchers). Sem muita dificuldade os Ramones transformaram aquelas versões em suas e fizeram as versões definitivas para todas elas (mesmo que “Needles and Pins” não tivesse entrado na edição final, vindo aparecer apenas no disco seguinte, Road to Ruin).

Várias outras músicas de Rocket to Russia refletiam aquela sonoridade sessentista, como a balada de bailinho “I Wanna Be Well”, “Rockaway Beach” (puro turma da praia), “Ramona” (que ainda transformava o grupo em personagens, quando Joey apresentava os integrantes da banda como se fosse um tema de desenho animado), “I Can’t Give You Anything” (que poderia ter sido composta pelo The Who) e “Here Today, Gone Tomorrow”. Juntas com esporros punk como o hino “Cretin Hop”, “We’re a Happy Family” e a perfeita “Teenage Lobotomy”, aquelas faixas reforçavam que Rocket to Russia não queria apagar a história do rock para escrever a sua e sim colocar-se no cânone do rock clássico em que eles achavam que pertenciam.

E no disco em que melhor traduziram sua sonoridade (e que quase foi produzido por Phil Spector, que começou a paquerar o grupo naquela época), os Ramones também se eternizaram como ícones da história do rock. Rocket to Russia sabe da própria importância e ela se encontra tanto no todo como em seus detalhes (a foto da capa foi feita pelo mesmo Danny Fields que os descobriu dois anos antes, as ilustrações da contracapa e do encarte foram feitas pelo ilustrador do fanzine Punk, John Holmstrom). É o disco que consolida os Ramones como o principal agente do punk e também sua obra-prima. Além de ser um disco divertido – e engraçado – pra cacete.

stranger-things-2

Escrevi no meu blog no UOL porque a segunda temporada da série é melhor que a primeira.

Os irmãos Duffer conseguiram: não apenas cravaram uma segunda temporada mais instigante que a primeira como abriram um leque de possibilidade que pode transformar sua Stranger Things num fenômeno durável por alguns anos. E parecem ter feito isso em cima do que poderia ser um dos grandes problemas da série: o fato de que seu adorável elenco infantil iria crescer logo. Essa solução pode ter transformado o seriado em um dos grandes fenômenos pós-modernos para as massas bem como criar uma nova forma de acompanhar histórias, que não é nem um filme, nem uma série. Mas para não correr o risco de estragar a temporada para quem ainda não assistiu, segue a já clássica sequência de gifs que serve para você desviar o olhar e não ler algo que não queira.

stranger-things-2-08

stranger-things-2-07

stranger-things-2-04

Quando o primeiro trailer da continuação de Stranger Things apareceu, havia uma sensação de que a série escorregaria exatamente no mesmo ponto em que boa parte do cinema comercial atual desliza: entregando toda a história logo no trailer. Vocês lembram:

Felizmente, até nisso os Duffer Brothers – ou o marketing do Netflix – foram espertos o suficiente para felizmente nos enganar. Todas as cenas de tensão do trailer são menores na série e até o grande vilão da temporada, a assustadora imagem do Devorador de Mentes pairando sobre a cidade de Hawkins como uma enorme aranha de fumaça, pode ser considerado um microteaser da terceira temporada, já que o monstro ainda paira da mesma forma na ultimíssima cena da segunda safra de episódios. Até a cena do primeiro teaser, que mostrava os meninos, fantasiados de Caça-Fantasmas, olhando pasmos ao sair do ônibus escolar, está no centro de uma situação tensa de verdade, mas nada sobrenatural, pois é quando eles percebem que são as únicas pessoas fantasiadas no Halloween da escola – e da mesma forma não estraga nada sobre o que acontece na temporada.

Stranger Things 2 parte de uma série de pontas soltas no fim dos oito primeiros episódios para aos poucos costurar um novo cenário. Sua cena de abertura entrega-o no primeiro instante: uma perseguição de carros nos apresenta a novíssimos personagens num contexto completamente diferente. E as primeiras sensações de cultura pop do primeiro episódio ampliam a área de atuação do inconsciente coletivo no seriado – a cena de perseguição remete imediatamente às cenas do tipo eternizadas em clássicos dos anos 70 e a cidade em que esta acontece é a mesma Pittsburgh que o recém-falecido George Romero usa como cenário no primeiro filme de zumbis da história, A Noite dos Mortos Vivos, de 1968. É uma leve pista do que vem por aí.

