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Um papo com Geoff Emerick

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Conversei com o engenheiro de som dos melhores discos dos Beatles, que vem ao Brasil para dar uma masterclass neste fim de semana, em Porto Alegre, para uma matéria para a revista Trip. Um trecho da conversa:

“Os Beatles não eram meus ídolos, porque eu vi eles acontecendo”, lembra-se. “Eles gravaram ‘Love Me Do’ dois dias depois que eu comecei a trabalhar em Abbey Road. Era só um trabalho, mas eu vi o crescimento deles como parte do meu trabalho. Nós não éramos conhecidos mas reconhecíamos uns aos outros no estúdio, sabe? Até que eu comecei a trabalhar com masterização e eu passei a trabalhar diretamente com eles a partir do álbum Revolver, de 1966. Eu assisti à carreira deles do começo até o final.”

Ele explica que, embora estivessem cansados de fazer shows, o que fez o grupo se dedicar principalmente aos discos foi seu senso de aventura, mais do que a estafa e a exaustão dos dias de turnê. “Quando gravamos o Revolver eles ainda estavam fazendo shows, mas eles não conseguiam reproduzir o que fazíamos no estúdio nos palcos. Eles até tentavam, mas era um desastre”, ri. “Quando começamos a gravar Sgt. Pepper’s, em 1967, John Lennon dizia que, agora que eles não iriam mais fazer shows, a gente não precisava se preocupar com a sonoridade ao vivo daquelas novas músicas — e isso deu um rumo completamente diferente para eles. E todos olharam pra mim e eu não tinha nenhum equipamento, não havia plugins, era só um gravador de dois canais e uma câmara de eco, sabe? O desafio era criar a partir daquilo, a partir do nada. Metaforicamente eu só tinha cola e fita adesiva, eram esses os recursos que eu tinha para criar o que eles queriam.”

Ele também conta de sua relação com seu chefe direto na época, o mítico produtor George Martin (1926-2016). “Muito se fala da relação dos Beatles com George Martin como se ele fosse o diretor da escola — e de fato ele era. No começo, eles ficavam nervosos quando ele vinha falar com eles. Aos poucos, isso foi diminuindo, mas a gente se entendeu a partir disso e muito rápido, principalmente por termos o mesmo tipo de senso de humor. Então desenvolvemos uma cumplicidade que bastava olhar no olho um do outro para saber o que estava certo ou errado, trocávamos olhares e sorrisos mais do que palavras. Líamos a mente um do outro e muita gente comentava sobre isso durante as sessões de gravação: ‘Você e o George não se falam durante as gravações?’ A gente não precisava, não tinha muita discussão.”

Geoff lembra da dinâmica dos Beatles em ação. “A parte mágica daquilo era que Lennon e McCartney eram opostos completos. Quando os dois começavam uma música, um deles escrevia algo num papel — uma estrofe, um refrão — e falava para o outro que não tinha uma ideia de como terminar aquela parte. Era essa combinação entre os dois que faziam as coisas acontecerem, além de George e Ringo trabalharem cada vez mais pesado para soarem melhor.”

Leia a íntegra lá na Trip.

17 de 2017: 3) Liverpool

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2017 também foi um ano de prestar antigas contas: visitar a terra-natal de meus primeiros ídolos, faróis do meu interesse por música e cultura. O encontro com o velho entreposto comercial britânico que fez John, Paul, George e Ringo quererem sair de sua própria cidade aconteceu na mesma semana em que seu disco mais emblemático completava 50 anos e foi farto material para a introspecção pessoal e reencontro com meus próprios interesses, depois de 42 voltas ao redor do sol. Além de visitar as casas que os quatro cresceram e os míticos Strawberry Fields e Penny Lane, ainda pude me calar ao silêncio literalmente sepulcral (ao lado do túmulo de ninguém menos que Eleanor Rigby) do quintal da igreja em que John viu Paul tocar pela primeira vez e aceitá-lo em sua banda. “Ah look at all the lonely people”, cantei calado para mim mesmo. A viagem também me presenteou com uma visita-relâmpago a Manchester, outra cidade-símbolo da minha formação, o reencontro com a querida Megssa e seu marido Gordon, que ainda contou com um show do Fall de lambuja. Uma semana que me fez renascer.

Magical Mystery Tour, 50 anos

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A trilha sonora do filme psicodélico dos Beatles completa meio século de idade – e eu escrevi sobre esse clássico lá no meu blog no UOL.

