Clássicos internacionais de 1972 – Parte 3

, por Alexandre Matias

Encerrando o especial que fiz no site da CNN Brasil sobre discos estrangeiros clássicos que completam 50 anos em 2022 ainda influentes, falo sobre o melhor disco dos Rolling Stones, a coletânea que apresentou a música jamaicana para o mundo, o disco de estreia da banda que inventou o art rock, uma das obras-primas do papa do glam rock, o disco em que Stevie Wonder mostrou sua maturidade e o disco definitivo de rock progressivo.

Discos clássicos internacionais que completam meio século de influência – Parte 3
Encerrando a série de discos estrangeiros clássicos lançados em 1972, agora é vez dos Rolling Stones, do T.Rex, do Yes, de Stevie Wonder, do Roxy Music e da trilha sonora do filme “The Harder They Come”

1972 foi um ano decisivo para a música e a quantidade de discos clássicos que continuam importantes até hoje é impressionante. Já falamos de discos clássicos de David Bowie, Black Sabbath, Al Green, Big Star, Can, Bill Withers, Curtis Mayfield, Nick Drake, Miles Davis, Neu!, Lou Reed, Neil Young, Ornette Coleman e Genesis e agora encerramos esta série com seis discos fundamentais para o período.

É hora de falar de quando Stevie Wonder assume a maturidade musical ou quando Keith Richards assume o comando do melhor disco dos Rolling Stones; da festa que é o primeiro disco do Roxy Music; de outra obra-prima glam do T. Rex de Marc Bolan; da trilha sonora que apresentou a música da Jamaica para o mundo e do disco definitivo do rock progressivo.

Rolling Stones – Exile On Main St.

Há um grupo que foi dono dos anos 1970 e eles se chama Rolling Stones. A banda formada por Mick Jagger, Keith Richards, Mick Taylor, Bill Wyman e Charlie Watts entrou naquela década sem nenhum rival à altura. O fim dos Beatles, oficializado em 1970, apenas o consolidou como o maior daquele período, tanto em termos de vendas de discos, ingressos de shows e impacto cultural.

1969 havia sido um ano determinante para o grupo, quando perde seu guitarrista fundador Brian Jones e encabeça o festival de Altamont (o anti-Woodstock, marcado por tensões e assassinatos). Com o guitarrista dos Bluesbreakers de John Mayall Mick Taylor assumindo o cargo após a morte de Jones (estreando ao vivo em frente a uma plateia de 250 mil pessoas, num show homenagem no Hyde Park, em Londres), o grupo entrou em 1970 pronto para dominar a nova década.

Livres do antigo empresário Allen Klein, o grupo criou seu próprio selo para lançar seus discos e o logotipo da boca com a língua de fora foi adotado como ícone visual do grupo. Na mesma época, o tecladista Ian Stewart sugere que eles comprem um estúdio portátil para gravar onde quer que estivessem, o que tornou a banda única neste quesito.

O período com Taylor é considerado a melhor fase do grupo, que começa com o lançamento de “Let it Bleed” (em 1969, que ainda conta com gravações de Jones) e Sticky Fingers (em 1971, com capa assinada por Andy Warhol) e segue rumo a seu período mais controverso, em 1972.

É quando o grupo descobre que estava devendo milhões para o governo britânico em forma de impostos não pagos. Seus contadores sugerem que eles deixem a Inglaterra para não se encrencarem mais ainda, o que faz que Keith Richards encontre uma mansão de 16 cômodos no sul da França e mude-se, aos poucos, com a banda, para lá.

A Villa Nellcôte na cidade de Villefranche-sur-Mer, ficava perto de Nice, no litoral francês, e Richards mexe no porão do lugar para que eles pudessem começar a gravar ali mesmo. É o período em que o guitarrista afunda em heroína e visitas ilustres como William S. Burroughs, Gram Parsons e John Lennon inevitavelmente caíam neste abismo cavado por ele.