Mas é Stranger Things e estamos nos anos 80, por isso a chuva torrencial de referências chega até incomodar quem se preocupa com isso. Contudo, eles mostram de forma didática como era um mundo completamente diferente do atual, sem celulares nem internet, com apontadores de lápis, tocadores duplos de fitas cassete, câmeras de VHS – explicando didaticamente como o mundo tinha outro ritmo e causava outra sensação nas pessoas. O clima, nestes momentos, é menos nostálgico e causa mais uma sensação de distância do que de saudade.

Mas o trunfo da segunda fase é deixar claro que não irá ficar remoendo clássicos que usou à exaustão na primeira etapa, como Goonies e E.T. Mesmo porque seus protagonistas não são mais crianças e sim pré-adolescentes – e, da mesma forma, as referências mudam de idade. Quando Eleven reaparece de preto e maquiagem pesada, ela ecoa diretamente à Allison de Ally Sheedy no filme O Clube dos Cinco. A trilha sonora ainda é repleta das músicas originais eletrônicas e tensas de Kyle Dixon e Michael Stein e aquela mistura de new wave e rock de rádio da primeira temporada (Devo, Oingo Boingo, Duran Duran, Tones on Tails, Psychedelic Furs, Pat Benatar), mas aos poucos começamos a ouvir algumas faixas do heavy metal daquela década (Metallica, Bon Jovi, Motley Crew, Scorpions, Ratt, Ted Nugent e Hittman)e até a trilha sonora que Philip Glass compôs para o documentário Koyaanisqatsi (de 1983). Mais indícios da saída imaginada por Matt e Ross Duffer para fazer sua própria cria ter vida longa.

eleven

Ao perceber que seus atores não seriam fofos por muito tempo, eles resolveram fazer a série avançar no tempo. E a segunda temporada é apenas a sensação destas engrenagens sendo ligadas. O baile de Halloween em que vários adolescentes se fantasiam de ícones daquele período (Michael Jackson, Jane Fonda, o assassino Jason, Bruce Springsteen, a Mulher Maravilha de Linda Carter, Siouxsie Sioux, Madonna e alguém vindo da festa da toga de O Clube dos Cafajestes) é um dos inúmeros momentos em que eles reforçam que irão para além do início dos anos 80 com os mesmos personagens. A inusitada e deliciosa amizade entre o adolescente Steve Harrington (a atuação de Joe Keery talvez seja a grande surpresa dessa temporada) e o carismático garoto Dustin (Gaten Matarazzo) é outra amostra que a série irá além dos filmes infantis e do saudosismo trash que ainda paira sobre a nova temporada. O fato de um passar seu segredo para o outro e de Dustin terminar no baile da escola dançando com a ex-namorada do novo amigo é um aceno para que ele talvez seja o primeiro de sua turma a ter a consciência de que pode ser um futuro galã da escola. O que nos levaria para o universo dos filmes do diretor John Hughes (Curtindo a Vida Adoidado, O Clube dos Cinco, Gatinhas e Gatões, A Garota de Rosa Shocking, Mulher Nota 1000), De Volta para o Futuro, O Último Americano Virgem, A Revolta dos Nerds, Negócio Arriscado, Garotos Perdidos, Footloose, Dirty Dancing, Vidas Sem Rumo, Digam o que Quiserem, Curso de Verão e inúmeros outros filmes e séries envolvendo não mais crianças crescidas, mas adolescentes de fato. Imagina o mundo de possibilidades…

Steve-Dustin

Comercialmente, a segunda temporada bate no peito para lembrar que é uma continuação, o filme número 2, como o logo faz questão de frisar. E não bastasse isso, há várias referências a continuações clássicas dos anos 80, principalmente Aliens e O Império Contra-Ataca. Como no filme de James Cameron que seguia o filme original de Ridley Scott, não há apenas um monstro principal, mas vários pequenos monstros, os “demodogs”, como os filhotes de alien no filme de 1986, e a presença de Paul Reiser (que muitos reconheceram da série Mad About You, mas que estava também nesta continuação) como uma espécie de agente duplo, reforçam o parentesco com o filme. Já as citações a O Império Contra-Ataca acontecem nos momentos mais dramáticos e tensos da série, especialmente no treinamento de Eleven, quando ela move um veículo enorme apenas com o poder da mente, como Luke Skywalker fez com seu jato X-Wing quando era treinado por Yoda. Essas referências servem para reforçar que seus autores não veem a série como um seriado e sim como um filme de várias horas, dividido em partes para facilitar o consumo e a digestão.

