Driblando o ouvido

, por Alexandre Matias


(Foto: Sebastina Scauvet/Divulgação)

“‘Canhoto de pé’, diz a mística do futebol, que são os jogadores mais habilidosos, de dribles desconcertantes, enigmáticos”, explica Thiago França sobre o título de seu quinto disco solo, que lança nessa próxima sexta-feira. Quase todo instrumental, o disco foi iniciado em plena pandemia e conta com participações de Juçara Marçal (que canta a única letra do disco, numa versão tocante para “Dor Elegante”, de Itamar Assumpção), dos comparsas que fecham seu trio (Marcelo Cabral e Welington “Pimpa” Moreira) e de dois integrantes do grupo Aguidavi do Jêje. Ele segue explicando o título do disco a partir das escalas que usou na gravação. “Daí a viagem: essa música usa uma escala próxima ao blues, que tem a terça maior e a menor e fica variando entre elas, driblando e enganado o ouvido. Acho que nesse disco eu tô tocando dum jeito mais ‘habilidoso’, diferente do Sambanzo e até do MetaL MetaL, onde tudo soa bem forte, explosivo. O fato de eu ser canhoto de pé não influencia nem ajuda em absolutamente nada meu jeito de tocar, e no meu caso, também não me ajudou nada com a bola”, brinca.

O disco, cujo show de lançamento acontece no dia 4 de setembro, no Sesc Pinheiros, surgiu durante o período pandêmico e, segundo o saxofonista mineiro “foi o disco menos planejado que já fiz”. “Ele foi acontecendo lentamente, ao contrário do que eu sempre faço, que é pegar uma idéia e desenvolvê-la ao redor de uma banda fechada que vai tocar tudo”, continua, fazendo referência aos processos tanto a seus projetos coletivos, como o Metá Metá, a Charanga do França, a Space Charanga, os Marginals e o Sambanzo, como a seus outros discos solo. “Eu tava fazendo backup dos arquivos do Logic ouvindo coisas que ficaram de fora do Bodiado (de 2021) e achei que tinha assunto ali pra continuar trabalhando”, contando que começou pelas faixas “Download de Paranóia” (cujo título surgiu num papo com André Abujamra), “Cabecinha no Ombro” (o clássico acalanto de Paulo Borges, gravada com quatro saxes, gravada no aniversário de seu avô) e “Ajuntó de Xangô”, que caíram fora de Bodiado por diferentes motivos e ressurgiram neste disco novo. “Eu não queria repetir a fórmula do disco anterior e elas ficaram guardadas, a vida foi seguindo, pandemia acabando, eleição de 22 que foi aquele caos…”

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“Depois do carnaval de 23 eu senti necessidade de voltar a fazer algum som instrumental mais livre, com mais improviso e veio a idéia de formar o trio”, lembra, referindo-se ao baixo de Cabral e à bateria de Pimpa, chapas literalmente de outros carnavais. “Pra tocar em trio precisa de muita intimidade, muito tempo de estrada junto, né?”, continua, lembrando que a faixa “Luango” foi tirada do segundo disco do Sambanzo, Coisas Invisíveis, gravado apenas com percussão. “Ela foi escolhida a dedo pra integrar o repertório desse trio com o Pimpa na bateria, quase como uma desculpa só pra ouvir as levadas de samba dele, um jeito muito próprio, uma destreza espetacular de tocar samba, coisa rara entre bateristas hoje em dia.”

Além de Cabral e Pimpa, o disco ainda conta com a comadre Juçara Marçal, que canta acompanhada apenas pelo sax na deslumbrante “Dor Elegante”, de Itamar Assumpção. “Deu vontade também de ter uma canção cantada, um ‘respiro’ no melhor dos sentidos em meio a esse repertório instrumental denso”, segue França. “Eu já queria gravar essa música nesse arranjo só voz e sax que eu faço com a Juçara há bastante tempo, é uma música que me pega muito, lembro da gente tocar essa música na época em que eu descobri minha diabetes e perdi quase quarenta quilos, as pessoas vinham dizer que eu estava magro, que estava ótimo, quando na verdade estava quase morrendo!”, ri.

O disco ainda conta com a participação de dois integrantes da orquestra de ritmo Aguidavi do Jêje, o maestro Luizinho do Jêje e seu filho Kainã du Jêje. Ele conta como aconteceu essa conexão: “Foi outra idéia que minguou na pandemia: emplacar um projeto junto com o Aguidavi do Jêje, proposto pelo Bernardo Oliveira e a Mariana Mansur, dois grandes amigos e produtores”, continua. “Não deu certo, mas um dia o Bernardo me mandou umas bases que eles gravaram pro disco e ficaram de fora, e por pouquíssimos BPMs essa base não encaixou perfeitamente com a gravação que eu tinha do ‘Ajuntó de Angô”. Também ficou guardada um tempinho mas eu tinha certeza que em algum momento ela encaixaria em algum disco.” E que disco!

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