Quando a versão LP de Magical Mystery Tour chegou às lojas norte-americanas há cinquenta anos, no dia 27 de dezembro de 1967, os Beatles encerravam com chave de ouro seu maravilhoso ano psicodélico bem como começavam a perder a mão do próprio negócio. Embora o disco fosse impecável – a ponto de rivalizar com o emblemático Sgt. Pepper’s como uma das principais obras da banda até então -, ele era fruto do primeiro projeto do grupo que foi mal recebido pela crítica (o telefilme que batizava o disco), bem como feria uma regra tácita que a banda se impôs desde seus primeiros anos, de não incluir as canções lançadas em compacto em seus álbuns.

Magical Mystery Tour foi um projeto liderado por Paul McCartney logo após a morte do empresário da banda, Brian Epstein, no fim de agosto daquele ano. Epstein havia sido a peça-chave que fez o grupo ir além do formato tradicional de banda de rock, transcendendo para fenômeno pop global sem precedentes. A súbita morte do empresário pegou a banda de surpresa logo após o lançamento de Sgt. Pepper’s e os deixou completamente sem rumo. Era Brian quem estudava todos os passos que a banda poderia dar, dividindo com John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr as opções de carreira e a partir das opiniões do grupo dar seus ousados passos profissionais. Foi ele quem vislumbrou a estética da banda, todo o conceito de merchandising, a forma como lidava com a imprensa, a conquista de mercados pelo planeta, a possibilidade de fazer filmes, capas e títulos de discos que falavam por si só. Dos grandes passos que os Beatles deram em termos de marketing pessoal, só alguns foram dados sem a iniciativa de Brian, como o abandono dos palcos em 1966 e a ideia de criar álbuns conceituais. Da mesma forma que o produtor George Martin era o quinto beatle quando o assunto era música, Epstein era o quinto beatle em relação a estratégia e rumos de carreira, guiando a banda para fronteiras que os quatro nem imaginavam.

Não por acaso sua morte foi um choque para a banda. Ele não chegava a ter o aspecto professoral que Martin tinha em relação ao grupo (por ser quinze anos mais velho que os dos Beatles mais velhos, John e Ringo) e tinha só seis anos a mais que os dois, aproximando-o ainda mais do grupo. Era um fã de música pop como os quatro Beatles e sua relação com o grupo era menos de empresário e mais de amizade. Os quatro confiavam cegamente em Brian – e aquela morte tirou completamente o senso de realidade do grupo na hora em que estavam surfando uma onda de plena criatividade artística. Isso está claro na entrevista que John e George deram logo após chegar do retiro com o guru Maharishi Mahesh Yogi, onde souberam da morte do amigo e empresário. Olha a expressão na cara dos dois:

Paul McCartney logo entendeu que aquela notícia poderia ter um impacto negativo o suficiente para deteriorar a banda e acelerar seu fim, algo que já vinha sendo cogitado desde que o grupo pendurou as chuteiras dos palcos, e assumiu as rédeas da banda. Como havia feito em Sgt. Pepper’s – quando concebeu o conceito por trás de um disco que seria uma obra única, mais do que uma coleção de canções -, logo cogitou a possibilidade de lançar um terceiro filme da banda, sua obra audiovisual psicodélica, que, por motivos de agilidade de produção, foi transformado em um filme feito para a TV, no caso a emissora britânica BBC, onde o grupo já batia ponto regularmente em seus programas radiofônicos.

Magical Mystery Tour foi um conceito criado a partir dos chamados “mystery tours”, viagens de charrete em que os ingleses eram convidados a passear sem saber o rumo daqueles passeios, quase sempre em direção ao campo, no início do século 20. Como, para os ingleses, toda a noção de psicodelia estava intrinsicamente ligada à volta à infância e uma viagem ao passado, era natural que aquele conceito fosse transformado em “mágico” para saciar as ansiedades lisérgicas de uma geração que via o mundo deixar de ser preto e branco para assumir cores em Technicolor.