Só isso já torna Stranger Things algo diferente dos outros seriados, essa consciência de que é um produto de uma época em que as pessoas assistem ao que quiserem do jeito que preferirem. Ele poderia render mais caso fosse publicado semanalmente (veja, por exemplo, a influência que Twin Peaks teve este ano ao preferir por esse formato), mas seus autores querem que o público assista a tudo de uma vez só, mas cada um em seu tempo. Eles preferem deixar a especulação entre episódios para a caça ao tesouro das referências, fazendo que o público veja e reveja várias vezes sacando detalhes que haviam passado despercebidos.

E da mesma forma que eles avançam no tempo com o seriado, eles também vão percebendo que o público vai crescendo junto. Assim, os temas desta segunda parte são mais densos, os personagens são mais aprofundados, seus históricos vão se tornando mais complexos e suas personalidades menos superficiais. Conhecemos suas famílias (algumas delas hilárias) e seus sentimentos – o policial Hopper de David Harbor e a mãe Joyce vivida por Winona Ryder ganham dimensões fortes para um seriado considerado leve. Passagens aparentemente bobas (como o Lucas de Caleb McLaughlin e o Mike de Finn Wolfhard discutindo quem deveria ser o Venkman e o Winston na formação dos Caça-Fantasmas da turma ou o porre que a Nancy de Natalia Dyer toma em uma festa) demonstram temas menos infantis que os da primeira temporada. As cenas violentas são bem mais violentas, os sustos e cenas de tensão são bem mais recorrentes e há o início de conversas sobre namoro e paquera entre os protagonistas, o que quase não havia anteriormente.

gang

Mas um detalhe crucial no sétimo episódio mostra como a série está só rascunhando seu universo de possibilidades futuras. É neste capítulo que conhecemos melhor a personagem a que somos apresentados no início da nova série, a Kali vivida pela atriz holandesa Linnea Berthelsen. Ou melhor, Eight – o experimento número 8, como Eleven é o número 11. Ela tem poderes sobrenaturais como os de Eleven, mas de outra natureza, e é uma prova viva que Eleven não é a única de seu tipo. Mais do que isso: abre a possibilidade para a cada nova temporada podemos ser apresentados a outros jovens que foram submetidos a experiências e que podem estar à solta, cada um aprontando das suas. Kali lidera uma gangue que vinga-se das pessoas que fizeram mal para eles no passado (“Kali”, inclusive, é o nome da deusa indiana do juízo final, também conhecida como “erradicadora dos males” – e venerada pela seita assassina do filme Indiana Jones e o Templo da Perdição – isso mesmo, outra continuação). Mas e os outros?

Esses experimentos têm uma origem comum e real que é o chamado projeto Montauk, que muitos dizem ter existido e outros desmerecem como uma teoria da conspiração. Que durante os anos 80, o governo norte-americano realizava uma série de testes e experiências com crianças superdotadas ou especiais para desenvolver superpoderes. Verdade ou mentira, não importa: o material produzido a respeito deste projeto é grande o suficiente para criar histórias paralelas e uma mitologia sobrenatural convincente para o seriado.

Fora que o grupo de Kali aponta para outra direção. Uma gangue do submundo, o grupo ecoa uma série de outras equipes da ficção: desde os guerreiros de Warriors – Guerreiros da Noite às gangues de rua de Fuga de Nova York, passando pelos X-Men de Dias de Um Futuro Esquecido e até todo o imaginário cyberpunk (Blade Runner, Akira, Neuromancer). A inspiração dos quadrinhos é didaticamente sublinhada quando, entre os pixos espalhados pelo bunker do grupo, podemos ler “Vendetta”, “Barbelith” e “King Mob”, referências aos quadrinhos V de Vingança de Alan Moore e Os Invisíveis de Grant Morrison.

