Stereolab inacreditável

, por Alexandre Matias

Quem foi ao festival da Balaclava neste domingo teve o prazer de assistir a uma apresentação mágica do Stereolab, que há 25 anos não tocava no Brasil. Escrevi sobre a apresentação em mais uma colaboração com o Toca UOL.

Entre o pop adocicado e a vanguarda jazz, Stereolab encanta no Balaclava

Inacreditável a apresentação do Stereolab no Balaclava Festival que aconteceu neste domingo (9), em São Paulo, quando realizou seu único show no país nesta vinda. O grupo anglo-francês voltou ao Brasil depois de um quarto de século e impressionou até os que estavam com expectativa alta.

Trabalhando o recém-lançado álbum “Instant Holograms on Metal Film” (o primeiro de inéditas desde que a banda voltou à ativa, em 2019), o Stereolab valorizou o novo disco em detrimento ao repertório clássico — mas foi a performance musical em si que arrebatou o público no final do evento que aconteceu no Tokio Marine Hall.

O foco central no novo álbum — com oito faixas num repertório de quinze canções — só reforça a natureza do Stereolab. Apesar de usar referências distintas da história da música como alicerces para seu pop dançante de vanguarda e de tocar instrumentos que igualmente soam como eras musicais do passado, o grupo faz questão de não soar revivalista nem retrô e aponta para o próprio futuro com alguns quase-hits precisos tocados em momentos-chave, aumentando ainda mais a noção de auto importância do grupo. Tudo regido pelo carisma inabalável da vocalista e multiinstrumentista francesa Lætitia Sadier.

Sua musicalidade nasce fora do universo rock, apesar de estar inserido no contexto de um festival de indie rock. A cabeça de seus músicos busca fontes no easy listening dos anos 50 (que inclui a chanson française, a bossa nova, a música lounge e o pop sinfônico do início da década seguinte), mesclando-a essa doçura e fragilidade pop com acenos para diferentes braços do jazz (de trilha sonora de filmes italianos à música brasileira, passando pelo jazz latino e o space jazz de Sun Ra) e às origens da música eletrônica (quando reverenciam a cena prog alemã que pariu o Kraftwerk e ícones pioneiros do gênero, como Jean-Michel Jarre e Laurie Anderson).

O que parece ser uma salada musical com poucos pontos em comum transforma-se num delírio que mistura precisão quase robótica com groove minimalista que vai expandindo suas fronteiras e volume à medida em que a banda engrossa seu próprio caldo musical. A chave desta fórmula estava desenhada na própria forma como a banda se dispôs no palco.

Do lado esquerdo estava o guitarrista Tim Gane (fundador do grupo ao lado de Lætitia) e o baterista Andy Ramsay (outro integrante longevo do grupo, que entrou na banda dois anos após sua fundação, em 1991). A química entre esses dois músicos dava o tom preciso e constante que explorava tanto a precisão da música eletrônica quanto o suíngue repetitivo do jazz.

Ao centro, o tecladista Simon Watson (na banda desde o início do século) temperava esse andamento com timbres dos anos 50, 60 e 70 e vocais de apoio discreto. Enquanto, no outro canto, à direita, Lætitia conduzia o público seguida de perto do novato da banda, o espanhol Xavier Muñoz Guimera, que debulhava linhas de baixo metronômicas enquanto segurava os vocais de apoio que contrapunham aos da vocalista principal.

Desde a última vez que veio ao país, no ano 2000 (quando fez apresentações históricas no Rio de Janeiro, no clássico Cine Íris, e em São Paulo, com duas datas intensas no teatro do Sesc Pompeia), muita água se passou pela história do grupo. Perdeu uma de suas principais integrantes (a vocalista e tecladista australiana Mary Hansen, atropelada por um caminhão quando andava de bicicleta) e o casal fundador do grupo — Tim e Lætitia — se separou em 2002, mesmo seguindo juntos na banda até o fim da primeira década do século, quando o Stereolab encerrou suas atividades.

Eles voltaram a fazer shows em 2019 e, depois da reclusão pandêmica, retomaram os shows até o final do ano passado, quando anunciaram que estavam compondo músicas novas. A principal mudança desta nova fase do grupo reflete-se imediatamente no palco, principalmente a partir da separação física entre os integrantes do casal que fundou a banda.

Enquanto Gane fica no canto imerso em seu instrumento e sem microfone para cantar ou conversar com o público, Lætitia assume o protagonismo da banda e, além de passear entre vocais, guitarra e synths, também empunha um inusitado trombone de vara — que além de manejar com destreza e minimalismo, casa perfeitamente com o som do grupo. Ela ainda agradecia o público em português e, em inglês, comentava brevemente sobre as músicas, quase sempre críticas ao consumismo, ao capitalismo e ao escapismo cego da vida pós-moderna.

Mas é a máquina de som que move o show. Mais do que o improvável amálgama de gêneros musicais de nicho ou o carisma da vocalista, o Stereolab convence mesmo quando engata seu instrumental em um único groove, equilibrando-se entre um funk minimalista e um jazz mecânico.

Em várias músicas (sejam as mais conhecidas, como “Motoroller Scalatron”, “Miss Modular”, “The Flower Called Nowhere”, “Percolator” e “Cybele’s Reverie”, que fechou a noite, ou quase todas do disco novo), expandem o núcleo central da canção em trechos instrumentais longos que fazia o público que lotava o Tokio Marine Hall mover-se de diferentes formas: por vezes balançava lentamente hipnotizados pelo ritmo, em outras acabava-se de dançar.

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