O problema é que por mais empolgado que Paul estivesse com aquele conceito, ele era apenas um jovem de vinte e cinco anos que havia dominado o mundo da música e estava delirando com a possibilidade de se tornar um autor sério. Havia começado a frequentar galerias de arte, a acompanhar cinema de vanguarda e a ler sobre cultura erudita. Aquele ímpeto jovem de se tornar um artista intelectual era bonito na teoria, mas na prática ele não tinha muita ideia do que fazer. E embora o filme tivesse sido dirigido e escrito pelos quatro Beatles, era ele o capitão daquela aventura e o aspecto livre de execução do filme seria perfeitamente exemplificado pelo roteiro escrito por Paul – um diagrama circular que funcionaria como ponto de partida para improvisos excêntricos e delírios lisérgicos da banda.

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O resultado foi um filme completamente experimental e caótico, que substituía as charretes das turnês misteriosas do passado por um ônibus escolar cheio de personalidades peculiares, todas elas vindas do inconsciente coletivo imaginado pela banda, ecoando também as viagens psicodélicas promovidas pelos Merry Pranksters de Ken Kesey pelos Estados Unidos, anos antes, quando aquele grupo atravessava o país dando ácido lisérgico diluído em ki-suco em festas instantâneas. Pelo percurso do filme, curtas musicais que anteviram o conceito de videoclipe e acenos humorísticos que plantariam a semente do que o Monty Python faria em seu Monty Python’s Flying Circus, dois anos depois. Steven Spielberg e George Lucas também celebraram o aspecto de vanguarda naïf do filme, que ajudaria os dois diretores a entender como ser experimental e pop simultaneamente.

Mas todas essas qualidades foram percebidas posteriormente. Quando foi exibido após o natal daquele ano, o filme sofreu fortes críticas, principalmente por sua falta de roteiro e aparente amadorismo. O produtor George Martin também atribui o fracasso do filme ao fato de este ser um filme muito colorido e, à época, boa parte dos televisores na Inglaterra transmitirem apenas em preto e branco. O baque sofrido pela banda foi tamanho que o próprio Paul McCartney deu uma declaração para a imprensa praticamente se desculpando por ter feito o filme.

Paul McCartney, George Harrison, Ringo Starr e John Lennon

Paul McCartney, George Harrison, Ringo Starr e John Lennon

O mesmo não poderia ser dito em relação à sua trilha sonora. Lançada no início daquele dezembro como um EP, o disco continha apenas as músicas da banda que utilizadas no filme, todas inéditas. Era um compacto duplo que trazia a faixa-título e “Your Mother Should Know” no lado A, “I Am the Walrus” no lado B, “The Fool on the Hill” e a instrumental “Flying” no terceiro lado e “Blue Jay Way” de George Harrison no quarto. Como a capa de Sgt. Pepper’s, a do EP também era dupla e trazia um encarte de 28 páginas que tentava contar a história rascunhada no filme.

Mas quando o disco foi cogitado para o mercado norte-americano, ele sofreu uma grave distorção – principalmente do ponto de vista dos Beatles. Em vez de ser um compacto duplo, ele agora seria um álbum, e parte das músicas que o tornariam um disco cheio já haviam sido lançadas como compactos anteriormente, quebrando uma regra que os Beatles criaram logo após o lançamento de seu primeiro disco, o único a conter músicas lançadas também como single (a saber, “Love Me Do” e “P.S. I Love You”, que faziam parte do repertório do disco Please Please Me). Desde então, o grupo separava as músicas que tinham maior potencial radiofônico para serem lançadas como compacto, deixando-as quase sempre de fora dos álbuns. Assim, hits instantâneos como “She Loves You”, “I Wanna Hold Your Hand”, “We Can Work It Out”, “Day Tripper”, “Paperback Writer” e “Rain”, entre outras, nunca chegaram a figurar na discografia de álbuns do grupo.

O disco Magical Mystery Tour, que chegou ao mercado norte-americano há 50 anos, incluía as faixas de compactos como “Strawberry Fields Forever” e “Penny Lane” (compacto que havia sido lançado antes de Sgt. Pepper’s), “All You Need is Love” e “Baby You’re a Rich Man” (lançado após a primeira transmissão ao vivo da história, naquele mesmo ano) e “Hello Goodbye” e “I Am the Walrus”. A princípio o grupo ficou contrariado com esta nova versão, mas aos poucos cedeu às más impressões a ponto de oficializá-lo com item oficial quando a discografia da banda foi sacramentada em sua versão em CD, trinta anos depois. A inclusão daqueles compactos no antigo EP duplo também favorecia a transformação de todos os outros compactos na coletânea dupla Past Masters – Volume 1 & 2, que teria de ter um terceiro volume caso não os compactos de 1967 não fossem incluídos naquela edição.

