20 anos de Cidadão Instigado

, por Alexandre Matias

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A banda cearense Cidadão Instigado encerrou o ciclo do disco Fortaleza no show que fizeram na Virada Cultural do Centro Cultural São Paulo – e a partir deste fim de semana começa a comemorar duas décadas de atividade com dois shows no Sesc Pompeia, nesta sexta e sábado (mais informações aqui), que devem se espalhar para outras cidades em breve. Além dos shows, que prometem músicas de todas fases da banda, toda discografia do grupo foi lançada em vinil numa caixa luxuosa bolada pelo selo EAEO (que está nas últimas unidades!). Hoje o Cidadão firmou-se em uma formação que reúne o líder, criador e guitar hero Fernando Catatau, o baterista Clayton Martin e os multiinstrumentistas Régis Damasceno, Rian Batista e Dustan Gallas, além do sexto elemento – que pilota o som da banda de fora do palco – Yuri Kalil. Conversei com o Catatau sobre estas duas décadas instigadas.

O que você fazia antes de criar o Cidadão Instigado?
Essa é uma pergunta bem abrangente… Fiz muitas coisas antes de montar o Cidadão. Em termos musicais eu toquei em uma banda quando eu tinha 14 anos que se chamava Ultra Leve. Entrei na banda já formada que tocava rock nacional e tinha algumas composições próprias. Fizemos duas apresentações e depois parei de tocar pra andar de skate. Depois do skate surfei de bodyboard e foi a época que conheci o Regis Damasceno e o Junior Boca. Quando ouvi as músicas do Boca eu achei que tínhamos que ter uma banda e assim montamos a Companhia Blue. A banda durou quatro anos, entre 90 e 94, até que eu e Boca viemos para São Paulo. Daí o Boca teve que voltar pra Fortaleza e foi nessa época que eu comecei a compor as músicas que dariam origem ao Cidadão Instigado.

Como a banda começou? Qual era a primeira formação?
Morei um ano em São Paulo e um ano no Rio entre 1994 e 1995. Nesse período eu fiquei muito tempo só compondo e imaginando a banda. Em 1996 eu voltei pra Fortaleza e montei a primeira formação do Cidadão. Lembro que fui chamando alguns amigos que eu conhecia e todos ficavam meio intrigados com as músicas mas iam topando pela amizade. A primeira formação era eu na voz e guitarra, Rian Batista no baixo, Marcos P.A. na zabumba, Otto Junior na percussão, Amaury Fontenele no teclado, Danilo Guilherme e Ludmila Mourão nos vocais.

https://www.youtube.com/watch?v=aVBTYwIkGPY

Como essa formação evoluiu da original para a da primeira demo?
No começo, tivemos muitas formações, até porque era um momento de testes e tentativas, e como eu era muito obsessivo ficava testando todo tipo de instrumentação e arranjos. Naturalmente, algumas pessoas iam saindo e outras entrando pois manter uma banda em Fortaleza não era uma tarefa muito fácil naquela época. Aos poucos os amigos mais antigos foram se aproximando. Um dia vi o Fil que fazia nossa arte gráfica tirando um som e disse que ele ia tocar zabumba. No começo ele recusou mas depois aceitou a proposta e ficou com a gente até o Ciclo da Dê.Cadência. Dustan (Gallas) que tinha acabado de voltar da gringa entrou tocando caixa e prato e o Danilo Guilherme que fazia vocais começou a tocar percussão. Essa foi a formação do EP.

Depois você veio morar em São Paulo e lançou o disco com o Instituto, O Ciclo da Dê.Cadência. Como aconteceu esse encontro?
Eu voltei pra morar em SP em 2001. Nós já tínhamos todas as músicas do Ciclo bem ensaiadas e massacradas. Passamos muito tempo tocando elas até serem gravadas. Quando chegamos pra tocar em São Paulo pela primeira vez foi no projeto Nordestes no Sesc Pompéia. Lembro que quem fechava a noite era o Otto e foi nesse dia que conheci a banda e o Daniel Ganjaman. Trocando uma idéia com o Ganja sobre gravação ele me falou sobre o estúdio da família dele. o El Rocha. Daí me organizei pra gente ir gravar lá. Ao mesmo tempo que o disco ficava pronto o Ganja estava abrindo um selo, o Instituto, junto com o Rica e o Tejo, e nos convidaram para lançar por eles.