A história está só começando a ser contada. Durante toda a temporada assistimos ao lento desenrolar que nos explica que a saga ainda está no início. Ela demora para engrenar porque se atém às qualidades dos personagens, ao mesmo tempo em que vai ampliando sua área de atuação. Se originalmente ela se escorou em Steven Spielberg, John Carpenter e Stephen King, agora ela mostra que tem toda a cultura pop à sua disposição. A segunda temporada transforma uma possível camisa-de-força da primeira temporada em um mundo de possibilidades e mesmo com alguns pontos fracos (especialmente os superficiais novos personagens Maxine, vivida por Sadie Sink, e seu irmão Lucas, vivido pelo australiano Dacre Montgomery), consegue ser melhor e mais promissora que sua antecessora.

Me incomoda, no entanto, que a série seja menosprezada como sendo apenas isso, uma colcha de retalhos de referências do passado. Sim, é óbvio que essa é uma de suas principais características, mas não é sua essência. As citações são mais uma isca do que o centro da história. Este tem seu principal foco num aspecto um pouco fora de moda na ficção atual: o lado bom da vida.

snowballl

Stranger Things é sobre amor e amizade, sobre afeto e carinho, sobre confiança e esperança. Sobre poder contar com alguém, sobre ter a certeza de pertencer a algo, seja a própria família, a um grupo de amigos, a uma comunidade. “Amigos não mentem” é o lema da primeira temporada e ele também perdura durante esta nova. Há novos elementos que reforçam esse aspecto, principalmente o tema do primeiro amor. Quando Maxine pega na mão de Lucas durante um ataque de um dos monstros, quando Steven dá conselhos amorosos para Dustin ou quando Eleven reencontra Mike, há uma excitação rara na produção cultural contemporânea, afeita a tiros, violência, cenas de tortura, traições, zumbis, vilões que vencem, heróis sem caráter e desordens psicológicas. Stranger Things é uma série alto astral, cuja tensão de terror e as teorias da conspiração servem apenas para serem aliviadas no reencontro final, como na emblemática cena do baile, ao som de “Time After Time” e “Every Breath You Take”.

disraeli-gears

Escrevi no meu blog no UOL sobre o disco psicodélico do Cream, que completa meio século de vida nesta quinta.

Se hoje a psicodelia inglesa parece indissociável do blues elétrico é porque houve um momento em que essas duas correntes musicais – antes dispersas e alheias – se encontraram. E este encontro aconteceu exatamente há meio século, quando o Cream, o primeiro supergrupo da história do rock, lançou seu segundo álbum, Disraeli Gears, no dia 2 de novembro de 1967. Foi o disco que mostrou a toda uma geração de jovens músicos ingleses que a devoção para com a música norte-americana de décadas anteriores poderia ajudá-los a reinventar o próprio cenário musical contemporâneo sem ser saudosista e atingindo um público menos elitista e selecionado do que a panelinha que eles formavam.

Até a metade dos anos 60, a Inglaterra vivia anos de descoberta da música que vinha dos Estados Unidos, quando a geração nascida após a Segunda Guerra Mundial deu as costas para a produção cultural nativa para descobrir o que acontecia do outro lado do Atlântico, curiosidade desperta pela explosão do rock’n’roll na década anterior. A safra de artistas liderada por Elvis Presley, Chuck Berry, Buddy Holly, Little Richard e Jerry Lee Lewis havia atiçado novos ouvintes a buscar artistas que iam além da parada de sucessos norte-americana e aos poucos vários adolescentes ingleses começavam a se interessar por discos e músicas que não tinham um grande público em seu país – especificamente a geração de artistas do blues urbano, que levavam os ensinamentos do blues rural criado nas plantações de algodão na virada do século 19 para o 20 para as grandes cidades. Nomes como Muddy Waters, Little Walter, B.B. King, John Lee Hooker, Willie Dixon, Bo Diddley, Junior Wells e Elmore James haviam pavimentado o caminho para que o rock’n’roll pudesse ganhar as massas ao eletrificar o velho blues, criando um subgênero batizado de rhythm’n’blues.