Mas, principalmente, a nova edição coroaria 1967 como o ano psicodélico dos Beatles, reunindo toda a produção da banda naquele ano em dois álbuns, Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band e Magical Mystery Tour. Juntos os dois formam um par de discos impecável, que reúne a produção psicodélica mais intensa em um ano em que várias bandas lançaram dois discos clássicos (os Doors lançaram seu primeiro disco homônimo e Waiting for the Sun, o Experience de Jimi Hendrix tinha a estreia Are You Experienced? e o fantástico Axis… Bold as Love, o Jefferson Airplane teria seu Surrealistic Pillow e After Bathing at Baxter’s, os Stones lançariam Between the Buttons e Their Satanic Majesties Request).

Sozinho, Magical Mystery Tour é o que o filme original tentava ser: uma viagem psicodélica misteriosa, em que os Beatles, como mágicos, recebiam o ouvinte tentando emular a sensação lisérgica em letras e melodias – dos “roll up” que abrem a faixa-título ao clima nebuloso da hipnótica “Blue Jay Way” de George Harrison, da viagem instrumental de “Flying” (a primeira faixa assinada pelos quatro Beatles) ao delírio jocoso de “I Am the Walrus” (que Lennon compôs arbitrariamente de forma dúbia, apenas para atiçar a curiosidade dos que interpretavam demais suas letras), passando pela viagem à infância em Liverpool de “Strawberry Fields Forever” e “Penny Lane”, pelas baladas nostálgicas “The Fool on the Hill” e “Your Mother Should Know” e pelas letras simples, otimistas e diretas de “Hello Goodbye” e “All You Need is Love”. Um disco impecável que encerraria um ano mágico para os Beatles e os preparava para o início do fim de suas carreiras, quando, em 1968, começariam a se desfazer com o mítico Álbum Branco. Mas isso é outra história…

Entre o pop e o clássico

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Transformei minha viagem para a Inglaterra no meio do ano (com direito a Beatles, Velvet e Pink Floyd) num ensaio que escrevi para a ótima revista Helena, da Biblioteca Pública do Paraná. O texto pode ser lido online e há uma versão estendida que deverá ser publicada dia desses… As ilustrações são do Dahmer.

Concertos de Discos

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A partir deste mês retomamos no Centro Cultural São Paulo a série Concertos de Discos, idealizada pela diretora original da discoteca pública que hoje batiza a instituição, a pesquisadora Oneyda Alvarenga, em que pesquisadores e especialistas dissecam discos clássicos em audições comentadas. Como estamos nas comemorações dos 50 anos do ano de 1967 (dentro do projeto Invenção 67), iniciamos os trabalhos com oito aulas sobre oito discos essenciais lançados naquele ano – das estréias do Pink Floyd, Doors, Velvet Underground e Jimi Hendrix, a discos cruciais nas carreiras de Tom Jobim, Roberto Carlos, Aretha Franklin e dos Beatles. O time de especialistas reunidos é da pesada e as audições acontecem na própria Discoteca Oneyda Alvarenga, no CCSP, durante as terças e quintas de junho, gratuitamente, a partir das 18h30. Veja a programação completa deste primeiro mês abaixo (mais informações aqui):

Concertos de Discos
de 6 a 29/6 – terças e quintas – 18h30
O Invenção 67 ressuscita os célebres Concertos de Discos, que a primeira diretora da Discoteca do Centro Cultural São Paulo, Oneyda Alvarenga, ministrou entre 1938 e 1958. Os Concertos de Discos voltam focados em música popular e realizados na própria Discoteca Oneyda Alvarenga, convidando o público a uma audição comentada. Programe-se: as audições são limitadas a 30 pessoas. Todos os concertos começam pontualmente às 18h30.

60min – livre – Discoteca Oneyda Alvarenga
grátis – sem necessidade de retirada de ingressos

Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band
dia 6/6 – terça – 18h30
Pai e filho, Maurício Pereira (Os Mulheres Negras) e Tim Bernardes (O Terno) falam sobre o clássico dos Beatles: Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band.

The Piper at the Gates of Dawn
dia 8/6 – quinta – 18h30
O crítico e músico Alex Antunes (Akira S, Shiva Las Vegas) trata do disco de estreia do Pink Floyd, The Piper at the Gates of Dawn.

