2009: O ano da volta do Legião Urbana?

, por Alexandre Matias

Mesmo com tantos motivos pra deixar tudo como está

Embora muita gente entorte a cara, uma das principais bandas da história do pop brasileiro pode estar às vésperas de renascer para toda uma nova geração. Com o anúncio ano passado que a EMI finalmente vai disponibilizar online o catálogo do Legião Urbana, aos poucos começa uma espécie de Anthology brasileiro, idealizado por Renato Russo desde antes de sua banda existir, que em seus últimos anos de vida idealizava uma caixa com todo o material não-oficial do grupo lançada com o título de Material.

Mas o Legião continua firme e forte, rendendo não apenas dinheiro para sua gravadora e detentores de direitos autorais como reverberando no imaginário coletivo sempre de alguma forma – seja numa regravação, numa peça, num programa de TV. A presença de Renato Russo no imaginário coletivo brasileiro é uma constante maior do que ídolos mais incensados – como Cazuza, Raul Seixas ou os Mutantes – mesmo que não haja o oba-oba característicos dos fãs destes grupos.

Veja por exemplo, um festival realizado em Montevidéu no Uruguai que foi responsável, pela primeira vez depois do fim da banda, por reunir Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá de novo num palco – e para tocar Legião Urbana. Organizado no final de 2008 por bandas fãs uruguaias do grupo de Brasília, o evento teve um público de 2 mil pessoas que teve a oportunidade de assistir, entre outras atrações, ao Dado desafinando no vocal de “Índios”.

O Bruno do Sobremúsica entrevistou o Dado sobre o show no Uruguai:

Assisti da platéia, quente e lotada o Sebastián (vocalista da banda Vela Puerca) cantar “Se fiquei esperando meu amor passar”. Chorei! Muito emocionante, nunca mais tinha ouvido essa música ao vivo… E assim foi até a décima-primeira música quando eles nos chamaram ao palco e o La Trastienda (casa de shows) foi abaixo. Cantei “Índios” acompanhado do pessoal do Bajofondo, Juan, Luciano , Gabriel e Bonfá na bateria… Foi incrível. Na sequência Bonfá cantou “Pais e filhos” e mais uma vez a casa caiu… E assim se deu até o fim, momentos de grande emoção e comoção generalizada, todos acabaram em êxtase numa grande confraternização sulamericana. O melhor é que está tudo filmado. Lavamos a égua…

Isso no Uruguai. Por aqui, mal se fala num grupo que é a única banda pop brasileira que chega aos pés de Chico, Caetano ou Gil no critério quantidade de hits no inconsciente coletivo nacional. Nenhum outro grupo de rock brasileiro teve uma trajetória tão particular e uma aceitação tão instantânea – e massiva – de seu trabalho. Mais do que “porta-voz de sua geração”, Russo teve um papel crucial na história da música pop brasileira, quando ensinou a várias safras diferentes de ouvintes que era possível compor letra de música que não tivesse necessariamente cara de letra de música. Boa parte dos hits do Legião tem letras que parecem ter saído de conversas, de bate-papos, em vez de terem sido propriamente compostas.

E, bem ou mal, Renato Russo foi o arquetípico indie brasileiro. O moleque que não gosta de samba nem de praia, que fica ouvindo suas bandas desconhecidas no quarto, vivendo fantasias rock’n’roll. Renato imitava Morrissey e Ian Curtis quando se apresentava, líderes de duas bandas essencialmente indies, além de ter posado para a foto interna de um disco (V) com a camiseta do Jesus & Mary Chain. Nunca gravou cover, fez apenas citações de músicas alheias no meio de suas músicas. Quando fez concessões à música estrangeira, saiu em carreira solo, foi atrás de um tema para reunir grandes compositores americanos e outro para juntar breguices italianas. “Feche a porta do seu quarto porque se toca o telefone pode ser alguém com quem você quer falar por horas e horas e horas” é uma letra que fala de um comportamento típico do nerd atual – e isso antes da internet ou celulares existirem.

O indie, como tribo, é o nerd do rock (e não necessariamente só do rock inglês pós-86, mas de toda história do rock) – o cara que sabe a ordem das faixas de qualquer disco (pode ser dos Beatles, do My Bloody Valentine, do Engenheiros do Hawaii ou dos Ramones) equivale sua nerdice com gente disposta a aprender a falar orc ou klingon. A sutil diferença entre o indie e o nerd clássico é que os ídolos do primeiro aspiram por algo que os ídolos do segundo ignoram: estilo. Se bem que tem gente que acha que os uniformes dos Beatles (seja na Beatlemania ou no Sgt. Pepper’s) eram mais brega do que os de Jornada nas Estrelas (tudo bem – mas as únicas pessoas que eu vi fantasiadas de Beatles na vida eram bandas cover).

O Legião Urbana podem ser uma peça que está faltando no cenário pop brasileiro atual, que una tanto a geração dos festivais independentes com a cadavérica safra insistente das bandas de rock dos anos 80, aos grupos dos anos 90 que estão cada vez mais perdidos, aos indies ortodoxos que só ouvem bandas em inglês e aos emos cujas bandas podem aprender que compor em português permitem rimas que não são apenas verbos no infinitivo. O fato de Russo ter morrido pode ser crucial para não virar apenas mais um revival – substitui-lo por qualquer vocalista para uma volta do Legião me parece ainda mais risível do que colocar alguém para cantar no lugar de Freddie Mercury e chamar a banda de Queen – e fazer com que o cenário pop brasileiro finalmente se enxergue como um só.

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