A missa do papa negro
Sábado pude comparecer a mais uma missa do papa negro Mateus Aleluia, que, mesmo lançando disco novo neste fim de semana (o soberbo disco batizado com seu próprio nome), preferiu ater-se ao seu repertório clássico, que une tanto pérolas do africanto dos Tincoãs, ancestral trio vocal que trouxe o terreiro puro para o repertório da MPB ainda nos anos 70, quanto hinos já imortais de sua recente carreira solo. A apresentação aconteceu na Casa Natura Musical e eu escrevi mais uma vez cobri um show para o Toca do UOL.
Ex-Tincoãs, Mateus Aleluia conduz afromissa de valores seculares em SP
Embora estivesse lançando seu quinto disco solo, neste fim de semana, Mateus Aleluia, aos 82 anos, subiu ao palco da Casa Natura Musical neste sábado como parte de uma série de três apresentações ao vivo — todas com lotação esgotada. No entanto, o repertório recém-lançado no disco homônimo “Mateus Aleluia” ainda não entrou no setlist, com o artista dedicando seu show mais às suas seis décadas de carreira do que às músicas que revelou ao público em 2025.
Mais uma vez acompanhado pelos três músicos que têm sido seus parceiros nos últimos tempos —Marcos Santos (percussão), Alexandre Vieira (contrabaixo) e Rodrigo Sestrem (sopro)—, seu Mateus se revela uma entidade, um orixá encarnado que mescla austeridade e autoridade com ternura e leveza.
Sua característica voz grave é também a batuta que rege a atenção do público, conduzindo um fluxo único de energia que se manifesta em diferentes formas: dança, canto ou um profundo silêncio de contemplação.
Mateus Aleluia é o nome mais conhecido do lendário trio vocal Os Tincoãs, que, apesar de ter sido fundado no início dos anos 1960, só alcançou notoriedade uma década depois, quando sua música passou a ressoar com sua ancestralidade. Nascido em Cachoeira, no recôncavo baiano, o trio abandonou a música popular que caracterizou sua fase inicial — entre boleros e sambas-canção — para abraçar a musicalidade de sua origem.
Cachoeira abriga o terreiro Aganjú Didê, o mais antigo do país em atividade. Ao incorporar os cantos afrobaianos ao seu repertório, Os Tincoãs conquistaram uma popularidade inédita nos anos 70 e gravaram álbuns que se tornaram marcos da música afrobrasileira: “Os Tincoãs” (1973) e “O Africanto dos Tincoãs” (1975), este último lançado há 50 anos. Canções como “Cordeiro de Nanã” e “Deixa a Gira Girar” seguem ecoando no imaginário coletivo até hoje.
Mas o sucesso do trio não perdurou, especialmente após a morte de Heraldo Bozas em 1975. Apesar das tentativas de manter viva sua tradição musical, a trajetória do grupo se dissipou com o tempo. A conexão africana levou Mateus Aleluia a se mudar para Angola, onde viveu até o início deste século.
Sua volta ao Brasil marcou o início de sua carreira solo, que começou a se materializar em disco em 2010, com “Cinco Sentidos”. Essa nova fase trouxe um renovado interesse por Os Tincoãs, motivando produções como filmes, livros e até o lançamento de gravações inéditas.
O show do sábado foi, portanto, uma celebração de sua própria biografia, pontuada por palavras de sabedoria, como um mestre conduzindo sua missa pessoal. Valorizando os princípios de coletividade e irmandade, Mateus transformou a plateia que lotava a casa de shows na zona oeste de São Paulo em uma família unida ao redor de seu canto ancestral, burilado pelo violão espaçado, enquanto permanecia sentado à direita do palco durante toda a apresentação.
Além de músicas de sua discografia solo — incluindo a inesperada “Amor Cinza”, rara em seus shows, usada na abertura da noite —, ele também relembrou Os Tincoãs, interpretando as duas canções anteriormente citadas. Falou sobre a irmandade que via se formar diante de seus olhos e, ao final da noite, levantou-se de maneira emocionante para se despedir do público.
O novo álbum deve se materializar no palco em breve, pois o velho sábio já prepara um novo espetáculo para apresentar “Mateus Aleluia” ao vivo.
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