Wave e Francis Albert Sinatra & Antonio Carlos Jobim
dia 13/6 – terça – 18h30
O músico e historiador Cacá Machado analisa os álbuns Wave, de Tom Jobim, e Francis Albert Sinatra & Antonio Carlos Jobim, parceria com Sinatra e Jobim que marcou a inserção da bossa nova no contexto internacional.

The Doors
dia 15/6 – quinta – 18h30
O jornalista Jotabê Medeiros mergulha no álbum de estreia da banda The Doors, que juntou de modo dramático jazz, blues, lisergia e poesia.

I Never Loved a Man the Way I Love You
dia 20/6 – terça – 18h30
Especialista em hip hop, soul e funk, a jornalista Mayra Maldjian analisa I Never Loved a Man the Way I Love You, turning point na carreira de Aretha Franklin – e do rythmn’n’blues.

Are You Experienced?
dia 22/6 – quinta – 18h30
Músico e jornalista, Rodrigo Carneiro (Mickey Junkies) surfa em Are You Experienced?, disco em que estreou a banda Experience, de certo guitarrista canhoto chamado Jimi Hendrix.

Em Ritmo de Aventura
dia 27/6 – terça – 18h30
Guitarrista e vocalista da banda Autoramas, Gabriel Thomaz entra Em Ritmo de Aventura para falar do clássico de Roberto Carlos.

The Velvet Underground & Nico
dia 29/6 – quinta – 18h30
O jornalista e editor da revista Bravo!, Guilherme Werneck, trata de The Velvet Underground & Nico, o disco que lançou a banda de Lou Reed – e também as bases do punk.

“It was fifty years ago today…”

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Há cinquenta anos, os Beatles mudavam a cultura pop com seu magnífico Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band – escrevi sobre o disco clássico no meu blog no UOL.

Se houve um marco que determinou os rumos da cultura que vivemos hoje, este foi o disco que os Beatles lançaram há exatamente meio século, no dia primeiro de junho de 1967. Ao desvendar Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band para o resto do mundo, a banda do norte da Inglaterra que transformou-se no maior fenômeno das massas dos anos 60 reescreveu a história da civilização contemporânea a partir de um simples disco. O impacto do disco mais emblemático da história dos Beatles e da história da música gravada pode ser sentido até hoje e reverberará ainda por muitos anos.

Sua onipresença e unanimidade é tão recorrente que é fácil reduzi-lo como um trabalho menor ou superestimado. Mas nenhuma obra de arte na história da humanidade provocou tantas transformações e causou tanto furor e discussões quanto o oitavo disco da carreira dos Beatles. Vários outros acontecimentos históricos provocaram desdobramentos tão ou mais radicais do que este que é o álbum mais clássico da música moderna, mas nesta categoria entram eventos violentos, drásticos e complexos, como invenções tecnológicas, conceitos teóricos, guerras, conquistas esportivas, epidemias, tragédias e catástrofes naturais. Outras obras de arte tiveram um impacto tão duradouro ou revolucionário quanto este disco, mas nunca de forma tão simultânea e global. Até hoje, cinquenta anos depois de seu lançamento, gerações inteiras, contemporâneas dos Beatles ou não, lembram da revelação provocada pelo disco.

E não apenas de sua audição. Sgt. Pepper’s provocava o crítico, o especialista, o fã e o ouvinte para além do conjunto de suas treze canções. A transformação ia para além do próprio repertório e ia para o conceito artístico, a produção sonora, a embalagem gráfica, a apresentação visual. Diferentes desdobramentos – da evolução da cultura de massas do século vinte ao amadurecimento da ainda infante indústria fonográfica, passando pela consolidação do modernismo e ascensão da cultura pop ocidental – convergiam naquele único disco hoje mitológico.

Mas o mais impressionante é que não havia modelo de negócios, estratégia de marketing, conceitos intelectuais ou manifestos artísticos – tudo foi feito por quatro rapazes entre seus vinte e trinta anos que, fartos de serem tratados como produto de consumo, abandonaram a própria natureza do mercado em que estavam inseridos e a motivação básica que os uniu durante toda uma década (tocar música ao vivo) para conseguirem se reinventar artística e comercialmente. A transformação acontecia basicamente pelo fato de quatro filhos da classe operária de um antigo império colonizador em decadência começarem a agir como uma única mente, um único corpo. Talvez o melhor retrato desta nova fase do grupo foi o fato de que, depois de tirarem férias uns dos outros após anos se vendo diariamente de forma incessante, os quatro se reencontraram com a mesma transformação estética – todos estavam trajando bigodes que nunca haviam cogitado sem nem sequer terem combinado nada entre si.

