Bom Saber #002: Roberta Martinelli

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Eis o segundo Bom Saber, programa semanal de entrevistas que estreei na semana passada, lá no meu canal do YouTube (não assina ainda? Assina lá!). E chamei minha querida comadre Roberta Martinelli para continuar o papo da primeira entrevista sobre as transformações que estão acontecendo em nossas vidas – e especificamente na cultura, mas não só – a partir deste caos que está nos atravessando em 2020. E além de falar das mudanças em sua rotina pessoal e profissional (com participação da minha sobrinha do coração Rosa), ela também fala de experiências que teve tanto em lives quanto em um curso via WhatsApp e uma peça que começa pelo telefone. Diga lá, Rô!

Não custa lembrar que quem colabora com o meu trabalho recebe a entrevista ainda no sábado (pergunte-me como no trabalhosujoporemail@gmail.com), mas toda terça, ele é aberto para todos.

Bom Saber #001: Bruno Torturra

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Quem está acompanhando o CliMatias já sabe que eu comecei um programa de entrevistas semanal no fim de semana passado – que a princípio fica online primeiro para quem contribui com o meu trabalho (pergunte-me como no trabalhosujoporemail@gmail.com). Mas na terça-feira abro o programa pra todo mundo, portanto, olha aí a primeira edição, em que eu continuo o papo com o Bruno Torturra, desta vez puxando mais pras suas principais áreas de atuação: jornalismo e psicodelia. E é claro que isso se mistura com vários outros assuntos… Saca só:

E quem você quer que eu entreviste nos próximos programas? Diz aí…

Bom saber #010: Manuel Castells e o ponto em comum entre a praça Taksim e avenida Paulista

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Fui à palestra de Manuel Castells na terça passada enquanto acontecia o quebra-pau entre manifestantes e polícia na Avenida Paulista e o assunto abordado pelo sociólogo espanhol tinha tudo a ver com a reivindicação que se repete hoje – tanto que é o meu assunto na minha coluna no site da Galileu.

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O ponto em comum entre a praça Taksim e avenida Paulista
O sociólogo espanhol Manuel Castells falou nesta terça-feira em São Paulo sobre esta nova modalidade de manifestação social – que começa na internet e vai para as ruas

Ao mesmo tempo em que o sociólogo espanhol Manuel Castells falava em mais uma palestra do evento Fronteiras do Pensamento, que aconteceu no Teatro Geo na terça-feira desta semana, em São Paulo, a tensão entre manifestantes contra o aumento da passagem de ônibus e a polícia militar chegava às vias de fato a poucos quilômetros dali, na Avenida Paulista. Não estava alheio ao que acontecia na cidade, ao citar o protesto paulistano como uma das inúmeras manifestações de uma indignação que, nos últimos cinco anos, tem começado em um novo espaço social, a internet, para depois chegar às ruas, em massa.

O sociólogo é um dos principais acadêmicos a compreender esta mudança, que é o tema de seu novo livro, chamado Redes de Indignação e Esperança – Movimentos Sociais na Era da Internet, que deve sair no Brasil em setembro, pela editora Zahar. O livro também foi a base para sua conferência, em que começou explicando que qualquer manifestação política começa em nossas mentes para depois materializar-se na prática. “A forma como pensamos, determina a forma como atuamos. Portanto, o que realmente condiona o comportamento da sociedade é o que ocorre em nossas mentes”, explicou. Falou sobre o papel da coerção do estado para manter o poder (“uma tradição que começa em Maquiavel e que foi formalizada melhor por Max Weber”, disse) e como apenas o monopólio da violência – válido ou não – torna este mesmo estado débil. “Pois ao mesmo tempo há outra tradição, que inclui Bertrand Russell, Foucault e também Gramsci, que insiste no papel decisivo da persuasão para a manutenção do poder, pela maneira implícita e explícita de influenciar nossa maneira de pensar”, explicou, antes de cravar que “afinal, manipular as mentes é muito mais eficaz do que torturar os corpos”.

Com esta introdução ele explicou que a atuação do poder – de qualquer natureza, político, econômico, militar, tecnológico, etc. – não acontece sozinha, e sim com a participação da sociedade civil. “Nossas mentes vivem imersas em um ambiente de comunicação, onde construímos nossa forma de pensar e, portanto, de fazer o que fazemos”, considerou, lembrando que, com a chegada das tecnologias digitais, não temos mais como fugir deste ambiente – cada vez mais intenso, veloz e, portanto, mais decisivo para definirmos nossas posições e preferências, tanto quanto indivíduos como sociedade.

Eis o centro de sua palestra: o impacto que estas novas tecnologias imprimiram primeiro à sociedade, depois aos meios de comunicação – ou à “arena da comunicação”, frisando que não mais podemos separar o público dos grupos que antes controlavam este debate – e, finalmente, aos poderes políticos constituídos. “O poder político é construído no espaço da comunicação”, frisou, “este é o espaço em que se joga o poder”. Exemplificou o impacto da internet na sociedade moderna, primeiro em números, citando que há quase o mesmo número de linhas de telefones celulares ativas no mundo que de pessoas (“Sem nos esquecer que bebês – ainda – não usam celulares”, brincou), e como a evolução do digital e das tecnologias móveis aceleram um processo que está mudando a cara da política. “A humanidade está conectada”, atestou, “e isso aconteceu num espaço duas décadas, sobretudo nos últimos dez anos.”

Lamentou a crise do jornalismo, agente que funcionaria como mediador entre os poderes e as pessoas, mas que tem perdido o contato com o público por não saber dialogar com a nova realidade digital e estar obcecado com números de audiência – antes fáceis de ser conseguidos e que agora dispersam-se pois os espectadores e leitores não são mais “vegetativos” – como explicitou no caso do público da TV – e que consomem muito mais informação que antes, por canais diferentes. “O uso da internet se aprofundou pois novos espaços sociais de interação foram ocupados, cada vez mais personalizados”, continuou, listando redes sociais e enfatizando que o até o e-mail já perdeu seu espaço. “Há mais de 500 milhões de blogs atualizados diariamente, a maioria na China, e as redes sociais, hoje onipresentes, existem há menos de dez anos”, além de salientar que a internet se tornou um espaço multicultural, em que o inglês, por exemplo, perdeu a dominância: “Menos de 29% da internet é escrita em inglês”, reforçou.

