A importância de Lô Borges para a geração do século 21

, por Alexandre Matias

No texto que escrevi pro UOL sobre a morte do Lô Borges, terminava comentando sobre como ele foi importante para toda uma geração de artistas brasileiros que surgiu neste século. É evidente a influência pop de Lô entre os jazzistas do Clube da Esquina, mesmo quando ele grava seu primeiro disco solo, com composições bem mais rebuscadas que as que forjou no disco clássico que compôs com Milton. É esse elemento simples e direto que permitiu que o disco alçasse vôos maiores do que qualquer outro disco do Milton e que fez a influência de Lô ser sentida pelas novas gerações, tão influenciadas pela MPB quanto pelo rock clássico. E isso não é de hoje, como dá pra ver por esse show que os Boogarins e O Terno fizeram juntos há uma década, no dia 27 de junho de 2015, no Auditório Ibirapuera, quando entrelaçaram repertórios próprios para encerrar com uma versão absurda para “Saídas e Bandeiras n° 2”, que veio no bis. A influência mineira seguiu firme nas duas bandas, como quando O Terno fez questão de frisar no disco que lançou no ano seguinte, Melhor do Que Parece, compondo uma canção batizada com o nome do estado do Clube, ou quando os Boogarins resolveram fazer um tributo àquela cena mineira num show inteirinho dedicado ao Clube da Esquina – não apenas ao disco, mas à atmosfera psicodélica daquela época e lugar, esparramada por vários outros discos. Escrevi sobre esse encontro quando fui convidado a participar do livro De Tudo Se Faz Canção – 50 anos do Clube da Esquina, organizado pela Chris Fuscaldo, em sua editora Garota FM. Abaixo, o vídeo que fiz desse momento e um trecho da minha colaboração no livro:

“O que vocês fariam pra sair dessa maré?”. O questionamento inicial feito ainda no primeiro lado do disco retorna ao final do terceiro lado, desta vez com o dobro de sua duração inicial – passamos dos 45 segundos para um minuto e meio de uma canção em que tanto a letra quanto a música provocam o marasmo e a falta de ação puxando o ouvinte para assumir o protagonismo de sua própria vida, sugerindo o êxodo urbano não apenas de uma forma literal, mas como inspiração e metáfora.

Se na primeira versão instigavam a “sair desta cidade ter a vida onde ela é, subir novas montanhas, diamantes procurar”, na segunda reforçam a “andar por avenidas enfrentando o que não dá mais pé, juntar todas as forças pra vencer essa maré”. Era um clamor interno à própria autoestima, seja do indivíduo ou de uma nação, mas cantado ao pé do ouvido, quase como uma sugestão – ou um feitiço.

Quase cinquenta anos depois, aquelas quase notas de rodapé de um disco clássico reverberavam com ares de, elas mesmas, um épico. Reunidas no Auditório Ibirapuera, em São Paulo, duas bandas em ascensão se reconheciam como partes de uma mesma onda criativa e uma mesma geração artística ao dividir não apenas a mesma noite, mas no mesmo palco. O trio paulistano O Terno e o quarteto goiano Boogarins reverenciavam suas raízes clássicas e psicodélicas nas canções dos próprios repertórios, mas quando chegaram no bis daquela reunião no dia 27 de junho de 2015, voltaram para as pequenas bênçãos do disco de 1972, transformando-as em um longo épico de mais de doze minutos.

Dissecadas pelo improvável septeto, as duas faixas tornaram-se uma longa exegese àqueles parcos minutos iniciais e a formação que contava com duas baterias (Biel Basile e Ynaiã Benthroldo, ambos recém-chegados em suas respectivas bandas), dois baixos (Raphael Vaz e Guilherme D’Almeida), três guitarras (Tim Bernardes, Benke Ferraz e Dinho Almeida) e dois vocais (Tim e Dinho, ambos cantando agudo) passeou por cada um dos climas presos naquelas curtas versões originais, saudando sonoridades lisérgicas, rococós, jazzy, bossanovistas, rurais e sulamericanas, mostrando que as saídas e bandeiras propostas por Milton e Lô meio século antes seguiam abrindo novas fronteiras musicais.

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