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Por um semestre, no início de 1967, eles embarcaram em uma viagem que começou de forma nostálgica e logo descambou para a alegoria. John Lennon e Paul McCartney, a força-motriz e principais compositores da banda, voltaram para sua cidade-natal em forma de canção e, cada um deles, escreveu uma música que lhes trazia de volta às suas respectivas infâncias – John voltava ao orfanato próximo da casa de sua tia Mimi, onde passou parte de sua infância, e Paul ao terminal de ônibus por onde transitava diariamente quando ia para a escola. Strawberry Field (sem o “s”) e Penny Lane eram lugares mundanos e sem charme, que foram transformados em monumentos às respectivas juventudes dos dois, que logo entrariam para a história como a dupla de compositores mais antológica da cultura popular recente. “Strawberry Fields Forever” e “Penny Lane” fariam parte do novo disco de seu grupo, mas foram escolhidas para, no início daquele ano, serem lançadas como um compacto para mostrar o que os Beatles estavam aprontando no estúdio de Abbey Road. Um prefácio sensacional para uma obra-prima.

Não era pouca coisa. O single de duplo lado A parecia a continuação natural dos experimentos musicais e sonoros que o grupo vinha conduzindo a partir dos dois discos anteriores – Rubber Soul e Revolver, de 1965 e 1966, respectivamente -, mas agora parecia haver uma mesma temática, uma amarra conceitual. Ao mirar em sua Liverpool no ponto de partida do novo disco, os Beatles entenderam que era preciso transcender o formato LP – uma novidade mesmo ainda naqueles primeiros anos da música pop, um conceito que não tinha nem meio século de idade em 1967 – e transformar o álbum em um gesto artístico autoral.

A ideia original veio de Paul, a partir de um trocadilho infame durante um voo sobre o Atlântico. Viu o saleiro e pimenteiro dispostos próximos ao prato de comida e, brincando com as palavras, transformou “salt and pepper” (sal e pimenta) em um personagem fictício – Sargent Pepper -, maestro de uma banda inventada de um clube imaginário, o Clube dos Corações Solitários. A brincadeira evoluiu para um conceito ousado para a época, que aquele não era um disco dos Beatles e sim daquela banda enigmática. E foi vestindo roupas alheias – depois metamorfoseadas em fardas de uma fanfarra psicodélica – que os Beatles pularam num abismo de experimentações.

Logo estariam experimentando colagens sonoras e líricas, instrumentos alheios à música pop tradicional, drogas alucinógenas, temas distantes da alegria pueril dos primeiros dias, jogos de palavras, incursões geográficas, temporais e poéticas. Fugiam para o extremo oposto da beatlemania que havia lhes popularizado em todo o planeta, recriando o próprio universo de forma épica e, sem perceber, forçando o amadurecimento de toda sua geração e dando pistas para as gerações seguintes. Não fundaram a psicodelia, mas trouxeram-na para a pauta do dia, fundindo-a com seus recentes interesses por música erudita, alta cultura, pós-modernismo, música indiana, técnicas de gravação. Sob a batuta do produtor/professor George Martin, acompanhados de seus fiéis escudeiros George Harrison e Ringo Starr e a bordo de um estúdio que permitia apenas a gravação de míseros quatro canais simultâneos, John e Paul viraram a cultura do avesso, trazendo para fora todos seus ímpetos e instintos primários, mas envernizados pela curiosidade, pelo senso de exploração e de aventura e pelo salto no desconhecido.

A capa, hoje icônica, parecia traduzir todas as inquietações que o grupo sentia: era uma colagem ideológica de personalidades díspares – Oscar Wilde e Ghandi, Aleister Crowley e Shirley Temple, Mae West e Lawrece da Arábia, Bob Dylan e Karl Marx – que perfilavam-se a duas versões dos Beatles – uma retirada do museu de cera de Madame Tussauds (que parecia sinalizar que aqueles Beatles, em preto e branco, haviam ficado no passado) e outra multicolorida, sorridente e desafiadora. Aquela colagem visual conduzida por um dos grandes nomes da recente pop art, o inglês Peter Blake, traduzia tanto a ousadia comercial quanto a aventura estética encapsulada naquele disco, reforçada pelo fato de ser o primeiro álbum da história a vir com as letras impressas.

