Fechando o ciclo do Gato
Fui ao penúltimo show que Ana Frango Elétrico fez de seu Me Chama de Gato Que Eu Sou Sua em São Paulo, sexta passada, quando ela reuniu mais de duas mil pessoas da Áudio, atingindo o maior público ao vivo de sua carreira, e escrevi sobre a deliciosa noite em mais uma frila pro Toca UOL.
Ana Frango Elétrico encontra sua voz e desponta para uma geração de fãs
Encerrando o ciclo de seu terceiro álbum “Me Chama de Gato Que Sou Sua”, Ana Frango Elétrico fez o maior show de sua carreira. “Mudou minha vida completamente. Eu nunca tinha tocado para um número tão grande de pessoas”, diz a cantora de 27 anos.
Sem marcas ostensivas nem gravadoras multinacionais, a carioca se consolidou como produtora musical e arranjadora justamente com o disco de 2023, cuja turnê se encerrou com 2 mil pessoas na Áudio, na última sexta-feira (26), após levá-la a palcos maiores e no exterior.
A julgar pelo último ato, parte dessa ascensão vem do que a cantora quer comunicar e experimentar na música. “Me Chama de Gato Que Sou Sua” traz a discussão do gênero para a pauta da música pop brasileira.
Identificada com o gênero não-binário, Ana deixa evidente essa natureza fluida como assunto das canções desde o título do disco, que passa do masculino para o feminino naturalmente, e isso era traduzido fisicamente na grande massa do público, igualmente sem gênero definido em sua maioria — e em sua maioria formado por jovens adultos com menos de 30 anos.
Eram as condições perfeitas de temperatura e pressão para o álbum se avolumar ainda mais, principalmente a partir da química estabelecida entre os músicos no palco.
Todos vestidos com as rajadas tigradas que caracterizam a identidade visual do disco (bem como o tom verde que sublinhava a luz desenhada pela iluminadora Olívia Munhoz), os cinco músicos estão amalgamados de tal forma que Ana sequer precisa olhar para os lados para saber o que pode ou precisa fazer.
Esses fãs a receberam efusivamente, antes mesmo de começar o show, quando a chamava em uníssono ao gritar repetidamente “quero Frango!”.
Elevado num patamar ainda maior, a cantora não perdeu os pés do chão que nasceu, o da música independente brasileira, que ela comemorou quase ao final do show ao identificar alguns amigos e comparsas desta cena entre o público.
“Eu queria dedicar esse show a vários parceiros de cena que estão aqui”, comentou antes de começar a última música da noite, “Electric Fish”. “A música brasileira é foda, mas a música independente brasileira atual é pica”.
A banda dirigida pelo guitarrista prodígio Guilherme Lírio conta com o tecladista Thomás Jagoda, o baixista Alberto Continentino, o baterista Sérgio Machado e o percussionista Pablo Carvalho. Um time tão coeso e autossuficiente que ultrapassa o formato do show do disco anterior, que ainda incluía sopros e vocais de apoio, para focar na máquina de groove – ou na maciez que as músicas mais lentas exigem – que movimenta o disco.
Com o público na mão e uma banda de compadres que confia cegamente, Ana deitou e rolou. O show começou apenas com os músicos no palco, que tocaram a instrumental “Let’s Go to Before Again” antes da entrada de Ana, que não se intimidou com a voracidade do público e várias vezes deixou o público sozinho nos vocais. Chegou bem perto de todos, ameaçando jogar-se do palco, até que, mais perto do fim, não aguentou e misturou-se com a multidão.
Com foco central no disco mais recente, ela abriu exceções para canções do disco anterior, Little Electric Chicken Heart, de 2019, em versões modificadas para a natureza sonora do novo disco, como “Chocolate”, “Se no Cinema”, “Tem Certeza?” e “Torturadores”, essa última novidade no setlist, que Ana contou que compôs após ler a notícia de uma artista que foi vítima de tortura na ditadura militar iniciada em 1964 e encontrou seu torturador anos depois, casualmente, em um supermercado. Foi a deixa para que o telão fizesse o público puxar um coro que berrava “sem anistia” a plenos pulmões.
Mesmo com dois pés na pista de dança, o show teve momentos mais tranquilos, quando Ana emendou uma sequência com três das melhores músicas do disco, “Camelo Azul”, “Insista em Mim” e “Nuvem Vermelha”.
Mas o clima da noite era pra dançar e além das versões ainda mais pop de hits de Nelson Jacobina (“Dr. Sabe Tudo”) e da banda Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo (“Debaixo do Pano”), ela ainda cantou as duas músicas que lançou esse ano, que encerraram fonograficamente o ciclo do disco: a deliciosa “A Sua Diversão” e o medley que mistura “Não Tem Nada Não” de João Donato, Eumir Deodato e Marcos Valle com a grudenta “Gipsy Woman”, de Crystal Waters.
Esse pequeno pot-pourri, nascido nos primeiros shows do disco, a levou a conhecer e gravar com o próprio Marcos Valle, músico convidado deste single – mais uma prova de onde Ana tem conseguido chegar.
Ela teve uma noite e tanto, passando da guitarra para os teclados (que em certo momento tocou com a cabeça) e dançando com os músicos. Gostou tanto que resgatou no bis “Roxo”, de seu disco de estreia, “Mormaço Queima”, de 2018. Uma música que, confessou, não gosta, mas que sabia que o público sim.
Depois que o show acabou, Ana seguiu no palco, sentada na beirada, conversando, tirando fotos e autografando para os fãs por mais de dez minutos. Este show foi o penúltimo dessa turnê, que termina no distante dezembro, quando sua banda toca em Porto Alegre e, aí sim, encerra o disco de vez. E ela já disse ter novidades para o ano que vem – não entrou em detalhes, mas disse que será completamente diferente dessa que se encerra. Que bom.
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