Unidos por João Gilberto

Apesar de ambos serem octagenários, Jards Macalé e João Donato, que apresentaram-se nessa quinta-feira na Casa Natura Musical, são de gerações diferentes. Gravaram juntos há quase dois anos o sensacional Síntese do Lance completamente entrosados, mas os oito anos que os separam eram uma era geológica quando começaram na música – Jards ainda estava aprendendo a tocar seu violão quando Donato já se esbaldava na vida noturna carioca com seu piano. O ponto em comum, relembrado pelos dois, era João Gilberto: um dos primeiros ídolos de Jards tocava nos mesmos palcos que também se apresentava o tecladista acreano quando nem bossa nova existia e a aura do velho baiano pairava sobre a apresentação que fizeram juntos – num momento central do show, literalmente, quando Jards invocou o fantasma de João quando telefonou para seu velho número e recebeu uma canção postumamente (“Um Abraço do João”) seguido de uma canção de Donato que teve sua letra escrita por João (“Minha Saudade”). O entrosamento dos dois músicos era patente, mas a idade faz com que os dois não atravessem toda a apresentação juntos, fazendo sets solo ao lado dos músicos que os acompanhavam (o baixista Guto Wirtii, o baterista Renato Massa Calmon, o trumpetista José Arimatéia e o trombonista Marco Aurélio Tiquinho). Mas o bom mesmo era quando Jards e Donato estavam no palco ao mesmo tempo, celebrando uma música brasileira que ajudaram a transformar. Foi foda.

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Uma amizade e dois discos soberbos

Muito feliz de ter presenciado o encontro de duas facetas de dois dos maiores nomes da música brasileira contemporânea numa mesma noite, quando Kiko Dinucci e Juçara Marçal encontraram-se, nesta quinta-feira, no palco da Casa Natura Musical para apresentar, pela primeira vez em São Paulo, seus respectivos Rastilho e Delta Estácio Blues em uma sessão dupla de tirar o fôlego. A noite começou com Kiko chamando as cantoras que reuniu para acompanhá-lo na versão ao vivo do melhor disco brasileiro de 2020 – além da própria Juçara, as sensacionais Dulce Monteiro, Maraísa e Gracinha Menezes – e, como sempre elas encantaram o público e adoçaram o toque ríspido e percussivo de Kiko em seu instrumento. Depois, sozinho no palco, segurou a audiência que lotava a casa tocando várias canções apenas com seu violão de cordas de nylon e a empolgação fez com que ele quase quebrasse o instrumento – mas foi só um susto. Chamou primeiro Juçara para acompanhá-lo em outras canções e, finalmente, encerrou a apresentação com a premonitória faixa que batiza seu disco, puxando o coro kamikaze “vamos explodir” pouco antes de entrar na cantoria balsâmica que encerra o disco – e o espetáculo.

Pouco depois da apresentação de Kiko Dinucci na Casa Natura Musical nesta quinta-feira, foi a vez de Juçara Marçal assumir o comando, deixando Kiko, produtor do melhor disco brasileiro de 2021, como coadjuvante e braço direito. Ancorados por uma cozinha pesada e precisa – os baixos de Marcelo Cabral e os beats de Alana Ananias -, os dois ressurgiam no palco com outro figurino e outra direção – em vez de vozes e um único violão, instrumentos elétricos, sintetizadores e a única voz, de Juçara, claro, distorcida por ela mesma com vários efeitos e pedais de distorção. A versão ao vivo de Delta Estácio Blues segue sendo o melhor show no Brasil atualmente e é impressionante como a cada nova apresentação, eles aumentam ainda mais os decibéis – a dobradinha entre “La Femme à Barbe” e “Oi Cats” (em que Juçara enfiou até um “oi sumido”) subiu com uma parede de ruído avassaladora e se o show já tinha cara de pós-punk, neste momento entraram no modo Sonic Youth. Duas apresentações distintas que selam uma amizade que deu origem a dois discos soberbos e complementares: enquanto Kiko olha para o passado para tentar antever o futuro, Juçara não tira os olhos do futuro, sem pensar em olhar para trás. Noite incrível.

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Domingo suspenso

O Estado de Suspensão aconteceu num domingo maravilhoso, que abriu com o transe noise puxado pelo grande Marcelo Cabral. Ao lado de Guilherme Held e de Maria Beraldo, ele visitou seu Motor em formato elétrico, começando os trabalhos na Casa Natura Musical com uma parede de ruído em que equilibrava suas delicadas canções.