Este novo cenário resulta na crise total do negócio tradicional da comunicação, disse Castells. “Ninguém ainda encontrou a resposta para a questão da perda do monopólio nas transmissões das mensagens. Todos os grandes meios de comunicação em todo o planeta estão em profunda crise empresarial, pois tentam se apropriar de um modelo que não entendem. É um problema mental – e generalizado no mundo todo. A internet é ativa, os outros meios eram passivos”, refletiu.

Castells também falou sobre como enfraquecimento dos meios tradicionais de comunicação afetou a política, que hoje busca um rosto para representar o poder, não apenas ideologias ou partidos. Disse que isso acontece pois há uma crise de representação de poder que encontra eco nos novos espaços sociais e faz que a sociedade se pergunte sobre seu papel nestes novos tempos.

O novo cenário é composto não apenas de veículos de comunicação de massa e ambientes digitais que permitem discussões entre as pessoas, mas de uma nova forma de comunicação, que chama de “autocomunicação de massas”. Ele explica o termo: “É de massas porque pode alcançar, potencialmente, milhões e milhões de pessoas. Não ao mesmo tempo, mas uma pequena rede se conecta a muitas redes que se conecta a muitas redes e se chega a todo o mundo”, definiu, “e é ‘auto’ porque há autonomia na emissão das mensagens, na seleção da recepção das mensagens, na criação de redes sociais específicas. Assim, a capacidade de encontrar informação é ilimitada, se você tem critérios de busca – que não são tecnológicos e sim metais ou intelectuais.”

E a partir daí começou a conclusão de sua conferência, explicando que movimentos como o que propôs a criação coletiva da constituição da Islândia, os Indignados na Espanha, o Occupy Wall Street nos Estados Unidos, a Primavera Árabe e o grupo Anonymous são parte de um mesmo movimento, coletivo e global, que não é político e sim social. “São estes movimentos, sociais e não políticos, que realmente mudam a história, pois realizam uma transformação cultural, que está na base de qualquer transformação de poder”, salientou.

Disse que estes movimentos começam na internet mas não são essencialmente digitais. “Eles só tornam-se visíveis e passam a existir de fato quando tomam as ruas”, explicou, reforçando que estes movimentos acontecem há apenas cinco anos e que eles não têm lideranças, que repudiam a violência e que embora não tenham objetivo definido, encontrem coincidências e semelhanças ao indignar-se. “São movimentos emocionais e que se unem pela recuperação de uma dignidade que se perdeu. Às vezes eles começam pequenos e parecem que se mobilizam por pouca coisa, mas que funcionam como apenas uma gota a mais em uma indignação que existe em todos os setores sociais, que as pessoas não aguentam mais”, realçando que isso pode ser a construção de um shopping para turistas na praça Taksim na Turquia ou no aumento de centavos nas passagens de ônibus em São Paulo. “Centenas de milhões de pessoas já participaram destes movimentos”, continua, “e são movimentos que podem ter saído das ruas, mas não desapareceram. Eles continuam online. Quando vem a repressão física, eles se retiram das ruas, rediscutem online. Não têm líderes nem programa, mas têm a capacidade de resistir e de renascer a qualquer momento. Isso só acontece porque há a capacidade de autocomunicação de massa que os permitiu existir”.

E conclui: “A palavra ‘dignidade’ aparece em todos os países, em todos estes movimentos, em diferentes países e culturas. Eles não têm uma reivindicação concreta, mas querem o reconhecimento da própria dignidade, pois as pessoas não se vêem reconhecidas como pessoas ou cidadãos”. Castells reforçou que as semelhanças entre movimentos que partem de causas tão distintas apenas enfatizam seu papel no século 21 – e compara o que está acontecendo nos últimos anos com o que aconteceu nos últimos 40 anos no que diz respeito às mulheres, sem se referir a um autor, ideologia ou movimento feminista específico. “Foi um movimento coletivo, em que todas as mulheres do mundo decidiram abandonar o papel de sujeitada para assumirem o papel de sujeitas da história”, reforçou, lembrando os avanços da ascensão do papel da mulher na sociedade na última metade de século, principalmente em comparação a milênios de história. E, segundo ele, isso está acontecendo de novo, nesta nova forma de manifestação social – que demanda mudanças culturais mais do que políticas.

Foto: Divulgação / Fronteiras do Pensamento

Bom saber #009: Karen Armstrong e a religião além da igreja

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Na minha coluna do site da Galileu falei sobre a passagem de Karen Armstrong pelo palco do Fronteiras do Pensamento.

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Karen Armstrong e a religião além da igreja
A escritora inglesa deu uma aula sobre compaixão sem mencionar dogmas

Inspiradora a segunda apresentação da edição 2013 do Fronteiras do Pensamento, que aconteceu nesta quarta-feira, 8 de maio, em São Paulo. A noite era da escritora inglesa Karen Armstrong, uma das principais historiadoras da religião em atividade .Ela foi freira e viveu em um convento por sete anos, quando abandonou a igreja para estudá-la, passando a escrever livros sobre judaísmo, cristianismo e budismo. Ela também criou a entidade Charter for Compassion, que ganhou o prêmio TED em 2008, e falou sobre a importância da religião hoje em dia. E como é bom ouvir falar em religião sem cair em dogmas ou debates sobre a existência ou não de deus.

Karen, agnóstica, preferiu deixar essas controvérsias em segundo plano para falar do papel da religião em nossas vidas. E criticou aqueles que acham que religião é apenas seguir uma série de ensinamentos sem refletir sobre os mesmos, louvando o judaísmo por sempre exigir uma nova interpretação a cada nova leitura da palavra sagrada. “O conceito de mito não é estático”, disse, explicando que os mitos devem ser tomados como portas de entrada para a vivência da religião. “Estamos vivendo a época em que mais se tomam as escrituras sagradas literalmente” e reforçou que seguir uma religião sem vivê-la é o mesmo que aprender a dirigir ou a nadar na teoria, sem entrar num carro ou numa piscina. “Você não pode achar que basta ler o manual de instruções do carro e ter noções de como o trânsito funciona para se considerar um motorista. A religião pressupõe a prática.”