É assim que os Stones começam a colocar em prática seu décimo álbum, “Exile on Main St”. Reunindo músicas que vinham compondo desde o final dos anos 1960, eles aos poucos começam a erguer um disco que é uma espécie de monumento à história do rock ao mesmo tempo que a própria importância. E por mais contraditório que possa ser num disco sem nenhum hit instantâneo (e talvez justamente por isso), o disco duplo é indiscutivelmente o melhor disco dos Rolling Stones.

O clima pesado da Villa Nellcôte também estava ligado ao fato de que Keith Richards finalmente estava no comando daquele navio pirata. Jagger preferiu ficar em Paris com sua nova esposa Bianca e apenas visitava o QG armado pelo guitarrista – não por acaso ele não gosta do resultado do disco, por considerar sua voz em segundo plano. O disco foi finalizado em Los Angeles, nos Estados Unidos, e é a viagem mais pesada que os Stones submetem seus fãs.

São 18 faixas divididas em quatro lados de discos que misturam rhythm’n’blues, soul music, rock rasgado, gospel, rockabilly, country, folk, blues e rock’n’roll em diferentes escalas, riffs memoráveis, solos de sax, de guitarra, de teclado, grooves infernais, cantos do fundo da alma, muita percussão e a presença indefectível do vocal de Mick Jagger, assumindo diferentes personas à medida em que a banda se metamorfoseia em novos grupos.

O disco chegou ao topo das paradas norte-americanas e inglesas na semana de seu lançamento e é uma das raras unanimidades na história do rock. Os Stones seguiriam conquistando os anos 1970 (e o resto do século 20), mas eles já haviam deixado seu legado em sua obra-prima.

Roxy Music – Roxy Music

No começo dos anos 1970, a Inglaterra passava por uma transformação brutal em sua música pop. O fim dos Beatles apenas selava o término de um capítulo, e uma série de fragmentos plantados pelos quatro de Liverpool floresceram em novos movimentos musicais, que iam para além das canções que eles começaram a fecundar no começo da década.

E entre as referências que ousaram levar para a música pop daquela década, os Beatles tiveram a pachorra de apresentar as canções que tocavam no rádio ao mundo da arte com letras maiúsculas, flertando com a música contemporânea, a erudição e o pós-modernismo.

Deste fértil terreno surgiam bandas, artistas e cenas musicais que iam para diferentes lados: o rock progressivo conversava com a música erudita e as sagas do passado; o rock psicodélico expandia os limites dos temas e a forma que a música era improvisada; o jazz rock trazia o veterano gênero para o mundo novo da eletricidade, das distorções e da microfonia, mas sem perder a fleuma e a classe; e o glam rock se referia aos anos 1960 como se estes fossem uma caricatura, exagerando clichês e cores ao extremo.

No centro destes gêneros musicais está o Roxy Music. O grupo foi sendo formado com referências musicais híbridas: Andy McKay respondeu ao anúncio por um tecladista mas na verdade ele tocava saxofone e oboé e convidou um amigo que nem músico era, chamado Brian Eno, para funcionar como “consultor técnico” da banda.

O percussionista erudito Dexter Lloyd assumiria a bateria, enquanto dois guitarristas responderam a um anúncio em busca do “guitarrista perfeito”, o ex-The Nice David O’List e Phil Manzanera. O nome do grupo saiu de uma lista de nomes de velhas salas de cinema por não significar nada ao mesmo tempo em que passava uma ideia de glamour decadente. O “Music” foi acrescentado depois que eles descobriram que havia um grupo americano com o mesmo nome.

Normalmente postos ao lado do levante glam rock que aconteceu no Reino Unido devido às suas roupas coloridas e postura extravagante, o rótulo acaba limitando o impacto do Roxy Music. Por mais que eles emulassem a música dos anos 1960, acrescentando outros elementos norte-americanos (como a soul music e seu acabamento estético) à mistura, a erudição de seus músicos e a reverência a suas referências acabava por colocar o grupo em outro gênero: o chamado “art rock”.

“Isso é uma gravação ou uma festa com drinques?”, perguntava-se Simon Puxley, amigo de Bryan Ferry chamado para escrever o texto de apresentação do primeiro disco da banda. Batizado apenas com o nome da banda, trazia uma modelo sensual deitada numa cama, provocando o espectador a deitar-se com o disco.

