Emicida, Thiago França e Rodrigo Campos reverenciando o primeiro disco do Cartola
Emicida estava tão tenso que mal conseguiu conversar com o público no início. Justo ele, um MC tão afeito ao diálogo – nem a presença de seu fiel escudeiro (e escada para conversas impagáveis) DJ Nyack nas picapes o deixou à vontade. Afinal, não era pouca coisa: era a primeira noite do 74 Rotações, o projeto do Radiola Urbana que celebra discos clássicos de quarenta anos atrás, e Emicida havia sido provocado por Thiago França, à sua direita no palco, revezando-se entre a flauta, o sax, percussão e geringonças elétricas, para recriar ao vivo o primeiro disco de Cartola. Ao seu redor, uma banda de peso: Rodrigo Campos no violão e cavaquinho, Doni, da banda de Emicida, no violão de sete cordas, o endiabrado Fábio Sá entre os contrabaixos acústicos e elétrico, Nyack entre as picapes e a percussão, esta toda a cargo de Carlos Café, também da banda de Emicida.
O principal desafio era do rapper – afinal não sabíamos se ele iria rimar ou cantar as músicas do mestre carioca. E a introdução deixou bem claro que seguiria os dois rumos – começou rimando a letra de “Alvorada” sobre uma base reta que se equilibrava entre um funk tenso e um samba mecânico, mas ao chegar no refrão, revelou-se cantor e entoou a primeira das melodias de Cartola. Na segunda parte pôs-se a improvisar como sabe e, pouco a pouco, o misto de responsa e importância foi se dissipando e a noite foi ficando mais à vontade.
O clima de homenagem também era o de desconstrução, proposta principalmente a partir da batuta de Thiago, que por mais que fosse o principal maestro da noite, preferiu dar autoria conjunta a arranjos que entortavam completamente os originais (uma suave e noturna “Disfarça e Chora”, uma robótica e poética “Acontece”, o ad lib de “Tive Sim”, uma delicada “Corra e Olhe o Céu”) ou os celebravam ipsis-literis (como “Alegria” emendada com “A Sorrir”, “Quem Me Vê Sorrindo”, “Sim”, “Amor Proibido” e uma fantástica “Ordenes e Farei” vertida em dança latina de salão). O disco de 74 era sampleado e invertido, citado e virado do avesso, reverenciado e relido com ouvidos de fã e instrumentos de cientista, daqueles apaixonados pela intensidade daquele laboratório vivo. O show terminou com dois salves a Adoniran Barbosa (“Saudosa Maloca” e “Despejo na Favela” cujo tema original foi ressuscitado sem o glamour da nostalgia – são duas músicas que falam sobre ocupação e os sem teto), um samba original do próprio Emicida (a irresistível “Hino Vira Lata”) e a completa entrega a “Preciso Me Encontrar”, de Candeia, vertida em uma jam session de tirar o fôlego.
Um show histórico, quem viu sabe. Que é mais um passo na evolução de Emicida – pois ele mostrou que sabe cantar… Dá pra melhorar? Sempre, mas só o fato de não fazer feio (salvo alguns deslizes no início do show) já mostra que esse menino vai longe…
Filmei o show quase todo, inclusive as piadas e os causos que Emicida talvez preferisse que ninguém filmasse. Mas, tudo bem, é do jogo 😉
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