Ressaltou os pontos em comum entre as grande religiões para concluir que todas criam, basicamente, acessórios específicos para a mesma verdade, que é a Regra de Ouro: “Não faça aos outros o que não quer que façam com você”, repetiu diversas vezes, ressaltando que a palavra-chave neste caso é a compaixão. “E não é ter pena do outro, é colocar-se no lugar dele”, ressaltou, antes de citar um trecho da Ilíada, de Homero, em que o Aquiles e o pai de Hector – que havia sido morto pelo primeiro – se encontram e choram, juntos, a morte dos queridos que perderam na guerra. “Compaixão é reconhecer que o outro sente dor”, disse, citando que, durante a renascença da Grécia Antiga, 5 séculos antes de Cristo, aconteceu a criação do gênero tragédia, em que peças eram encenadas para que os espectadores pudessem chorar juntos – reconhecendo-se nos personagens e compartilhando o sentimento comum. “Naquela época, havia o líder do coro, que virava para a plateia e diziam: ‘Agora vocês podem chorar’”, liberando o público grego para o êxtase coletivo em forma de choro.

Falou bastante da etimologia das palavras ligadas à crença e como todas elas convergem para o aspecto da compaixão e do compromisso. E também frisou o quão importante é desprender-se do ego para atingir o estado máximo da fé, que transcende as religiões a ponto destas reconhecerem o ponto comum entre si mesmas. Disse que vivemos numa cultura em que a primeira pessoa é muito importante, por isso o maior desafio de qualquer religião é fazer as pessoas aprenderem a parar de pensar em si próprias para sentir o outro.

Terminou a palestra comentando sobre seu novo livro, que falará sobre violência e religião, explicando que não era a religião que era mais violenta no passado, mas que ela permeava todo aspecto da vida das pessoas, inclusive políticos e militares. E celebrou a religião como uma forma de arte, explicando que a iluminação religiosa é semelhante à artística – e que, por muito tempo, era a própria religião quem dava arte e cultura – de outra forma restritas a elites – para a população em geral.

Uma aula de história que provou que religião, fé e compaixão são temas que fazem sentido inclusive fora da igreja.

Foto: Divulgação / Fronteiras do Pensamento

Bom saber #008: Vinte anos de uma lógica aberta

Na minha coluna desta semana no site da Galileu, explico como a web – cujo primeiro site foi publicado há vinte anos – conseguiu popularizar a internet.

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Vinte anos de uma lógica aberta
O primeiro site da web e o porquê da internet ter levado décadas para se popularizar

Sabemos que a internet foi criada há quase meio século, mas, ao mesmo tempo, nosso passado recente nos lembra que nosso uso da rede começou a acontecer há bem menos tempo que isso. Afinal, até quem foi criança nos anos 90 lembra-se de quando usou a rede pela primeira vez. Aqueles que nasceram de 1995 pra cá – e têm hoje, em 2013, menos de 18 anos de idade – podem ter crescido em ambientes que já dispunham de acesso à internet. Mas se você é maior de idade é bem provável que você lembre do primeiro contato que teve com hábitos que hoje fazem parte de nossa rotina.

Depois de ligar o computador – que, naquele tempo, ainda trazia a ancestral versão 3.1 do Windows, que exibia as tais “janelas” que batizavam o sistema operacional em sua área de trabalho -, era preciso conectar-se à internet através de um modem de conexão discada (aquele barulhinho específico provoca reações nostálgicas – não necessariamente boas – em que o utilizou). Um ícone que unia dois computadores surgia num canto da tela para mostrar que a conexão havia sido feita. Era a hora de, usando um browser de interface gráfica, utilizar a tal rede. E ela nos era apresentada na forma de páginas de texto com poucos recursos visuais e uma novidade que não demorou para ser aprendida: palavras sublinhadas indicavam que elas podiam ser clicadas com o mouse e, a partir deste clique, poderíamos visitar outra página com tantas outras palavras sublinhadas. Mais tarde nos disseram que este conceito chamava-se hipertexto – uma palavra-mágica que, ao ser invocada (com um clique), nos transportava para outros ambientes. Esse teletransporte virtual só era possível graças ao conceito de hyperlink que, rotineiramente, teve seu nome encurtado simplesmente para “link”.

Havia outras formas de se conectar à internet antes desta invenção, mas elas eram burocráticas e pouco inspiradoras. A rotina de clicar no ícone do modem, esperar o computador conectar-se à rede, abrir o programa de navegação e perder-se ao sair clicando nos links que surgiam está tão impregnada em nosso inconsciente que nem sequer percebemos que fazemos isso diariamente. A tecnologia melhorou esse tempo: hoje você não precisa avisar ao computador que quer conectar-se à rede, ele já está online ao ser ligado – e a rede é de uma velocidade incomparável (mesmo quando falamos do 3G brasileiro). Às vezes não é preciso nem abrir o browser para sair clicando em links – o sistema operacional já trabalha em rede, atualizando-se sozinho. A própria expressão “entrar na internet” parece não fazer mais sentido – afinal, estamos online o tempo todo, conscientes ou não. Checar um email ou se informar sobre alguma coisa específica já não levam os minutos que levavam antes de 1995. Fazemos isso em segundos atualmente. E por mais que nossos hábitos possam ter evoluído em relação àquele tempo, eles ainda são essencialmente os mesmos. Algumas siglas nos ajudam a identificar a semelhança.

Grande parte dos sites que frequentamos nessas duas últimas décadas começavam com o http e terminavam com html. O “h” que inicia as duas siglas é o mesmo do citado hipertexto. O primeiro é o protocolo de transferência de hipertextos, o segundo é a linguagem de marcação de hipertexto. Juntos, eles permitiam que o texto clicável, o tijolo que tornou a construção da web como a conhecemos hoje, pudesse existir.

