De volta ao Chaos A.D.

, por Alexandre Matias

O superlativo Chaos A.D., clássico do heavy metal mundial feito pela banda brasileira Sepultura, ganha duas novas leituras ao ser revisitado pelos irmãos Cavalera na abertura do show que o Massive Attack faz no Brasil e pelo compadre Vina Castro, que assina o novo volume da coleção Livro do Disco da editora Cobogó sobre essa joia de 1993 do som pesado. Conversei com Vina e com Max Cavalera sobre a importância do álbum em mais uma colaboração que faço para o jornal Valor Econômico.

Como um disco brasileiro mudou o heavy metal
‘Chaos A.D.’, do Sepultura, é relembrado em show com os irmãos Cavalera e livro

O disco que consolidou o Sepultura como um dos maiores nomes da música pop, da música brasileira e do heavy metal ganha holofotes com um show e um livro que tratam da sua importância. “Chaos A.D.” (1993) será revisitado ao vivo pelos irmãos Cavalera na abertura do show do grupo inglês Massive Attack na quinta 13 no Espaço Unimed, em São Paulo, e é o tema do novo título da coleção “Disco do livro”, de Vinícius Castro (Cobogó, 176 págs., R$ 73).

São poucos artistas brasileiros que tiveram destaque além de nossas fronteiras a ponto de mexer com a música do resto do planeta. Com o disco, o Sepultura faz parte dessa elite, que tem nomes como João Gilberto, Tom Jobim, Jorge Ben, Chico Science & Nação Zumbi.

“Esse disco é um fenômeno”, diz um de seus autores, o guitarrista e vocalista Max Cavalera, que deixou o grupo em 1996 e fundou a banda Soulfly. “Ele mudou o metal nos anos 1990 e continua influenciando muita gente, desde Deftones até Gojira e Slipknot. É uma das maiores conquistas da minha vida.”

Castro destaca o impacto do disco na música pop dos anos seguintes. “O pessoal do Deftones disse que só ouvia ‘Chaos A.D.’ enquanto gravavam um dos melhores discos deles, ‘Around the Fur’; Dave Grohl [baterista do Nirvana e líder do Foo Fighters] adora o disco e tem boas histórias com a banda, e até os Titãs foram influenciados por eles.”

“Chaos A.D.” marca o momento em que o Sepultura muda a regra do jogo do heavy metal mundial depois de ter se tornado um nome importante no cenário, na virada dos anos 80 para os 90. A ascensão da banda rumo ao mercado internacional parecia um conto de fadas da história do rock, principalmente pelo fato de o grupo ter vindo de Belo Horizonte e ter lançado seus primeiros discos por uma gravadora independente.

Entre “Schizophrenia” (1987) e “Arise” (1991), o grupo fundado pelos irmãos Max e Iggor Cavalera conseguiu reconhecimento internacional, fez turnês no exterior e dividiu palco com grandes nomes, como Slayer, Motörhead e Alice in Chains, além de abrir shows de Ozzy Osbourne.

Com “Chaos A.D.”, o grupo puxa a responsabilidade do heavy metal moderno para si: reduz a velocidade do gênero, amplia os temas para começar a falar sobre biotecnologia e questões políticas e sociais, assume a sonoridade brasileira ao incluir batidas de samba, percussão indígena e viola caipira.

Gravado na Inglaterra com produção musical do americano Andy Wallace (que já havia trabalhado com Sonic Youth, Rage Against the Machine, Nirvana), o disco mudou o heavy metal, ao abraçar influências do hardcore de Nova York, do rock industrial e do rock alternativo.

O disco já vem sendo revisitado em shows neste semestre pelo grupo formado pelos irmãos, que deixaram o Sepultura (Iggor saiu em 2007), mas mantém seu legado criativo vivo com o Cavalera Conspiracy. A dupla regravou os dois primeiros discos do Sepultura, fez uma turnê nos EUA e dedica o segundo semestre deste ano a tocar “Chaos A.D.” na íntegra.

A banda é formada por Max na guitarra, lggor na bateria, Igor Amadeus (filho de Max) no baixo e Travis Stone na guitarra solo.

Mas a vinda desse show para o país é obra do Massive Attack. O show do grupo de trip hop coincide com a COP 30, em Belém, e os ingleses resolveram incluir elementos brasileiros na apresentação, como a participação de indígenas. Batizado de “A Resposta Somos Nós”, o evento é uma parceria da produtora 30e com organizações indígenas do Brasil e o G9 da Amazônia (coalizão de povos originários de 9 países da região).

O Sepultura entra na apresentação como ponte entre a música pesada e a música indígena, já que foi nesse disco que começou a explorar a música dessa cultura, algo aprofundado ainda mais no disco seguinte, “Roots” (1996).

“Eles convidaram a gente”, diz Max Cavalera. “Eu sou fã antigo do Massive Attack, toquei com eles num festival na França com o Soulfly e pirei no show.” Ele, no entanto, ainda não sabe como será a dinâmica das apresentações. “Espero que role uma jam com eles ou algo especial, vai ficar como surpresa!”

Max conta que sua relação com a música indígena “começou com a [música] ‘Kaiowas’, inspirada na ação dos povos indígenas dos Kaiowás, que não permitiam que o governo invadisse suas terras”. O músico afirma que sempre gostou de conhecer e trazer para sua música a influência de povos originários de todo o mundo. Para ele, a influência brasileira é uma das mais fortes que conhece. “Vou sempre seguir com essa espiritualidade na minha música.”

Vinícius Castro diz que o impacto de “Chaos A.D.” foi “gigantesco”. No livro, o jornalista, autor também do site Sounds Like Us, retrata como a ascensão do Sepultura incomodou alguns pesos pesados do heavy metal, detalha a gravação do disco e o clima da banda na época.

A principal lembrança do disco, para Max, é sua introdução, quando gravou o som da batida do coração de seu filho que ainda não havia nascido, para colocar no início do álbum. “Eu estava no hospital com fones de ouvido e uma gravadora de DAT registrando tudo. Ficou muito legal. Adoro essa introdução, e hoje, o Zyon toca bateria comigo na Soulfly.”

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