20 anos de Cidadão Instigado

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A banda cearense Cidadão Instigado encerrou o ciclo do disco Fortaleza no show que fizeram na Virada Cultural do Centro Cultural São Paulo – e a partir deste fim de semana começa a comemorar duas décadas de atividade com dois shows no Sesc Pompeia, nesta sexta e sábado (mais informações aqui), que devem se espalhar para outras cidades em breve. Além dos shows, que prometem músicas de todas fases da banda, toda discografia do grupo foi lançada em vinil numa caixa luxuosa bolada pelo selo EAEO (que está nas últimas unidades!). Hoje o Cidadão firmou-se em uma formação que reúne o líder, criador e guitar hero Fernando Catatau, o baterista Clayton Martin e os multiinstrumentistas Régis Damasceno, Rian Batista e Dustan Gallas, além do sexto elemento – que pilota o som da banda de fora do palco – Yuri Kalil. Conversei com o Catatau sobre estas duas décadas instigadas.

O que você fazia antes de criar o Cidadão Instigado?
Essa é uma pergunta bem abrangente… Fiz muitas coisas antes de montar o Cidadão. Em termos musicais eu toquei em uma banda quando eu tinha 14 anos que se chamava Ultra Leve. Entrei na banda já formada que tocava rock nacional e tinha algumas composições próprias. Fizemos duas apresentações e depois parei de tocar pra andar de skate. Depois do skate surfei de bodyboard e foi a época que conheci o Regis Damasceno e o Junior Boca. Quando ouvi as músicas do Boca eu achei que tínhamos que ter uma banda e assim montamos a Companhia Blue. A banda durou quatro anos, entre 90 e 94, até que eu e Boca viemos para São Paulo. Daí o Boca teve que voltar pra Fortaleza e foi nessa época que eu comecei a compor as músicas que dariam origem ao Cidadão Instigado.

Como a banda começou? Qual era a primeira formação?
Morei um ano em São Paulo e um ano no Rio entre 1994 e 1995. Nesse período eu fiquei muito tempo só compondo e imaginando a banda. Em 1996 eu voltei pra Fortaleza e montei a primeira formação do Cidadão. Lembro que fui chamando alguns amigos que eu conhecia e todos ficavam meio intrigados com as músicas mas iam topando pela amizade. A primeira formação era eu na voz e guitarra, Rian Batista no baixo, Marcos P.A. na zabumba, Otto Junior na percussão, Amaury Fontenele no teclado, Danilo Guilherme e Ludmila Mourão nos vocais.

Como essa formação evoluiu da original para a da primeira demo?
No começo, tivemos muitas formações, até porque era um momento de testes e tentativas, e como eu era muito obsessivo ficava testando todo tipo de instrumentação e arranjos. Naturalmente, algumas pessoas iam saindo e outras entrando pois manter uma banda em Fortaleza não era uma tarefa muito fácil naquela época. Aos poucos os amigos mais antigos foram se aproximando. Um dia vi o Fil que fazia nossa arte gráfica tirando um som e disse que ele ia tocar zabumba. No começo ele recusou mas depois aceitou a proposta e ficou com a gente até o Ciclo da Dê.Cadência. Dustan (Gallas) que tinha acabado de voltar da gringa entrou tocando caixa e prato e o Danilo Guilherme que fazia vocais começou a tocar percussão. Essa foi a formação do EP.

Depois você veio morar em São Paulo e lançou o disco com o Instituto, O Ciclo da Dê.Cadência. Como aconteceu esse encontro?
Eu voltei pra morar em SP em 2001. Nós já tínhamos todas as músicas do Ciclo bem ensaiadas e massacradas. Passamos muito tempo tocando elas até serem gravadas. Quando chegamos pra tocar em São Paulo pela primeira vez foi no projeto Nordestes no Sesc Pompéia. Lembro que quem fechava a noite era o Otto e foi nesse dia que conheci a banda e o Daniel Ganjaman. Trocando uma idéia com o Ganja sobre gravação ele me falou sobre o estúdio da família dele. o El Rocha. Daí me organizei pra gente ir gravar lá. Ao mesmo tempo que o disco ficava pronto o Ganja estava abrindo um selo, o Instituto, junto com o Rica e o Tejo, e nos convidaram para lançar por eles.