Este sistema de organização de arquivos começou a ser desenvolvido por um cientista da computação do Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire (CERN), principal instituição científica europeia (palco da criação da maior ferramenta humana, o LHC). Tim Berners-Lee se incomodava com o fato de não haver padronização nem mesmo entre as apresentações de seus colegas de instituto e, principalmente, entre os cientistas do mundo, o que tornava o diálogo entre pesquisas e portanto seu desenvolvimento mais lento e desencontrado. Pensando nisso, desenvolveu a lógica do hiptertexto ainda nos anos 80, criando uma base de dados chamada ENQUIRE, que reunia o trabalho de outros cientistas. Este podia ser atualizado pelo próprio autor e permitia que fossem feitas referências literais – via hipertexto – ao trabalho de outros colegas.

Essa lógica foi depurada durante aquela década e, em março de 1989, Tim escreveu uma proposta para uma database ainda mais abrangente. Seu chefe sugeriu que ele usasse um computador NeXT recém-adquirido como servidor – que até hoje é exibido como troféu no próprio CERN, na exposição permanente Microcosm, ainda com o aviso escrito com canetinha vermelha em que se lê “Esta máquina é um servidor: NÃO A DESLIGUE!”. Depois de pensar em nomes que faziam graça com o seu próprio prenome (The Information Mesh e The Information Mine eram acrônimos de “Tim”), Berners-Lee batizou sua nova invenção definitivamente de World Wide Web (“teia de alcance mundial”) – e sugeriu que seus endereços viesse com a sigla www para determinar os novos domínios digitais.

No dia 30 de abril de 1993 – portanto, há 20 anos nesta semana – ele criou o primeiro site dentro de seu novo sistema de organização de informação, site ressuscitado pelo próprio CERN em lembrança à data. Poucos meses depois me lembro de ter consultado os computadores do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp para, através da recém lançada web (eu mal sabia), entender o que era o trabalho de um tal Subcomandante Marcos que, do interior do México, usava a rede para espalhar sua causa para o resto do mundo – minha primeira vez online. Em menos de um ano depois, escreveria minha primeira matéria sobre a popularização da internet, uma invenção que, na última década do século passado, completava três décadas de existência. Em dois anos, a rede havia se popularizado mais rapidamente do que nas suas primeiras três décadas.

Pois antes sua existência era tratada como uma espécie de pacto velado entre iniciados: a rede interconectava milhares de pessoas em diferentes países, mas não havia se tornado popular, mesmo que o computador pessoal já tivesse se embrenhado nas diferentes áreas do conhecimento humano. Foi preciso que uma invenção de um cientista inglês obcecado por organização de informação abrisse o clubinho secreto global para que todo mundo participasse – e que, assim, popularizasse a rede.

Esse foi o segredo do sucesso da web. Em uma apresentação mostrada em 1991, ele explicava que “estamos muito interessados em que a web se espalhe por outras áreas e para termos servidores para outros dados. Colaboradores são bem-vindos”. A navegação intuitiva e a visualização menos burocrática também ajudaram a popularização da web, mas foi esta frase final, escrita dois anos antes da execução do primeiro site, que tornou a rede tão popular em tão pouco tempo. Se fosse criada em uma empresa, talvez esta lógica não fosse tão amigável e possivelmente seria necessário alguns diplomas ou certificações para se trabalhar naquele novo projeto. Ao abrir a novidade para o mundo, o CERN tornou-se pai de uma ferramenta humana talvez ainda mais ambiciosa que o grande colisor de hádrons, o LHC. Uma que conecta toda a humanidade de forma a acelerar radicalmente a evolução de diferentes níveis de conhecimento, graças ao simples contato instantâneo.

Ainda estamos engatinhando neste novo universo digital, mas não tenha dúvidas que se não fosse o apelo a uma natureza colaborativa e o ímpeto generoso de Tim Berners-Lee ao tornar a web aberta – tecla que ele segue batendo, como disse nas vezes que veio ao Brasil -, não estaríamos conversando diariamente com o resto do mundo em uma tela de computador. Não é por acaso que confundimos web com internet – foi a primeira que tornou a segunda popular e permitiu que todos passássemos a usá-la. Hoje percebemos que os limites da internet vão para muito além da web, conforme navegamos em aplicativos em nossos smartphones que não utilizam a interface desenvolvida por Tim Berners-Lee (embora sua lógica, a dos links, permaneça ali) ou descobrimos desdobramentos diferentes desta rede seja em redes de torrents, ecossistemas criados por empresas de games e redes sociais, variações do dito armazenamento digital “na nuvem” ou na infame deep web. E esses limites continuarão se expandindo se, como quis o cientista inglês, a lógica da rede seguir aberta e sem controle, como é há vinte anos.

E você, que hoje pode assistir à TV do mundo inteiro, informa-se em redes sociais e ouve a música que quiser ouvir com uma mísera busca, lembra-se da primeira vez que utilizou a web? Não esqueça de agradecer a Tim Berners-Lee.

Bom saber #007: Mario Vargas Llosa x Neil Gaiman

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Na minha coluna desta semana no site da Galileu, falei sobre a palestra de Mario Vargas Llosa que assisti na semana passada e da de Neil Gaiman que vi no site do Ramon – e como uma acabou respondendo à outra.

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Mario Vargas Llosa x Neil Gaiman
Lamentar a espetacularização da cultura ou celebrar o fato de ela estar disponível para cada vez mais gente?

Na quarta-feira da da semana passada, dia 17 de abril, aconteceu no teatro Geo, em São Paulo, o evento de abertura da edição 2013 do Fronteiras do Pensamento. O evento traz para São Paulo há três anos – e para Porto Alegre, onde nasceu, há seis – acadêmicos e intelectuais de diferentes áreas do conhecimento para discutir questões que, de acordo com seu curador Fernando Schüller, são assuntos que precisam ser trazidos para a pauta deste século. Neste ano, o tema geral da série de palestras é o “cosmopolitismo” – ou como o próprio Schüller explicou em entrevista à GALILEU, como os temas que antes eram restritos às cidades hoje se refletem em todo o mundo. E para começar este ciclo de conferências, o primeiro convidado foi o escritor peruano Mario Vargas Llosa.