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A quantidade de trunfos de Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club é imensurável. Sem ele, a cultura perderia o impacto global e os Beatles não seriam uma das principais forças artísticas do mundo até hoje. Seu cinquentenário vem apenas reforçar sua importância, tanto em termos criativos quanto mercadológicos. Nenhuma outra obra de arte foi tão influente e transgressora em tão pouco tempo – nem antes, nem depois.

Vanguart toca o Sgt. Pepper’s na íntegra no CCSP

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O show acontece nesta quinta-feira, de graça, às 21h, e faz parte das atividades do evento Invenção 67 (mais informações aqui). Abaixo, um trechinho descontraído de um dos ensaios:

Invenção 67 no CCSP

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A partir desta quarta até domingo, começamos mais uma atividade multicuratorial no Centro Cultural São Paulo – o evento Invenção 67 disseca o cinquentenário do mítico ano de 1967 medindo seu impacto na cultura em diferentes áreas. Há debates, show, filmes, exposição e encontros que prometem ser célebres, como o de Renato Borghi com Zé Celso Martinez Correa (um apresentou a peça O Rei da Vela para o outro, que a tornou célebre), Andrea del Fuego e Nelson de Oliveira falando sobre Cem Anos de Solidão de Gabriel Garcia Márquez, Miriam Chnaidermann e André Sant’Anna falando sobre o Panamérica de José Agrippino de Paula e Ismail Xavier e Rubens Machado falando sobre Terra em Transe. Da parte que me toca (a curadoria de música), teremos na quinta o Vanguart tocando na íntegra o clássico Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band dos Beatles – que faz aniversário no mesmo dia -, uma conversa com Roberta Martinelli e Ricardo Alexandre sobre o festival da Record daquele ano, quando as sementes do tropicalismo e do que chamamos hoje de MPB foram lançadas e a série de audições comentadas Concertos de Discos, que joga luz em clássicos daquele mítico ano, esta com início na semana que vem (falo mais disso depois). Maiores informações sobre o evento aqui e, abaixo, a programação geral dos próximos dias. Tudo de graça! Vai ser demais!

Invenção 67 no CCSP

Que ano! Em 1967, os Beatles lançavam o álbum Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, marco da vanguarda pop. Ainda naquele chamado Verão do Amor, Jimi Hendrix lançou seu primeiro disco, bem como The Doors, Velvet Underground e Pink Floyd. Enquanto isso, no Brasil houve certa noite em 1967, transmitida pela TV, que revelou uma geração de garotos geniais: Gilberto Gil, Caetano Veloso, Edu Lobo, Chico Buarque. Um pouco mais cedo neste ano incrível, Hélio Oiticica criava a obra Tropicália. No cinema, 67 foi o ano em que estrou Terra em Transe, de Glauber Rocha. E que estreou também a peça O Rei da Vela, de Oswald de Andrade, levada ao palco de forma barulhenta por José Celso Martinez Correa. No teatro ainda nasceria Cordélia Brasil, de Antonio Bivar. Foi o ano de PanAmérica, o romance de pura invenção escrito por José Agrippino de Paula, do impactante Quarup de Antonio Callado e de Tutameia, último livro de Guimarães Rosa. A América Latina iniciava um boom literário com Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez, e na Europa Milan Kundera lançava A Brincadeira.

Por tudo isso o Centro Cultural São Paulo resolveu homenagear esse ano extraordinário de invenção e imaginação com debates, filmes, música, teatro e cinema. Em 1967 a juventude ainda sonhava alto. E no CCSP este sonho revive. Todos os eventos são gratuitos.

PROGRAMAÇÃO

31/5 quarta

TEATRO
17h Encontro O Rei da Vela
Mediados pela crítica teatral Beth Néspoli, José Celso Martinez Correa e Renato Borghi falam de O Rei da Vela. Peça escrita por Oswald de Andrade, permaneceu inédita até ser montada por Zé Celso em 1967, tendo Borghi como protagonista. Um dos pilares do tropicalismo, a peça simboliza a contracultura dos anos 60 – hoje parte da cultura brasileira. Na Sala Paulo Emílio Salles Gomes.