Apesar de o disco acabar soando como uma balada grã-fina, a sonoridade da banda expande-se para diferentes lados: dos solos free jazz de saxofone de “Remake/Remodel” à microfonia de “Sea Breezes”, passando pela forma como a balada “Ladytron” se torna um ataque aos sentidos, o groove irresistível e hipnótico de “2 H.B.”, o clima esparso de “Chance Meeting”, o blues stoneano de “If There is Something”, o clima Velvet Underground dos anos 50 de “Would You Believe?”, o rock marcial de “Virgina Plains” e o clima de cabaré de “Bitters End”.

Um disco de estreia forte, que estabeleceria a banda como um dos principais grupos ingleses daquele período, inaugurando uma sequência de álbuns clássicos que consolidaria a importância da banda para a história da música pop.

Stevie Wonder – Talking Book

Em 1972, já fazia dez anos que Stevie Wonder havia começado sua carreira musical. Mas se no começo dos anos 1960 ele era um garoto-prodígio que compensava o fato de ser cego com uma aptidão musical, em seguida ele mostrou ser um multiinstrumentista, compositor das próprias canções desde cedo.

A voz irresistível e a presença magnética no palco ajudaram-no a ganhar o apelido de “maravilha” que substituiria seu sobrenome de nascença, Morris.

Com apenas 13 anos, em 1963, ele emplacara um hit no topo das paradas de sucesso dos EUA – e não apenas na parada de artistas negros, como acontecia no país, que ainda era segregado racialmente nesta época.

“Fingertips” (com um jovem Marvin Gaye tocando bateria) foi a pedra fundamental de sua carreira e também um passo importante para a gravadora Motown gabar-se de ser, de fato, “o som da América jovem”, como seu slogan bradava.

Mas à medida que os anos 1960 passavam, Wonder começou a sentir a necessidade de fazer tudo à sua maneira. Deixou o sufixo “Little” (pequeno, em inglês) que vinha anexado ao seu nome artístico em 1965 e logo mostrava que seguiria seu próprio rumo – escolheu gravar “Blowin’ in the Wind”, de Bob Dylan, e começou a compor suas próprias canções, escrevendo uma delas (“Tears of a Clown”) para um veterano grupo da Motown, Smokey Robinson & The Miracles, que os levou mais uma vez para o topo das paradas.

E, como outros artistas da Motown, Stevie Wonder entrou nos anos 1970 disposto a tomar as rédeas do próprio trabalho, para desgosto do fundador da Motown, Berry Gordy.

Encontrou uma dupla de produtores que ajudaram a encontrar seu próprio som e logo estava gravando os discos de sua fase de ouro, quando tornou-se um dos maiores nomes da história da música pop. O primeiro álbum desta parceria foi lançado no início de 1972, mas “Music of My Mind” era apenas um pré-âmbulo para a verdadeira transformação que foi “Talking Book”.

Com apenas 22 anos, Stevie Wonder gravou um dos discos mais importantes da história da música pop azeitando o conceito que havia desenvolvido com os dois amigos produtores: o de deixar instrumentos tradicionais em segundo plano para abraçar novos equipamentos que surgiam com a nova década.

Stevie Wonder desenvolveu uma fórmula musical que o tornava praticamente o único músico em várias canções, tocando todos os instrumentos à medida em que deixava teclados elétricos, sintetizadores e outros instrumentos novíssimos dar a sonoridade àquela nova soul music, substituindo lentamente sopros e cordas, tão tradicionais.

“Talking Book” é o momento da maturidade musical de Stevie Wonder e ele só deixa de tocar a maioria dos instrumentos quando convida artistas do mesmo patamar, como o saxofonista David Sanborn, o guitarrista Jeff Beck, a vocalista Deniece WIlliams e o guitarrista Ray Parker Jr.