Vargas Llosa, apresentado pelo curador do evento, é um dos principais intelectuais latino-americanos e resumi-lo a escritor é mais uma comodidade que um rótulo. Com ampla atuação pelas artes e ciências humanas como um todo, ele é autor de livros consagrado de livros como A Cidade e os Cachorros (1963), Conversa na Catedral (1969) e A Guerra do Fim do Mundo (1981), mas não restringe seus livros ao romance, tendo escrito peças e ensaios, além de ter passado por palcos – como ator – e palanques – como político (chegou ao segundo turno da eleição presidencial de seu país em 1990, quando perdeu para Alberto Fujimori). Tal bagagem o chancela também como provocador da cultura. E sua participação no Fronteiras deste ano teve como ponto de partida o recém-lançado A Civilização do Espetáculo, que terá edição brasileira lançada no segundo semestre pela editora Alfaguara.

Vargas Llosa começou sua conferência tentando definir o que é cultura e como tal termo foi banalizado, sendo associado à qualquer coisa: “a cultura do reggae, a cultura heterossexual”, frisando que, “quando tudo pode ser cultura, nada é cultura”. E lembrou o momento em que a ideia central de seu novo livro lhe atingiu, em uma visita à Bienal de Arte em Veneza. Ao perceber que não gostava da maioria das obras que via, caiu-lhe a ficha: “Não queria ter nenhuma daquelas obras em casa”, lamentou, “aquilo que via parecia mais a Disneylândia ou um circo, e não arte”.

Localizou o início desta decadência quando Marcel Duchamp expôs seu célebre mictório num museu, dizendo que “ali foram abertas as portas à loucura”, concentrando seus ataques na figura do artista britânico Damien Hirst, que chamou de palhaço: “O pintor mais caro de nosso tempo não sabe pintar”, esbravejou para delírio da plateia, que ria a cada alfinetada dada nos pós-modernos.

Contudo a palestra não foi apenas a apresentação de ideias mal humoradas em relação à cultura atual. Lembrou de quando conheceu Paris no início dos anos 60 e se percebeu não apenas artista, mas também como um artista latino-americano, quando aos poucos conheceu e reconheceu, no Velho Continente, o valor de seus pares. Lembrou do próprio fascínio infantil ao descobrir a leitura aos cinco anos de idade, dizendo que foi “a coisa mais importante de minha vida”. E frisou o papel edificante da cultura na história da humanidade quando, por exemplo, o sexo deixou de ser visto como mero ato físico para a reprodução dando início ao amor romântico e ao erotismo. Mas estava dedicado a demolir a chamada “cultura do espetáculo atual”, em que a arte “vira um mero passatempo”, alertando que, numa cultura sem referenciais, o homem poderia voltar para a idade da pedra.

Interessante notar a ausência da palavra internet em mais uma hora de discussão sobre a cultura atual. Vargas Llosa no máximo citou o fato das notícias correrem mais rápido que antigamente e o imediatismo dos acontecimentos, mas tratando a teia digital que aos poucos torna-se o sistema nervoso da civilização deste século como um simples meio de comunicação, uma espécie de telefone-jornal-total. Apenas ironizou o fato de que todo mundo pode produzir arte atualmente como se todos os que se descobriram artistas graças à internet (sem precisar ir à Paris para isso) fossem apenas aspirantes amadores a uma elite que aos poucos deixa de existir. Zombou da espetacularização da cultura numa palestra que era, ela mesma, um espetáculo – e que encerraria com distribuição de autógrafos do próprio autor.

Discordo radicalmente de Vargas Llosa em relação a vários aspectos, mas quem sou eu para confrontá-lo? Prefiro usar como contraponto a recente palestra que o também escritor britânico Neil Gaiman, que começou como quadrinhista e hoje frequenta listas de best-sellers inclusive no Brasil, deu três dias antes, no dia 14 deste mês, durante a Digital Minds Conference, dentro da London Book Fair que acontece anualmente em seu país, que vi no blog do jornalista Ramon Vitral, especializado em cinema e quadrinhos.

Gaiman pegou como gancho os ataques que as gravadoras faziam, ainda nos anos 70, à novíssima possibilidade de gravações caseiras, ao exigir que os músicos que se submetiam à licença para trabalhar profissionalmente na Inglaterra levassem adesivos em que se lia “hometaping is killing music” (“gravações caseiras estão matando a música”). O aviso fazia referência ao fato de que, graças à fita cassete, qualquer um poderia gravar um disco comprado sem que necessariamente houvesse pago por ele. Ele faz a conexão entre a paranoia daquele tempo com outra mais recente, em que um discurso semelhante é associado a quem baixa música – ou outro tipo de conteúdo digitalizável – via internet sem pagar a seus autores.

E puxa o assunto para sua área, os livros. Citando uma conversa que teve com o falecido Douglas Adams, autor da célebre série O Guia do Mochileiro das Galáxias, sobre livros digitais antes mesmo do conceito de e-book como o conhecemos existir. Gaiman lembra que o personagem central na saga de Adams não era o inglês Arthur Dent, o alienígena Ford Prefect, a terráquea Trillian ou o robô Marvin, o andróide paranoico, e sim o próprio livro que batiza a saga, uma enciclopédia que pode ser atualizada a qualquer minuto – e que é carregada em um livro do tamanho de um tablet atual. Adams antecipou a Wikipedia e dizia que provavelmente este formato substituiria o livro impresso, mesmo sem saber qual a tecnologia que o alimentaria. E disse a Neil que “da mesma forma que os tubarões sobreviveram ao tempo dos dinossauros”, poderia ser que o livro sobrevivesse à nova era eletrônica desde que, como aconteceu com os tubarões, não aparecesse nada melhor que os próprios tubarões.