1º/6 quinta

LITERATURA
19h30 Ponto de encontro: Invenção 67
Com peculiar verve e larga erudição, o crítico e ensaísta Manuel da Costa Pinto, autor de Literatura Brasileira Hoje, analisa os principais lançamentos literários do mundo naquele ano. No Espaço Mário Chamie (Praça das Bibliotecas)

MÚSICA
21h Liverpool em Cuiabá
Em apresentação inédita, a Vanguart, banda matogrossense famosa nacionalmente pelo folk rock energético e lírico, revisita o álbum Sergeant Pepper’s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles. Na Sala Adoniran Barbosa

2/6 sexta

LITERATURA
19h30 Cem anos de solidão, 50 anos depois
Destacados pela escrita que tangencia o fantástico, os autores Andrea del Fuego e Nelson de Oliveira, mediados pelo diretor do CCSP, Cadão Volpato, tratam da imortal obra de Gabriel García Márquez. No Espaço Mário Chamie (Praça das Bibliotecas)

3/6 sábado

TV/MÚSICA/CINEMA
15h Aquela noite em 67
Exibição do filme Uma Noite em 67, dirigido por Renato Guerra e Ricardo Calil, sobre o famoso festival de música da TV Record que catapultou uma talentosa geração da música brasileira, seguido de debate entre os jornalistas Ricardo Alexandre e Roberta Martinelli. Filme na Sala Paulo Emílio Salles Gomes, debate no Espaço Mário Chamie (Praça das Bibliotecas)

LITERATURA
19h30 PanAmérica vezes 50
A psicanalista e cineasta Miriam Chnaidermann e o escritor André Sant’Anna, especialistas na obra de José Agrippino de Paula, mediados por Ronaldo Bressane, abordam o cinquentenário de PanAmérica – romance central para a criação da Tropicália. No Espaço Mário Chamie (Praça das Bibliotecas)

TEATRO
20h30 Cordélia Brasil
Para sustentar seu marido Leônidas, Cordélia, além de trabalhar como auxiliar de escritório, passa a se prostituir. Ela traz para casa um jovem cliente de 16 anos, Rico, que acaba morando com o casal – o triângulo tem desfecho trágico. Direção: Francisco Medeiros. Elenco: Paula Cohen, Marat Descartes e Chico Carvalho. Sonoplastia: Aline Meyer. O autor Antonio Bivar comenta a peça após a apresentação. Na Sala Leon Hirzman

4/6 domingo

CINEMA
16h Terra em Transe, 50 anos depois
Exibição do clássico do cinema novo Terra em transe, de Glauber Rocha (em cópia nova), seguido de debate entre Ismail Xavier e Rubens Machado, os professores de cinema da ECA/USP que formam a linha de frente do ensaio cinematográfico brasileiro. Na sala Paulo Emílio Salles Gomes

De 26/5 a 5/6

Mostra Revista Comando
Exposição das obras em serigrafia realizadas na Folhetaria do CCSP, em ateliê público, pelos artistas Frederico Heer e Guilherme Boso (Revista Comando). Foyer

E se o Episódio IV fosse uma paródia do Sgt. Pepper’s dos Beatles?

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O mashup Princess Leia’s Stolen Death Star Plans – que postei na íntegra no meu blog no UOL – é uma obra-prima pós-moderna.

Hoje é 4 de maio, o tradicional dia que os fãs da saga Guerra nas Estrelas criaram para celebrar esta religião moderna a partir de um trocadilho infame (o quatro de maio, em inglês, chama-se “May the Fourth”, que soa como o eterno lema Jedi “May the Force be with you” – “que a Força esteja com você”) e que tal revisitar a pedra fundamental da história imaginada por George Lucas pelo ponto de vista do mais clássico disco dos Beatles? Hein?

Foi o que fez a dupla norte-americana Palette-Swap Ninja, formada pelo vocalista Dan Amrich e pelo tecladista Jude Kelley, revisitando todo o Episódio IV, o primeiro filme que George Lucas fez sobre a saga (que completa 40 anos este ano), como uma paródia construída sobre o Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles (que completa 50 anos também este ano). Um mashup épico e meticuloso, que pode ser baixado gratuitamente no site da dupla, mas que funciona ainda mais quando assistimos à sua versão em vídeo, Princess Leia’s Stolen Death Star Plans é uma obra-prima pós-moderna.

Fico pensando em quais discos poderiam funcionar com os próximos filmes… O Álbum Branco com o Império Contra-Ataca? Tenso!