Cada vez mais consciente de sua própria importância artística, começa a misturar temáticas sociais e políticas nos temas de suas canções, que até então eram de amor. O disco pode ser dividido nestas duas metades: groovezeiras que também são comentários sobre o que está acontecendo com o mundo (“Big Brother”, “Maybe Your Baby” e “Tuesday Heartbreak”) e baladas irresistíveis para se apaixonar para sempre (“You Are the Sunshine of My Life”, “Blame It On The Sun”, “You and I”, “You’ve Got It Bad Girl” e “Lookin’ For Another Pure Love”).

No centro de tudo, a insuperável “Superstition”, talvez a música mais importante de Stevie Wonder. Ela consolida o formato musical que ele seguiria explorando nos anos seguintes e foi composta inspirada nos Rolling Stones, com quem o cantor havia dividido uma turnê naquele mesmo ano, e pensada para ser oferecida ao guitarrista inglês Jeff Beck.

Felizmente Wonder gravou sua própria versão e com ela transcendeu mais uma vez para além das paradas de música negra e cada vez mais misturando-se aos grandes nomes do rock do período.

Talking Book termina com “I Believe (When I Fall In Love It Will Be Forever)”, que acaba por juntar as duas metades do disco numa faixa cheia de esperança. Na capa, pela primeira vez sem os tradicionais óculos escuros, Wonder usava tranças africanas, joias indianas e túnica árabe, além de ter exigido que o título do disco e parte da ficha técnica fosse escrita em braille.

Pequenos detalhes mostram o quanto ele determinava os rumos da própria vida – e era só o começo de uma fase mágica que o faria nos entregar obras-primas ainda mais importantes nos anos seguintes. É como se assistíssemos ao batismo de um mágico.

T. Rex – The Slider

Apesar de nomes como Roxy Music e David Bowie estarem intimamente ligados ao chamado glam rock, ninguém personifica melhor este gênero do que Marc Bolan. Nem o Slade nem o Mott the Hopple ou quaisquer outros artistas que se aventuraram por aquele novo gênero do início dos anos 1970 chegava aos pés do encanto e da naturalidade do guitarrista, cantor e compositor que havia criado o grupo T. Rex.

Bolan, como Bowie, também havia chegado tarde para a festa dos anos 1960 e tentava entrar no restrito clube do rock clássico inglês usando as próprias armas – o carisma, a poesia e o senso melódico – em brechas abertas por outros artistas. Tanto que a primeira encarnação do seu grupo era basicamente um sarau hippie folk.

Foi quando, em 1970, ele trocou o tocador de bongô Steve Peregrin Took pelo baterista Mickey Finn e assumiu uma Gibson Les Paul no lugar do violão, encurtou o nome da banda para a forma como tornou-se mais conhecida e, como Syd Barrett dois anos antes havia inventado a psicodelia, pariu o glam rock.

A princípio, e sem este rótulo, era uma espécie de homenagem e paródia do rock mais básico, que ecoava tanto o rock’n’roll norte-americano dos anos 1950 quanto o rock inglês dos 1960.

Mas quanto mais compunha canções com estas características, Bolan foi se tornando mais consciente de como sua imagem era tão importante quanto a música que tocava – e o que era referência passa a se tornar a essência de seu trabalho. A autoimagem, as roupas coloridas, a androginia, o olhar desafiador para a câmera e declarações extravagantes ajudavam-no inclusive a compor novas canções.

Esta consciência o levou a encurtar o nome do grupo e a chamar Steve Currie para o baixo e Bill Legend para a bateria, deixando Finn na percussão. Parceiro constante nesta transformação musical estava o produtor Tony Visconti – que nos anos seguintes iria produzir discos do Lou Reed ou David Bowie – e que consolidou sua reputação justamente produzindo os discos do T. Rex. Esta transformação começa a acontecer em 1971, com o primeiro dos três clássicos consecutivos que Bolan lançou, Electric Warrior.

O disco anterior planta a semente que germina na cabeça e nos quadris de artistas por todo o Reino Unido, por isso “The Slider”, o disco de 1972, tem tanta importância: além de um conjunto de canções imbatível (“Metal Guru”, “Rock On”, “Telegram Sam”, “Rabbit Fighter”, “Mystic Lady”, a faixa-título e tantas outras), ele também filtra os elementos realmente centrais no gênero que forjou no disco anterior.