A explosão dos Beatles – primeiro na Inglaterra e depois nos EUA – fez este interesse ganhar ainda mais força e logo uma série de bandas surgiam reinterpretando clássicos da música norte-americana ou fazendo versões próprias daqueles rhythm’n’blues. A primeira safra, contemporânea dos Beatles, apresentava novas bandas como os Rolling Stones, Animals, Hollies, Them e Herman’s Hermits que miravam nas paradas de sucesso e num público jovem. A segunda leva de artistas, no entanto, tinha preocupações estéticas além de comerciais e dividia-se em dois grupos. O primeiro deles eram os mods, inspirados pela soul music dos EUA e pela moda do continente europeu, que eram puxados por grupos estilosos como o Who, os Kinks, Creation, Action e os Small Faces. O segundo era formado por artistas que bebiam diretamente na fonte do blues, como o músico Alexis Korner (o pioneiro desta geração), os Yardbirds, os Bluesbreakers liderados por John Mayall e a Graham Bond Organisation, que eram mais especialistas e puristas em relação à música comercial de seus contemporâneos. Esta cena começou a se desfazer – ou melhor, a se metamorfosear – à medida em que os Yardbirds, sua banda-símbolo, abraçou as paradas de sucesso nos EUA com seu single “For Your Love”.

Foi o momento em que seu guitarrista e principal arma secreta, o jovem Eric Clapton, deixou a banda por ela ter se tornado comercial demais. Tocou um tempo com outras bandas e lançou um disco com os Bluesbreakers de John Mayall ao mesmo tempo em que adubava sua reputação como o principal guitarrista de sua geração. Mas não queria lançar-se em carreira solo e logo que ficou sabendo que o baterista Ginger Baker havia deixado a Graham Bond Organisation pelas brigas constantes com o fundador que batizava a banda, convidou-o para formar um novo grupo. A única condição era que ele conseguisse tirar o baixista Jack Bruce de seu grupo anterior, com quem Baker também vivia brigando. Mas o baterista deixou seu ego de lado (coisa difícil se lembrarmos que ele foi um dos primeiros bateristas de rock a tocar com dois bumbos – onde escrevia seu nome nos próprios instrumentos, em vez de dispor o nome da banda, como era o padrão) e logo os rumores corriam por Londres: que três dos maiores músicos daquela cena de blues elétrico estavam tocando juntos. O nome de batismo foi apresentado em seguida sem nenhuma modéstia: era o Cream – “a nata”.

Ginger Baker, Jack Bruce e Eric Clapton

Ginger Baker, Jack Bruce e Eric Clapton

O primeiro disco, Fresh Cream, lançado em dezembro de 1966, mostrou para a cena e para o público os rumos que poderiam ser traçados, principalmente ao ampliar o leque de composições para além do blues. Havia, claro, standards do gênero como as versões definitivas para “Spoonful” (de Willie Dixon), “Four Until Late” (de Robert Johnson), “Rollin’ and Tumblin”‘ (eternizada por Muddy Waters) e “I’m So Glad” (de Skip James), mas ia para o lado da canção pop em números inusitados como “Dreaming”, “Sleepy Time Time”, “I Feel Free”, “Toad” (do primeiro solo de bateria da história do rock) e do single “Wrappin’ Paper”. Eles aproveitavam a aura de supergrupo para experimentações musicais, mas sem levar em conta outro grande movimento cultural que acontecia em Londres: a psicodelia.

A psicodelia começa na Califórnia por descendência dos beats, que apresentaram o LSD para uma cena que mais tarde pariria bandas como Grateful Dead, Jefferson Airplane e os Doors, mas também a partir de artistas de rock que começaram a experimentar novas sonoridades, como os experimentos musicais dos Beach Boys em Pet Sounds ou a aproximação dos Byrds da música indiana no single “Eight Miles High”. Estas experimentações eram percebidas na Inglaterra e ecoadas de forma bem particular principalmente por dois grupos: os Beatles, que começavam a desconstruir a imagem de boy band que ficou associada a eles durante a Beatlemania, e o Pink Floyd, cujo líder, o guitarrista e vocalista Syd Barrett, afastava seu instrumento o mais distante possível do blues (apesar de ter batizado a banda em homenagem a dois nomes do gênero, Pink Anderson e Floyd Council). As duas bandas gravaram seus discos mais psicodélicos no primeiro semestre de 1967 lado a lado, os Beatles gravando seu Sgt. Pepper’s no estúdio 2 de Abbey Road e o Pink Floyd gravando seu Piper at the Gates of Dawn no estúdio 1. Ambos foram impactados por outro evento considerado histórico para a época: a chegada de Jimi Hendrix à Inglaterra, que resultou em seu influente disco de estreia, Are You Experienced?, lançado naquele mesmo ano.