Depois veio o Método Tufo de Experiências. Conte a história desse disco.
Na época do Método foi um período bem complexo. Eu já não aguentava mais o que vínhamos fazendo. Entrei em uma grande crise existencial e com o Cidadão Instigado e pensei em acabar a banda e montar meu projeto solo que se chamaria Fernando Catatau e o Método Túfo de Experiências. Em vez de acabar a banda resolvi transformar nosso som e mudar o caminho que a gente vinha traçando. “Minha Imagem Roubada” que foi a ultima música que fiz pro Ciclo já me levava pra outros rumos. Nessa época, em 2001, eu me mudei novamente pra São Paulo e mais uma vez passei por um período de adaptação difícil que foi se refletindo nas músicas. Foi um disco de cortes radicais na vida, dores de amor… É por isso tem varias músicas cheias de emoção. Ficava ouvindo Roberto Carlos, Bee Gees, Genival Santos e varias músicas do meu passado pra tentar resgatar um pouco das minhas lembranças de Fortaleza pra esse novo momento em São Paulo.

Foi a partir dessa época que a formação se estabeleceu, certo?
Foi mais ou menos por essa época. Até o Método ainda tínhamos o lance da bateria desmembrada em caixa e prato e zabumba e quando mudei pra São Paulo e ainda na transição Ciclo/Túfo eu conheci o Clayton que tocava com o Júpiter Maçã e o chamei pra tocar na banda. Na primeira vez que o convidei ele recusou dizendo que não gostava muito desses sons regionais… Eu achei engraçado. Conhecendo ele hoje, sei que era só da boca pra fora. Na mesma época conheci o Mauricio Takara que é irmão do Ganja que chamei pra tocar zabumba. Com o tempo o Takara desistiu da zabumba e tentamos adaptar as musicas pra bateria e o Clayton assumiu. Nessa época o Regis decidiu vir morar em Sao Paulo também e aos poucos a banda foi se reestruturando.

Cinco anos depois vocês lançaram o Uhuuu!, um disco bem mais pra cima e solar. Conte a história desse disco.
Esse foi um disco que eu considero de renascimento pra mim. Depois de passar por esse período bem intenso da minha vida, eu começei a me reerguer e buscar uma vida mais leve e de reconexão com os amigos e principalmente com Fortaleza, daí as músicas que eu ia fazendo vinham com esse espírito. Até o Uhuuu!, o Dustan, que tinha sido na época do Ciclo ainda não tinha voltado e foi nesse clima de reconexão que ele voltou pra banda. Considero um retrato bem sincero desse momento de astral maresia despreocupado.

Entre Uhuuu! e Fortaleza vocês tiveram a fase do Dark Side of the Moon. Como foi esse período?
Na real a fase Dark Side foi no fim do Fortaleza. Já estávamos no fim das gravações do Fortaleza quando o Ramiro nos chamou pra fazer o disco Dark Side of the Moon do Floyd na integra pro projeto 73 Rotações. A priori eu recusei pela responsabilidade ser muito grande e por eu não me garantir de cantar em inglês mas quando os meninos falaram que eles cantariam eu fui mudando de opinião. Foi aquele momento em que já estávamos exaustos com as gravações do disco, com os shows repetidos do Uhuu! daí recebemos a proposta como algo massa. Aprender a tocar esse disco que é um dos mais marcantes na nossa vida foi o melhor presente de todos.