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Trabalho Sujo apresenta: Estado de Suspensão

Quase sempre a música nos leva para outras dimensões, mas em alguns casos ela apenas nos suspende a realidade para que consigamos ver o mundo a partir de novos pontos de vista. Em Estado de Suspensão, minha primeira parceria com a Casa Natura Musical, proponho o encontro de quatro artistas que expandem nossas consciências a partir de desdobramentos musicais em quatro apresentações distintas, que também se conectam entre si. O encontro acontece num domingo, dia 3 de julho, a partir das 16h20. São quatro artistas que buscam diferentes searas estéticas, mas que contam com pontos em comum – incluindo integrantes de suas formações. Cada um deles nos abre uma janela sensorial diferente a partir de suas assinaturas musicais e estão em momentos de transição, tateando novos repertórios a partir deste momento que estamos atravessando atualmente. O baixista, produtor e arranjador Marcelo Cabral, o guitarrista e produtor Guilherme Held, a produtora, musicisita, cantora e compositora Maria Beraldo e o cantor e compositor Negro Leo mostram diferentes facetas de seus trabalhos. Cabral busca os limites entre seus dois discos solo, Motor e Naunyn, Held coloca seu primeiro disco solo Corpo Nós em movimento pela primeira vez em São Paulo, Beraldo burila o sucessor de seu festejado Cavala enquanto Leo passeia por seus diferentes discos solo. Os shows ainda terão participações de alguns dos principais músicos em atividade atualmente, como Sérgio Machado, Chicão Montorfano, Dustan Gallas, Gabriel Balleste, Pedro Dantas e Iara Rennó, que participarão em diferentes momentos destas quatro apresentações, que serão costuradas pela discotecagem da socióloga e jornalista Pérola Mathias, do site Poro Aberto. A arte do poster é da Aline Paes e os ingressos já estão à venda neste link.

Don L é um conceito

Don L @ Casa Natura Musical (7.5.2022)

É impressionante a força de Don L, que se apresentou neste sábado na Casa Natura Musical – e não estou falando só do indivíduo, do rapper, do poeta, do artista. Don L já é um conceito que transcende a estética e a arte e parte para a política e para a ação direta, sem esquecer as duas primeiras constantes. É um conceito tão preciso e potente que todos rimam tudo junto, repetindo suas frases como versos de um hino. E é importante frisar isso: apesar do clima de celebração, a apresentação de L nunca cede à metáfora divina e por mais que possa lê-la de uma forma mística e até religiosa, pela forma como ele prende seu público apenas com as palavras, ele reforça o papel político, cidadão e humano, enfileirando hinos pátrios de um país em construção. Praticamente sem dirigir-se ao público fora de suas canções (o que ele precisa dizer está em suas letras), ele magnetiza a pequena massa sem precisar subir o tom e ela está entregue à sua presença – tanto que puxa o coro de “lutar, criar, poder popular” sem que ele precise lembrá-los. Bem-vindos à Élewood…

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Ana Frango Elétrico em ponto de bala

Ana Frango Elétrico @ Casa Natura Musical (5.5.2022)

Ana Frango Elétrico despediu-se ontem de seu Little Electric Chicken Heart na @casanaturamusical com um show inacreditável – casa lotada e todo mundo cantando todas as músicas junto! Só o fato de reunir aquela banda já seria um acontecimento (cadê o disco, Guilherme Lírio? Nem te vi depois Vovô BebÇe!) – como foi um acontecimento assisti-los tocando a íntegra do segundo disco da Ana quase ipsis literis, como se pudéssemos assistir a um Pet Sounds ao vivo – um Pet Sounds retropicalista, diga -, com pitadas do primeiro disco, Mormaço Queima. No bis ela voltou tocando “Debaixo do Pano” da Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo, o punk mcdonalds “Picles” e o groove disco do single que compôs com Ava Rocha, a irresistível “Mulher Homem Bicho”. Showzaço! E o disco novo está vindo aí…

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E a casa de shows que a Natura vai abrir em São Paulo?

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O Julio antecipou no Estadão: o Natura Musical, braço da empresa de cosméticos que fomenta a produção musical brasileira há mais de uma década, vai abrir uma casa de shows de médio porte em São Paulo. A Casa Natura Musical é uma parceria do projeto com os empresários Paulinho Rosa (do Canto da Ema) e Edgard Radesca (do Bourbon) e a cantora Vanessa da Mata. A nova casa fica na Rua Artur de Azevedo, 2134, em Pinheiros (quase com a Faria Lima, pertinho do Z Carniceria, do Largo da Batata e do metrô Faria Lima) e deve ser inaugurada no início do ano que vem. Estas imagens, cedidas pela Natura, são apenas ilustrativas, mas dá pra ter uma ideia da abordagem da casa, que pode receber entre 500 pessoas sentadas e 1000 de pé.

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E se você achava que essa região de Pinheiros tava hypada… Espera agora.