“The Slider” é, portanto, um desfile repetitivo de refrões grudentos, riffs escorregadios, andamentos irresistíveis, acordes abertos, grooves macios e o vocal sempre mole de Bolan quase falando, sussurrando, gemendo e conversando várias vezes acompanhado por um vocal de apoio.

O eco elétrico da guitarra atravessa todos os timbres do disco sem que seja preciso utilizar solos ou outras demonstrações de virtuosismo. O território do disco é o chão batido do blues, por isso tire seus sapatos finos ao entrar, porque você vai se sujar – foi o que fizeram os Ramones, os Cramps, The Fall e os B-52’s, só alguns dos netos mais conhecidos de Bolan.

Vários Artistas – The Harder They Come

As transformações que estavam acontecendo na música pop na virada dos anos 1960 para 1970 eram fortes em qualquer lugar do mundo, mas em um ponto específico do planeta elas mudariam o rumo de toda uma cultura – mais ainda, de um país.

A revolução cultural que transformou uma pequena ilha do Caribe ganhava um nome poderoso à medida em que uma década se transformava na outra, mas o impacto do reggae na cultura mundial foi mais importante que a ascensão de gêneros como o heavy metal, o rock progressivo, o glam rock ou o novo folk.

Esta transformação começa quando o banto, ritmo originário da Jamaica a partir da tradição africana trazida para a ilha à força, como aqueles que foram escravizados, começa um namoro com o doo-wop, o blues e o gospel a partir da transmissão de emissoras de rádio norte-americanas que conseguiam ser captadas na ilha caribenha.

A evolução da música negra dos EUA – que aos poucos se metamorfoseou na soul music – foi acompanhada de perto pelos vizinhos jamaicanos e o banto aos poucos deu origem ao ska, depois ao rock-steady e finalmente ao reggae, ao juntar o doce antídoto contra o sofrimento dos descendentes de escravos estadunidenses com a malemolência do gingado da ilha.

E aos poucos o reggae começou a ser notado em outros países. Mas o principal cartão de visitas daquela nova sonoridade para o resto do mundo é também uma das coletâneas mais perfeitas daquele período. A trilha sonora do filme “A Harder They Come” (“Badala Sangrenta”), uma tragédia gangster ambientada nas ruas das favelas da capital do país, Kingston, é uma cartilha de sucessos jamaicanos que dificilmente encontra par em outras edições e formatos.

O filme, estrelado por um jovem Jimmy Cliff, inevitavelmente traria músicas do ator, que também era um astro em ascensão em seu país. Mas das doze canções da trilha, apenas metade leva a voz de Cliff – na prática, apenas quatro, já que duas repetem-se em versões alternativas. O resto da coletânea reúne sucessos que encantaram as festas e rádios jamaicanas desde o final dos anos 1960 até aquele 1962.

O disco abre com a irresistível “You Can Get It If You Really Want”, que Cliff havia lançado originalmente em 1970, e segue com a chapada “Draw the Brakes”, que os Spanishtonians lançaram em 1965, eternizada pelo DJ e vocalista Scotty no mesmo ano de lançamento da trilha sonora, acompanhada de “Rivers of Babylon”, canção rastafari gravada pelos Melodians em 1970.

As três músicas já funcionam como um cartão de visitas perfeito sobre a amplitude do reggae. A balada “Many Rivers to Cross” (um hit de Cliff em 1969), o ska “Sweet and Dandy” e a eterna faixa que batiza o filme encerram o primeiro lado do disco.

O lado B começa com dois rock steady: a“Johnny Too Bad”, que a banda The Slickers havia lançado em 1970 e “007 (Shanty Town)”, lançada em 1967 por Desmond Dekker e seu grupo The Aces. O disco continua com o hit reggae “Pressure Drop”, outra dos Maytals, antes de Frederick “Toots” Hibberta parecer como líder da banda, que mais tarde seria regravada pelo Clash e pelos Specials. A última inédita do disco é a quase soul “Sitting In Limbo”, cantada por Cliff, que reaparece com duas versões de músicas já ouvidas: uma versão alternativa para a faixa que abre o disco e uma mais curta da faixa-título.