Finalmente, Fortaleza. É o disco de vocês que mais levou tempo para sair. Ele reflete uma maturidade da banda?
A demora foi além de tudo um processo natural. Aquela tentativa de se transformar. Eu sentia que não podíamos fazer outro Uhuu! e sair daquela sonoridade não foi nada fácil. O Uhuu! foi um começo de reconexão com Fortaleza. Com o lado praiano, dos amigos, da maresia, do astral… Já no Fortaleza eu sinto que foi o reconhecimento de um outro lado. Talvez o nosso verdadeiro lado dark side que é o de uma cidade enraizada no coronelismo, cheio de pessoas talentosas mas que são eternamente podadas, das grades, dos prédios, das diferenças sociais, da marginalidade. A realidade é que sempre foi muito difícil aceitar essas lado torto de Fortaleza, mas essa é a realidade da cidade e não da pra fugir. Quando comecei esse processo de reconexão tudo foi exposto e isso se refletiu nas musicas do Fortaleza. Aceitar, caminhar com essas diferenças e principalmente tentar de alguma maneira melhorar essas situações fazem bem mais sentido hoje pra mim. Mais do que se distanciar.

E como vocês começaram a pensar nos 20 anos da banda?
Quando percebemos que estávamos fazendo 20 anos de banda ja pensamos automaticamente em comemorar. Estarmos juntos por tanto tempo e levando as coisas como a gente sempre quis é uma vitória. Então não tinha como não comemorar. Somos amigos, tocamos juntos desde adolescentes, agora somos uma banda com uma discografia completa em LP e o melhor de tudo: ainda gostamos muito do que fazemos. Vamos comemorar!

Fale sobre a caixa de vinis.
O lance da caixa foi algo muito especial pra gente. O João que é dono do selo EAEO resolveu bancar a discografia inteira pensando na nossa comemoração de 20 anos. Eu nem tenho nem palavras pra dizer o quanto ficamos felizes com isso tudo, é como se agora fizesse um pouco mas de sentido. Somos todos de uma época em que comprar um LP era algo muito especial. Eu ficava olhando a capa, os detalhes, era um tempo de romantismo musical e agora termos todos os LPs de uma só vez, o EP em cassete… Emociona a galera das antigas…

E esses shows do Sesc Pompeia, passam por todas as fases?
Esse show tá sendo uma doidêra. Tivemos que ouvir os discos antigos pra conseguir entrar em todos os climas de emoção de cada época e confesso que me trouxe a tona várias coisas que faziamos e que tinhamos deixado de lado, principalmente na época do EP e do Ciclo. Vamos passar por todas as fases e se aprofundar bastante em cada uma delas. Tá sendo massa se redescobrir depois de tanto tempo.

Vocês entram agora no modo comemoração dos 20 anos, mas já estão pensando num próximo disco?
Já tenho muitas músicas feitas mas isso é pra pensar daqui um tempo. Agora é focar nesse show. Em breve passamos a pensar em algo novo.

Que música melhor reflete o Cidadão Instigado vinte anos após sua formação?
“Um Nordestino no Concreto”.

O CCSP na Virada Cultural 2017

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Eis a programação de música da Virada Cultural no Centro Cultural São Paulo​. É a primeira vez que o CCSP vira 24 horas durante a programação da Virada e esse foi o pessoal que a gente escolheu pra tocar nesse fim de semana- e tudo é de graça.

Sala Adoniran Barbosa
18h – Juçara Marçal​
19h30 – Mariana Aydar​
23h – Bárbara Eugênia​
1h – Tiê​
2h30 – Anelis Assumpção​
4h – Cidadão Instigado​
12h – Mahmundi​
14h – Curumin​
16h – Karina Buhr​
18h – Siba​

Jardim Suspenso – lado 23 de maio
11h – Lucas Vasconcellos​

Além de música tem teatro, dança, cinema, infantil, circo, artes visuais e até ioga com música indiana quando o sol raiar (mais informações aqui). O restaurante e o metrô vão funcionar direto. Nada mal, hein?