E passou a citar uma série de exemplos de experimentos literários que vem conduzindo que não poderiam ser imaginados – ou sequer realizados – anos antes. Como a possibilidade de escrever dois livros – um com capa de madeira e todo rebuscado, o outro digital com pistas espalhadas em HDs por uma cidade – que se complementam, projeto que está envolvido agora. Ou como a brincadeira que realizou com um calendário, ao pedir que seus fãs, via Twitter, lhe fizessem perguntas sobre os meses do ano. Escolheu os doze melhores tweets e transformou cada um deles num conto, permitindo depois que outros tantos leitores fizessem o que quisessem com o material que ele produziu – inclusive em áudio, pois gravou os próprios contos com sua voz e disponibilizou as gravações online. E, orgulhoso, lembrou ver milhares e milhares de pessoas produzindo arte a partir de uma ideia sua que, anos antes, seria impossível de ser realizada.

Citou casos de projetos de crowdfunding que deram certo porque foram citados por ele, ganhando um público que nunca iriam atingir por conta própria, mas sem esquecer outros tantos projetos que, mesmo com seu aval, não saíram do zero. Lembrou de quando ressuscitou uma graphic novel parada no tempo – a série Signal to Noise, escrita com o artista Dave McKean e originalmente publicada nas páginas da revista The Face nos anos 90 – para um pacote de conteúdo digital em que seus compradores pagavam o que quisessem, o que lhe garantiu 78 mil dólares. “Foi incrivelmente educativo”, disse, “e as pessoas perguntam: ‘Isso quer dizer que para que eu consiga dezenas de milhares de dólares basta que eu peça para que eles paguem o que quiserem?’. E eu respondo: ‘Não’. Isso não quer dizer que nem mesmo eu posso conseguir esse valor numa outra oportunidade. É como um dente-de-leão: as sementes voam e só algumas delas encontram algum lugar onde podem crescer”.

E terminou sua fala com um conselho que vale para todos: “A verdade é que, não o importa o que fizermos, é provável que estará certo. Vamos abraçar o velho da mesma forma que abraçamos o novo. Pois estamos na fronteira. E não há regras aqui. Podemos violar leis que ainda nem foram imaginadas, podemos entrar em portas que dizem ‘saída’, escalar janelas. O modelo para amanhã – que é um modelo que venho usando com enorme entusiasmo desde que comecei a blogar em 2001 e talvez o mesmo que uso desde que acessei a internet via Compuserve em 1988 – é tentar de tudo. Cometa erros. Surpreenda a você mesmo. Tente outra coisa. Fracasse. Fracasse melhor. Seja bem sucedido em formas que não foram imaginadas há um ano ou há uma semana. É hora de sermos dentes-de-leão, soltarmos mil sementes para que percamos 999 delas. E se uma centena – ou mesmo uma dúzia – delas sobreviverem, crescerem e formarem um novo mundo, acho que isso é mais sábio que esperar que 1983 volte mais uma vez.”

Lamentar a espetacularização da cultura ou celebrar o fato de ela estar disponível para cada vez mais gente? Desculpe Vargas Lllosa, mas eu fico com a opinião de Neil Gaiman. Abaixo, a íntegra da palestra do inglês. Trechos da palestra com o escritor peruano deverão aparecer no site do Fronteiras do Pensamento.

Fotos: Vargas Llosa (Fronteiras do Pensamento / Greg Salibian) / Neil Gaiman (reprodução).

Bom saber #006: Otimismo racional

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Na minha coluna no site da Galileu esta semana aproveitei o gancho do início da edição 2013 do projeto Fronteiras do Pensamento para falar com o curador do evento, o gaúcho Fernando Schüller, sobre como o mundo tem melhorado.

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Otimismo racional
O projeto Fronteiras do Pensamento também aposta em um futuro melhor nos próximos anos

Começa, nesta quarta-feira, 17 de abril, a edição 2013 do projeto Fronteiras do Pensamento. O primeiro palestrante é o escritor peruano Mario Vargas Llosa e a GALILEU fechou uma parceria com o evento garantindo 50% de desconto nos ingressos para quem assina a revista. O tema deste ano é o cosmopolitismo: como as discussões sobre questões relacionadas à cidade grande são importantes para o mundo todo. Conversei com o curador do projeto, Fernando Schüler, no início do mês e ele falou sobre este tema, veja no vídeo abaixo:

“A humanidade vem superando padrões éticos progressivamente, geração a geração”, me disse o acadêmico, citando como temas tidos como certo – tais como a escravidão, a disputa por meio de duelos e a discriminação vem diminuindo gradativamente. Foi bom ouvir que o idealizador de um dos principais projetos intelectuais no Brasil hoje não é um pessimista e acha que o mundo está melhorando, principalmente graças aos avanços da ciência e da tecnologia. Reforcei este aspecto na pergunta seguinte, e Schüler confirmou, falando que intelectuais tendem ao que ele chama de “pessimismo metodológico”, explicando que nossa visão de mundo é pautada por sentimentos e impede que vejamos as melhoras significativas que tivemos em muitas frentes nos últimos anos, como a queda da pobreza e da mortalidade infantil e o aumento da longevidade, isso devido à ascensão das periferias do mundo, que vêm da transferência do conhecimento e trocas globais que só aconteceram devido à abertura nos últimos séculos. “Nunca houve na época da história um desenvolvimento harmônico”, reforçou, lembrando que este desenvolvimento historicamente é paradoxal. E lembrou que isso não significa que as pessoas serão felizes ou que a cultura deixará de ser trivial, mas que é inevitável percebermos que houve “progresso social, econômico e até mesmo político”, nos últimos anos. Assista a seguir:

A constatação de Schüler vai de encontro ao tema da palestra que abre o Fronteiras do Pensamento de hoje, em que Mario Vargas Llosa crucifica a sociedade moderna e a espetacularização de nossa cultura tendo como base seu livro mais recente, A Civilização do Espetáculo, que ainda não tem edição brasileira. Na próxima coluna eu comento como foi a palestra de Vargas Llosa e continuo esta discussão sobre se a civilização está melhorando ou piorando.