O Cream foi influenciado diretamente por Hendrix e até mesmo Eric Clapton, que já era incensado nas ruas com o pixo “Clapton is God” (“Clapton é Deus”) que aparecia nas ruas de Londres, admitia ter sido impactado pela vinda do guitarrista norte-americano à Londres pré-psicodélica. Tanto que o grupo resolveu fazer o caminho inverso de Jimi e gravou seu segundo disco em Nova York, no mesmo semestre que os Beatles e o Pink Floyd gravavam suas obras-primas em Londres, mas problemas com a gravadora fizeram que Disraeli Gears fosse lançado quase no final daquele ano, parecendo que ele havia sido influenciado pelos discos destes artistas, que saíram depois que o segundo disco do Cream já havia sido gravado.

A principal mudança no tom do grupo era justamente esta aceitação psicodélica, que vinha sendo conduzida pelo produtor Felix Pappalardi, baixista que mais tarde fundaria o clássico grupo Mountain. Foi ele que percebeu que a banda poderia ir para muito além do blues elétrico pesado e experimentar canções pop meio fora da curva que pudessem se encaixar com o já consagrado instrumental do grupo. O melhor exemplo de sua influência é a música que abre o disco, “Strange Brew”. Ela é basicamente outra faixa do Cream, “Lawdy Mamma” (que seria registrada no disco seguinte, o duplo Wheels of Fire), com outra linha vocal, fora do estereótipo blues e bem mais pop.

“Strange Brew” é apenas uma das músicas que mostram o Cream indo para além do que poderia ser uma amarra estética definitiva para o grupo. Em vez de manter o grupo dentro do cercado do blues pesado, Felix, que agia quase como um quarto integrante do grupo, instigava os músicos a ir para rumos lugares musicais fazendo canções como “Swlabr”, “World of Pain”, “We’re Going Wrong”, “Dance the Night Away” e “Tales of Brave Ulysses” soarem quase experimentais, mas sem perder o pé na química instrumental do grupo: a bateria agressiva e precisa de Baker, os solos melancólicos e riffs rasgados (com o pé fundo no pedal wah-wah) de Clapton e os vocais doces e linhas de baixo complexas de Jack Bruce chegam ao ápice da banda, criando um assinatura musical única, fazendo Disraeli Gears soar como poucos discos na história do rock.

O melhor exemplo é, claro, sua faixa mais emblemática, o hino “Sunshine of Your Love” que Eric Clapton tem que tocar até hoje. Composta por Bruce no baixo acústico, a faixa teve seu andamento indígena sugerido pelo engenheiro Tom Dowd e o solo de Clapton inspirado em “Blue Moon”, trazendo elementos de fora do blues que era associada a banda para compor uma das melhores canções da história do rock.

Depois de Disraeli Gears, o grupo lançou o já citado duplo Wheels of Fire no ano seguinte – com um dos discos ao vivo com apenas quatro faixas (duas delas com dezesseis minutos) dando pistas de que a autoindulgência poderia estar pondo o futuro da banda em risco – e terminou consciente de seu fim com o pálido disco Goodbye, de 1969, com faixas gravadas pouco antes da última turnê, no ano anterior. Nenhum destes discos chegava aos pés do impacto do disco que completa 50 anos hoje, um dos grandes álbuns dos anos 60 e da discografia de Eric Clapton, que só conseguiria ultrapassá-lo em outra obra-prima com outro grupo, três anos depois, quando gravou Layla and Other Assorted Love Songs ao lado dos Derek and the Dominos, depois de experimentar com o Blind Faith e o casal Delaney & Booney voltando de vez para o blues elétrico. Mas nem Clapton, nem Bruce ou Baker voltariam a viajar tão alto quanto no segundo disco que lançaram como Cream.