As 10 músicas mais importantes do indie brasileiro para o Mancha

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Neste domingo acontece a segunda edição do festival Fora da Casinha, que o compadre Mancha Leonel – o Mancha, da Casa do Mancha – levanta na raça e na unha, sem patrocínio e reunindo o filé da produção musical brasileira independente. Na edição do ano passado ele bateu na tecla do indie rock brasileiro, crucial em sua formação e na história da casinha. Na edição 2016, ele aponta para o perfil atual do estabelecimmento e seus passos futuros, incluindo ícones do rock independente nacional e novos sabores da atual cena pop brasileira, reunindo dez apresentações (Hurtmold, Jaloo, Mauricio Pereira, Cidadão Instigado, Anelis Assumpção & Dustan Gallas, Luiza Lian, Kiko Dinucci, Maglore, As Bahias e a Cozinha Mineira, Ventre e Juliana Perdigão) em três palcos a partir das quatro da tarde. Como no ano passado, eu, Luiz e Danilo representamos a SUSSA – Tardes Trabalho Sujo, tocando apenas música independente brasileira na área comum, que conta com área de alimentação, feirinha de publicações independentes, lançamento do livro Cena Musical Paulistana dos Anos 2010, do Thiago Galletta, e exibição do documentário Música ao Lado” sobre as pequenas casas de shows em São Paulo. O evento acontece na Unibes Cultural, do lado do metrô Sumaré (mais informações aqui), e eu pedi pro Mancha escolher as dez músicas do indie brasileiro que foram mais importante em sua formação. Sugiro dar play no vídeo e abaixar o volume para ouvir a música comentada ao fundo da explicação da escolha para cada faixa.

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Bonifrate – “Cantiga da Fumaça”

Pullovers – “Tudo Que Eu Sempre Sonhei”

PELVs – “Even if the sun goes down”

Astromato – “No Macio, No Gostoso”

Bazar Pamplona- “Faixa Bônus”

Thee Butchers Orchestra – “Sugar”

Motormama – “Coração Hardcore”

Wado e o Realismo Fantastico – “Tormenta”

Apanhador Só – “Não Se Precipite”

Superguidis – “Malevolosidade”

Tudo Tanto #017: A volta do protesto

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Fiquei sem atualizar minhas colunas da Caros Amigos desde o início do ano, por isso vou começar a compartilhá-las aqui. A primeira do ano foi sobre a aproximação da nova música brasileira a um novo protesto, que começava a surgir nas ocupações das escolas que aconteceram no ano passado e que anteciparam os protestos deste tenso 2016.

A volta do protesto

Há um tempo que a música brasileira não protesta. Uma conjunção de fatores diferentes fez a voz dos descontentes perder eco na música no início deste século. A derrocada das gravadoras fez que boa parte dos artistas passassem a depender de empresas e do poder público para gravar discos e fazer shows e, com isso, temáticas como provocação, cobrança e vingança desapareceram do cancioneiro nacional no início do século. A ótima fase econômica que o país atravessou na década passada ativou o sempre alerta otimismo brasileiro, que também ajudou a desligar as ganas da contestação. O rock deixou de ser a voz do contra e mesmo bandas de hardcore começaram a falar de amor. E a crise que o hip hop nacional enfrentou após incidentes violentos no meio dos anos 00 o fez repensar todo aquele sangue nos olhos.

Tudo isso transformou a temática da música brasileira do início do século em algo menos agressivo, incisivo, contestador. O amor assumiu de vez o papel de principal tema, abrindo espaços para outras platitudes – e os artistas que antes falavam apenas de amor começaram a falar de sexo no lugar. E logo a música brasileira para as massas se referia mais à pegação, balada e vida noturna, tanto em gêneros que sempre apostaram nestes temas (como a axé music e o funk carioca) até em estilos mais tradicionais (como o sertanejo e o samba).