Você sabe de que lado estou.

Bom saber #005: Um impacto ainda maior que o da internet

Minha coluna de hoje no site da Galileu mistura a ascensão da impressão 3D com um futuro currículo escolar que possa incluir programação – e como isso pode ter um impacto a longo prazo.

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Um impacto ainda maior que o da internet
Impressoras 3D e programação no currículo escolar podem mudar ainda mais o mundo

Novamente junto dois assuntos para outro exercício de futurologia. Na semana passada, escrevi sobre como Big Data e ações coletivas poderiam dar o tom desta década. Hoje vou falar de outros dois assuntos que também irão mexer com nosso dia-a-dia – mas não logo: impressoras 3D e programação de dados na sala de aula.

Impressoras 3D ainda são novidade para a grande maioria das pessoas, mas o leitor de Galileu já acompanha este assunto há tempos (uma busca pelo termo em nosso site mostra um belo punhado de matérias sobre o tema – elas já estão imprimindo discos, carros, comida e até protótipos de ossos e órgãos humanos). Elas devem demorar algum tempo para se tornar realidade, mas, como toda nova tecnologia, em pouco tempo ela deve ser barateada a ponto de poder entrar no dia-a-dia das pessoas (embora já existam impressoras caseiras, inclusive que podem ser montadas em casa e já à venda no mercado brasileiro).

A princípio, imprimir em três dimensões parece fantástico: crie um modelo em três dimensões no computador, semelhante às maquetes digitais feitas por arquitetos, o envie para a impressora e ela começará a criar, a partir de camadas finíssimas feitas com diferentes tipos de substância (fibras sintéticas, plástico e até metais), o modelo físico.

Muitos podem se perguntar qual é o sentido de se imprimir um objeto em casa. Há quem diga que pode imprimir brinquedos para os filhos, outros – como o ex-editor da revista Wired, Chris Anderson, que lançou um livro (Makers, Ed. Campus) sobre o tema – acreditam que estamos às vésperas de uma “nova revolução industrial” (que é o subtítulo de seu livro, inclusive), que descentralizaria o conceito de fábrica, um conceito industrial, para transferi-lo para pequenas manufatoras caseiras movidas a impressoras 3D. Pode ser que isso ocorra, mas não nos próximos dez, vinte anos.

Num primeiro momento, impressoras 3D poderiam funcionar como uma forma de repor peças quebradas de aparelhos que ainda não foram descartados. Você perde a tampa que cobre a bateria do seu celular e faz o quê? Compra outra num camelô, anda sem a capinha ou talvez até compre outro celular. Num futuro próximo, talvez o fabricante de seu celular permita que você baixe o modelo 3D desta pecinha direto de seu site, da mesma forma que hoje você baixa o PDF com os manuais do usuário que antes vinham apenas em papel.

Mas isso nos leva a um outro momento que aí talvez nos aproxime da tal nova revolução industrial prevista por Chris Anderson. Quando as próximas gerações de estudantes começarem a aprender programação de dados na escola, veremos exemplos práticos do uso destas impressoras saindo do papel para a realidade. Já não é novidade vermos adolescentes criando softwares, aplicativos e outras soluções digitais pelo simples fato de terem começado a aprender a programar desde cedo, por conta própria. Há um forte movimento para que a programação de dados entre no currículo escolar básico, para que crianças e adolescentes possam desenvolver soluções para seus problemas a partir da criação de programas. Mas isso também não deve acontecer logo, embora não dá para ser pessimista e achar que isso não irá mudar.

Não custa lembrar que o conceito de escola foi criado durante a revolução industrial original para que os pais pudessem deixar seus filhos sozinhos em casa. A escola como a conhecemos hoje é análoga à fábrica: um grande complexo em que centenas de pessoas trabalham com horário fixo, regidas por autoridades solitárias e que não podem sair do script. Até a sirene da hora do recreio na escola é similar à sirene na hora do almoço na fábrica.

Mas do mesmo jeito que a fábrica pode cair em desuso, talvez a escola como a conhecemos hoje também caia. O professor deixa de ser a única fonte de conhecimento e uma autoridade punitiva para os desordeiros para se tornar um gestor de pessoas, levando em consideração as diferenças entre os indivíduos. A entrada do curso de programação na grade escolar certamente acelerará este processo.

E, inevitavelmente, mudará a forma como encaramos as impressoras 3D. Sua função atual está restrita a instituições, à grande escala de dinheiro. Mas em alguns anos isso pode começar a mudar – e quando isso começar a acontecer, pode ficar tranquilo que o impacto que a internet teve sobre a vida de todos será menor que o impacto que veremos no futuro.

Bom saber #004: A era da filantropia digital

Na minha coluna no site da Galileu essa semana falo sobre como ações coletivas e processamento de dados podem melhorar o planeta.

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Amanda Palmer fala sobre “A arte de pedir” no vídeo ao final deste texto

A era da filantropia digital
Ações coletivas e uso inteligente de dados podem mudar o mundo em pouco tempo

Dois assuntos aos poucos se impõem como os grandes temas desta nova década: a ação coletiva e a utilização inteligente dos dados que temos sobre tudo. E os dois, juntos, podem mudar completamente as coisas em pouquíssimo tempo.

O primeiro parece uma reação natural da era eletrônica ao mercado de massas, criado pela era anterior e ainda vigente, a industrial. Este período histórico, iniciado com a revolução industrial há dois séculos e meio, foi um gatilho tecnológico que permitiu uma série de melhorias na vida cotidiana das pessoas, aos poucos tirou-as dos campos e transformou as cidades em palcos mundiais enquanto conectava, pela primeira vez, todo o planeta. Foi a época que inaugurou o conceito de conforto, consagrou os papéis de patrão e empregado e permitiu a explosão populacional que vimos nos últimos cem anos. A partir do surgimento da linguagem eletrônica, que tem pouco mais de 50 anos, estes conceitos começaram a ser desafiados pois a industrialização acaba tratando todos como números. A idade eletrônica, cuja influência só começou a ser sentida de fato em nossas rotina neste novo século, inverte essa lógica e possibilidade as potencialidades do indivíduo – inclusive como parte de um coletivo. É o que norteia a tal ação coletiva que faz iniciativas como crowdfunding, crowdsourcing e as redes sociais digitais serem tão populares atualmente.