A trilha sonora foi lançada em 1972 primeiro na Inglaterra e só no ano seguinte nos EUA e no resto do mundo, preparando o território para a chegada do rei do reggae, Bob Marley, que começaria a ganhar terreno para além da Jamaica a partir de 1973.

Mas mais do que estender um tapete vermelho perfeito para a chegada da majestade, a trilha sonora de “The Harder They Come” é, ela mesma, parte da nobreza jamaicana – e profetiza a chegada da música da ilha para o resto do mundo.

Yes – Close to the Edge

https://youtu.be/GNkWac-Nm0A

Fundado pelo vocalista Jon Anderson e pelo baixista Chris Squire, o Yes estava intimamente envolvido com a cena de rock clássico inglesa do final dos anos 1960. Enquanto ainda trocava de instrumentistas e buscava um novo tipo de som gravando e tocando ao vivo versões dos Beatles, dos Byrds, do Buffalo Springfield e de Richie Havens, o grupo abriu para o Cream, fez turnês com o Iron Butterfly e com o Jethro Tull, sendo notado tanto pela crítica quanto pelo público.

Entre 1968 e 1970, o Yes seguiu experimentando sonoridades, timbres, andamentos e composições, algo que foi acirrado quando assistiram ao grupo King Crimson ao vivo. Depois de dois discos gravados, sua formação finalmente chegou a uma certa estabilidade quando, além de seus fundadores (e seu primeiro baterista, Bill Brufford), reuniram, o guitarrista Steve Howe e o recém-chegado tecladista Rick Wakeman.

Foi com esta formação clássica que o grupo entrou nos anos 1970 e gravou dois discos que definiram seu som: “The Yes Album” e “Fragile”. O último emplacou um hit, “Roundabout”, que deixou o grupo mais perto da primeira divisão do rock da época, à medida em que o rock progressivo se estabelecia como uma das principais forças do início daquela década, com suas músicas sinfônicas intermináveis, divididas em partes e ocupando lados inteiros dos discos de vinil.

É também a partir deste último disco que o grupo começa a colaboração com o ilustrador Roger Dean, que criou o logotipo da banda, as capas de seus discos e todo o imaginário visual do grupo.

O Yes entrou em 1972 no auge de sua carreira e no segundo semestre daquele ano entregou seu disco mais emblemático. “Closer to the Edge” consolidava a performance do grupo como um quinteto virtuoso o suficiente para misturar andamentos sinfônicos, improvisos de jazz, transes psicodélicos e melodias que ficavam na cabeça, por mais complexas que pudessem parecer.

A faixa-título, com quase 20 minutos de duração, talvez seja o melhor exemplo para quem quiser entender o que é rock progressivo. Ocupando todo o primeiro lado do disco, “Closer to the Edge” foi inspirada pelo livro Sidarta do alemão Herman Hesse e por sinfonias do compositor finlandês Jean Sibelius.

No lado seguinte do disco, “And You And I” volta para a raiz folk do grupo, em uma canção mais tradicional, embora mais longa que a média, com quase dez minutos e dividida em quatro movimentos, seguida por “Siberian Khatru”, com quase nove minutos, mudanças de andamentos, mas menos complexas que as duas faixas anteriores.

“Closer to the Edg”e talvez seja o disco de rock progressivo definitivo. Carrega todas as nuances e clichês do gênero e é a obra-prima de uma de suas bandas mais características. O disco colocou o Yes no topo do jogo da indústria fonográfica e a partir dali passou a dividir opiniões ao lentamente transformar-se na caricatura da banda perfeita que foram em 1972.

A saída de vários integrantes, turnês intermináveis e discos cada vez mais hiperbólicos acabaram por desviar o grupo do trajeto perfeito que fizeram no começo daquela década – e “Closer to the Edge” é o melhor retrato daquele momento. Um disco perfeito.

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