Mas do mesmo jeito que essa conjunção de fatores fez diminuir o clima de contestação na década passada, ela foi se desfazendo à medida em que entramos na década atual. As chamadas jornadas de junho de 2013, a crise econômica no País, a insatisfação com o governo Dilma, os protestos contra a Copa do Mundo e os nervos à flor da pele nas redes sociais tornaram o país mais belicoso e agressivo. O brasileiro voltou a tomar às ruas como não acontecia há muito tempo e as pautas destes protestos eram – e são – as mais díspares possíveis.

E aí que parte daquela geração que cresceu à sombra dos artistas que falavam de amor e outros assuntos menos sérios começou a botar suas manguinhas de fora. Artistas que já vinham falando de temas menos óbvios e mais interessantes, buscando horizontes musicais mais amplos e desafios pessoais através da arte. Foi justamente a safra que culminou no ótimo 2015 que eu comentei na coluna anterior. Uma rápida audição em cada um daqueles álbuns deixam claro um clima de descontentamento, de não aceitação, de exigência – cada um à sua maneira, cada um do seu ponto de vista.

Assim, o Fortaleza do grupo cearense Cidadão Instigado é um desabafo agoniado sobre a forma como sua cidade-natal foi consumida pela violência, pelo consumismo e pela especulação imobiliária, usando-a como metáfora para esse estilo de vida de jecas brasileiros se sentindo melhores que seus conterrâneos porque falam inglês errado. O mesmo sentimento atravessa o fantástico De Baile Solto do pernambucano Siba, um disco feito em protesto contra a lei de segurança pública que proibiu o maracatu de tocar até o sol raiar – quando a própria definição de maracatu pressupõe a noite virada e o sol raiando. Dois discos feitos às próprias custas, sem gravadora, incentivo fiscal, apoio cultural, nada – justamente para não ser acusado de ter o rabo preso com alguém.

Os discos de Emicida e Karina Buhr são bombas-relógio que partem de dois temas – racismo e feminismo, respectivamente – mas que vão aos poucos mostrando a presença de ambos em diferentes aspectos de nossas rotinas. Outros discos abordam a política em nossos gestos, hábitos e comportamento, longe de siglas, ideologias e líderes – TransmutAção de BNegão e seus Seletores de Frequência fala sobre a mudança interior, o autoestranhamento de Rodrigo Campos em Conversas com Toshiro, A Terceira Terra dos Supercordas é sobre como passar para o próximo estágio da vida em sociedade, Estilhaça do Letuce transforma problematiza a vida a dois como uma tensão em busca de um equilíbrio e o Violar do Instituto pressupõe um incômodo, algo que destoa e desarmoniza. Até o instrumental do Bixiga 70 também “fala” isso, seja nos títulos de suas músicas ou no andamento mais pesado de seu terceiro disco.

Até os trabalhos mais experimentais do ano passado carregam esse tom. Discos como Niños Heroes de Negro Léo, o improviso interminável de Abismu de Kiko Dinucci, Juçara Marçal e Thomas Harres, o encontro de tirar o fôlego entre a mesma Juçara e Cadu Tenório, a alma livre e torta do Voo do Dragão do trompetista Guizado e até o transe telúrico de Ava Rocha em seu disco de estreia Ava Patrya Yndia Yracema – estão todos alinhando-se com o coro dos contrários, cada um vindo de uma direção diferente. Bárbara Eugenia e Tulipa Ruiz vão pelo caminho oposto, fingindo-se de pop em seus respectivos Frou Frou e Dancê para falar sério sem que a gente perceba.

Essa produção artística toda culmina no instigante Mulher do Fim do Mundo, que Elza Soares gravou com alguns dos músicos acima citados e que parece sintetizar o clima de descontentamento atual que todos os discos acima sublinham. Mas mais do que celebrar o encontro de Elza com uma geração mais nova, 2015 talvez tenha sido importante por mostrar para essa geração mais nova que uma geração ainda mais nova pode ser seu novo público.