O outro grande tema encontrou um rótulo no início do século quando foi decidido que o volume de dados disponíveis atualmente podem ser tratados pelo nome de Big Data – que, em muitos casos, reúne um número impossível de ser processado em aparelhos ou programas de porte médio, exigindo computadores mais poderosos. Big Data, na verdade, é fruto do excesso de informações gerado por qualquer ato ou movimento, seja pessoal ou de massa. Há desde gente colecionando dados médicos sobre si mesmos para antecipar problemas futuros com mais agilidade há empresas públicas inteiras tendo que abrir seus balancetes para justificar gastos e investimentos, além da obsessão humana em quantificar e mensurar diferentes tipos de atividade. Assim, há um volume de informações disponível que nunca vimos em toda a história – tema recorrente na coluna do redator chefe de GALILEU, Tiago Mali. A questão agora é o que fazer com esses dados. Mas no cenário atual, temos uma abundância de informação que pode nos ajudar a calcular melhor o que podemos – e queremos – fazer.

Há vários pontos em comum entre estes dois conceitos, mas queria chamar atenção de um deles: o fato de que, para funcionar, eles partem do pressuposto que as pessoas abram mão de algo para conseguir o que querem. No caso do crowdfunding, se abre mão de dinheiro, claro, mas no caso do crowdsourcing, das redes sociais e da disponibilização de dados, o que é oferecido não é mensurável. Estou falando de conhecimento, de disposição para ajudar e para trabalhar, de técnica e expertise, além dos próprios dados. Não quero fechar os olhos para áreas delicadas que são afetadas diretamente por essas mudanças, como a noção moderna de privacidade ou a transparência econômica e política. Mas o fato é que estas duas tendências desta segunda década do século 21 – ação coletiva e Big Data – serão ainda mais eficazes se as pessoas se dispuserem a participar.

Caso isso aconteça, podemos estar no início de uma era em que as pessoas possam começar a ajudar umas às outras sem ficar pensando em recompensas financeiras. E não estou falando em caridade (embora esta também seja importante), e sim de uma certa filantropia digital. E para começar a conseguir que isso ocorra também é importante saber o que é que precisa ser feito – e saber que isso pode começar com cada um de nós. Basta saber o que – e como – pedir.

Por isso encerro a coluna de hoje com o TED que a cantora Amanda Palmer apresentou este ano sobre “A arte de pedir”, abaixo:

Para quem não entende textos em inglês, segue abaixo a transcrição da participação de Amanda no TED em português, feita no próprio site do evento, abaixo:

 

Bom saber #003: O fim da leucemia à vista

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Na minha coluna no site da Galileu essa semana é sobre o tratamento contra a leucemia que, a partir do HIV, consegue exterminar as células cancerígenas do organismo.

Leucemia com os dias contados
Um estudo publicado na semana passada abre novas perspectivas para o tratamento deste tipo de câncer

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A pequena Emily, que se submeteu ao novo tratamento

Tratamentos que retardam o efeito devastador do câncer – ou que em alguns casos chegam a eliminá-lo por vez – aos poucos vêm mudando o peso que a doença tem sobre as pessoas. Até o fim do século passado, o simples diagnóstico da doença era o equivalente a uma sentença de morte. Mas na semana passada tivemos mais uma boa notícia nesta área.

Na quarta da semana passada, dia 20, o doutor Renier J. Brentjens e sua equipe no Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, em Nova York, publicaram um estudo sobre um tratamento que vêm testando em pacientes com leucemia linfocítica aguda, uma das mais graves variações da doença, que abre novas perspectivas para os pacientes que sofrem deste mal.

O tratamento apresentado usou o vírus HIV como aliado e já havia sido testado por outras equipes médicas. O caso mais notório foi a revolução no estado de Emily Whitehead, menina norte-americana de 7 anos, que foi diagnosticada aos cinco anos com uma das piores variações da leucemia, que costuma ser avassaladora em adultos, mas que também não poupa crianças. A pequena Emily passou por tratamentos quimioterápicos que quase a mataram no início do ano passado, até que seus pais Tom e Kari resolveram apostar em um procedimento experimental que estava sendo desenvolvido no The Children’s Hospital of Philadelphia.

Como ela, doze pacientes que se submeteram ao novo tratamento tiveram seu quadro piorado em pouco tempo após a aplicação da nova prática, mas foi só a primeira mudança em seu quadro médico. Logo em seguida, todos começaram a se recuperar e a maioria teve suas células cancerígenas eliminadas do organismo. Apenas uma outra criança e quatro adultos não tiveram seus quadros completamente revertidos, enquanto em dois outros adultos (a doença é mais agravante quanto mais velho for o paciente), o tratamento não surtiu efeito. Mas, como Emily, cinco outros pacientes não apresentaram mais sintoma da doença desde que o novo processo foi iniciado, em abril do ano passado.

No tratamento, o vírus HIV foi modificado para reprogramar o sistema imunológico, de forma que este possa detectar células cancerígenas e eliminá-las. Ainda em fase experimental, a nova solução custa 200 mil dólares para os que se dispõe a experimentá-la e ainda não pode ser considerado eficaz. “Nosso objetivo é a cura, mas ainda não podemos dizer esta palavra”, declarou, com cautela, o doutor Carl June ao jornal The New York Times no final do ano passado, quando puderam comemorar o estágio atual da criança, que tornou-se símbolo deste novo tratamento. Jung coordena as pesquisas na Universidade da Pensilvânia e liderou o tratamento no caso do grupo de pacientes em que a criança esteve incluída.

Embora ainda seja um dos principais desafios da medicina moderna, os avanços contra este tipo de doença vêm melhorando consideravelmente – e a publicação do estudo realizada na semana passada pode ser o primeiro passo rumo à cura da leucemia. E, quem sabe, do câncer.