Foi o que se viu no início do mês de dezembro do ano passado, quando a atual geração da música brasileira resolveu entrar de cabeça na luta das ocupações das escolas públicas de São Paulo, realizadas por adolescentes alunos das mesmas. Revoltados contra a decisão unilateral do governador Geraldo Alckmin de fechar escolas, os alunos foram lá e tomaram conta das instituições, assumindo a gestão e a rotina de mais de 200 escolas em todo o estado. E os artistas mais velhos se reuniram para fazer shows para arrecadar mantimentos para essa nova geração rebelde.

Pude assistir a uma de várias destas apresentações ao ar livre e gratuitas que aconteceram na cidade. Artistas como Céu, Cidadão Instigado, Bárbara Eugênia, Vanguart, Criolo, Maria Gadu, Tiê e até veteranos como Paulo Miklos e Arnaldo Antunes se reuniram num domingo em uma praça no Sumaré para celebrar esse novo momento de resistência – e aos poucos criava-se uma conexão improvável entre adolescentes que não conheciam uma geração mais velha de artistas que se dispunha a fazer shows de graça para eles. Um elo que parece ingênuo e frágil à primeira instância, mas que pode fazer com que estas duas gerações cresçam juntas, se respeitando e construindo um país melhor do que esse que tentam nos empurrar entre anúncios comerciais.

Cidadão Instigado ♥ Arnaldo Baptista

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O La Cumbuca registrou a versão ao vivo que o Cidadão Instigado fez para “Sunshine”, clássico de muitas versões diferentes da carreira solo de Arnaldo Baptista, em um show neste sábado no Rio de Janeiro. Catatau segue com o cabelo descolorido como fez desde que o grupo se apresentou no já mítico festival Psicodália e essa conexão com o Arnaldo parece apontar para uma futura colaboração entre o grupo cearense e o eterno mutante.

Imagina…

Tudo Tanto #016: Um 2015 espetacular

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Na edição de janeiro da minha coluna na revista Caros Amigos, eu escrevi sobre o grande ano que foi 2015 para a música brasileira.

A consagração de 2015
O ano firmou toda uma safra de artistas que lançou discos que reverberarão pelos próximos anos

Alguma coisa aconteceu na música brasileira em 2015. Uma conjunção de fatores diferentes fez que vários artistas, cenas musicais, produtores e ouvintes se unissem para tornar públicos trabalhos de diferentes tempos de gestação que desembocaram coincidentemente neste mesmo período de doze meses e é fácil notar que esta produção terá um impacto duradouro pelos próximos anos. O melhor termômetro para estas transformações são os discos lançados durante este ano.

Os treze anos de espera do disco novo do Instituto, o terceiro disco pelo terceiro ano seguido do Bixiga 70, os seis anos de espera do disco novo do Cidadão Instigado, o disco que Emicida gravou na África, um disco que BNegão e seus Seletores de Frequência nem estavam pensando em fazer, o surgimento inesperado da carreira solo de Ava Rocha, o disco mais político de Siba, o espetacular segundo disco do grupo goiano Boogarins, os discos pop de Tulipa Ruiz e Barbara Eugênia, a década à espera do segundo disco solo de Black Alien, o majestoso disco primeiro disco de inéditas de Elza Soares, os quase seis anos de espera pelo disco novo do rapper Rodrigo Ogi, dos Supercordas e do grupo Letuce e um projeto paralelo de Mariana Aydar que tornou-se seu melhor disco. Mais que um ano de revelação de novos talentos (o que também aconteceu), 2015 marcou a consolidação de uma nova cara da música brasileira, bem típica desta década.

São álbuns lançados às dezenas, semanalmente, que deixam até o mais empenhado completista atordoado de tanta produção. É inevitável que entre as centenas de discos lançados no Brasil este ano haja uma enorme quantidade de material irrelevante, genérico, sem graça ou simplesmente ruim. Mas também impressiona a enorme quantidade de discos que são pelo menos bons – consigo citar quase uma centena sem me esforçar demais – e que foram feitos por artistas jovens, ainda buscando seu lugar no cenário, o que apenas é uma tradução desta que talvez seja a geração mais rica da música brasileira. A quantidade de produção – reflexo da qualidade das novas tecnologias tanto para gravação e divulgação dos trabalhos – não é mais meramente quantitativa. O salto de qualidade aos poucos vem acompanhando a curva de ascensão dos números de produção.

Outro diferencial desta nova geração é sua transversalidade. São músicos, compositores, intérpretes e produtores que atravessam diferentes gêneros, colaboram entre si, dialogam, trocam experiências. Não é apenas uma cena local, um encontro geográfico num bar, numa garagem, numa casa noturna, num apartamento. É uma troca constante de informações e ideias que, graças à internet, transforma os bastidores da vida de cada um em um imenso reality show divulgado pelas redes sociais, em clipes feitos para web, registros amadores de shows, MP3 inéditos, discussões e textões posts dos outros.

A lista de melhores discos que acompanha este texto não é, de forma alguma, uma lista definitiva, mesmo porque ela passa pelo meu recorte editorial, humano, que contempla uma série de fatores e dispensa outros. Qualquer outro observador da produção nacional pode criar uma lista de discos tão importantes e variada quanto estes 25 que separei no meu recorte. Dezenas de ótimos discos ficaram de fora, fora artistas que não chegaram a lançar discos de fato – e sim existem na internet apenas pelo registros dos outros de seus próprios trabalhos. E em qualquer recorte feito é inevitável perceber a teia de contatos e referências pessoais que todo artista cria hoje em dia. Poucos trabalham sozinhos ou num núcleo muito fechado. A maioria abre sua obra em movimento para parcerias, colaborações, participações especiais, duetos, jam sessions.

E não é uma panelinha. Não são poucos amigos que se conhecem faz tempo e podem se dar ao luxo de fazer isso por serem bem nascidos. É gente que vem de todos os extratos sociais e luta ferrenhamente para sobreviver fazendo apenas música. Gente que conhece cada vez mais gente que está do seu lado – e quer materializar essa aliança num palco, numa faixa, num mesmo momento. Esse é o diferencial desta geração: ela vai lá e faz.

Desligue o rádio e a TV para procurar o que há de melhor na música brasileira deste ano.

Ava Rocha – Ava Patrya Yndia Yracema
BNegão e os Seletores de Frequência – TransmutAção
Barbara Eugênia – Frou Frou
Bixiga 70 – III
Boogarins – Manual ou Guia Prático de Livre Dissolução de Sonhos
Cidadão Instigado – Fortaleza
Diogo Strauss – Spectrum
Elza Soares – Mulher do Fim do Mundo
Emicida – Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa
Guizado – O Vôo do Dragão
Ian Ramil – Derivacivilização
Instituto – Violar
Juçara Marçal & Cadu Tenório – Anganga
Juçara Marçal, Kiko Dinucci e Thomas Harres – Abismu
Karina Buhr – Selvática
Letuce – Estilhaça
Mariana Aydar – Pedaço Duma Asa
Negro Leo – Niños Heroes
Passo Torto e Ná Ozzeti – Thiago França
Rodrigo Campos – Conversas com Toshiro
Rodrigo Ogi – Rá!
Siba – De Baile Solto
Space Charanga – R.A.N.
Supercordas – A Terceira Terra
Tulipa Ruiz – Dancê

As 75 melhores músicas de 2015: 6) Cidadão Instigado – “Perto de Mim”

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“Teus medos são os meus e eu sigo nas manhãs”

As 75 melhores músicas de 2015: 39) Cidadão Instigado – “Land of Light”

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“A luz me derrete em lágrimas”

As 75 melhores músicas de 2015: 30) Cidadão Instigado – “Dudu Vivi Dada”

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“Já estou acostumado, mas dói, dói”

Os 75 melhores discos de 2015: 3) Cidadão Instigado – Fortaleza

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Nosso rock clássico.