Depois veio o Método Tufo de Experiências. Conte a história desse disco.
Na época do Método foi um período bem complexo. Eu já não aguentava mais o que vínhamos fazendo. Entrei em uma grande crise existencial e com o Cidadão Instigado e pensei em acabar a banda e montar meu projeto solo que se chamaria Fernando Catatau e o Método Túfo de Experiências. Em vez de acabar a banda resolvi transformar nosso som e mudar o caminho que a gente vinha traçando. “Minha Imagem Roubada” que foi a ultima música que fiz pro Ciclo já me levava pra outros rumos. Nessa época, em 2001, eu me mudei novamente pra São Paulo e mais uma vez passei por um período de adaptação difícil que foi se refletindo nas músicas. Foi um disco de cortes radicais na vida, dores de amor… É por isso tem varias músicas cheias de emoção. Ficava ouvindo Roberto Carlos, Bee Gees, Genival Santos e varias músicas do meu passado pra tentar resgatar um pouco das minhas lembranças de Fortaleza pra esse novo momento em São Paulo.

Foi a partir dessa época que a formação se estabeleceu, certo?
Foi mais ou menos por essa época. Até o Método ainda tínhamos o lance da bateria desmembrada em caixa e prato e zabumba e quando mudei pra São Paulo e ainda na transição Ciclo/Túfo eu conheci o Clayton que tocava com o Júpiter Maçã e o chamei pra tocar na banda. Na primeira vez que o convidei ele recusou dizendo que não gostava muito desses sons regionais… Eu achei engraçado. Conhecendo ele hoje, sei que era só da boca pra fora. Na mesma época conheci o Mauricio Takara que é irmão do Ganja que chamei pra tocar zabumba. Com o tempo o Takara desistiu da zabumba e tentamos adaptar as musicas pra bateria e o Clayton assumiu. Nessa época o Regis decidiu vir morar em Sao Paulo também e aos poucos a banda foi se reestruturando.

Cinco anos depois vocês lançaram o Uhuuu!, um disco bem mais pra cima e solar. Conte a história desse disco.
Esse foi um disco que eu considero de renascimento pra mim. Depois de passar por esse período bem intenso da minha vida, eu começei a me reerguer e buscar uma vida mais leve e de reconexão com os amigos e principalmente com Fortaleza, daí as músicas que eu ia fazendo vinham com esse espírito. Até o Uhuuu!, o Dustan, que tinha sido na época do Ciclo ainda não tinha voltado e foi nesse clima de reconexão que ele voltou pra banda. Considero um retrato bem sincero desse momento de astral maresia despreocupado.

Entre Uhuuu! e Fortaleza vocês tiveram a fase do Dark Side of the Moon. Como foi esse período?
Na real a fase Dark Side foi no fim do Fortaleza. Já estávamos no fim das gravações do Fortaleza quando o Ramiro nos chamou pra fazer o disco Dark Side of the Moon do Floyd na integra pro projeto 73 Rotações. A priori eu recusei pela responsabilidade ser muito grande e por eu não me garantir de cantar em inglês mas quando os meninos falaram que eles cantariam eu fui mudando de opinião. Foi aquele momento em que já estávamos exaustos com as gravações do disco, com os shows repetidos do Uhuu! daí recebemos a proposta como algo massa. Aprender a tocar esse disco que é um dos mais marcantes na nossa vida foi o melhor presente de todos.

Finalmente, Fortaleza. É o disco de vocês que mais levou tempo para sair. Ele reflete uma maturidade da banda?
A demora foi além de tudo um processo natural. Aquela tentativa de se transformar. Eu sentia que não podíamos fazer outro Uhuu! e sair daquela sonoridade não foi nada fácil. O Uhuu! foi um começo de reconexão com Fortaleza. Com o lado praiano, dos amigos, da maresia, do astral… Já no Fortaleza eu sinto que foi o reconhecimento de um outro lado. Talvez o nosso verdadeiro lado dark side que é o de uma cidade enraizada no coronelismo, cheio de pessoas talentosas mas que são eternamente podadas, das grades, dos prédios, das diferenças sociais, da marginalidade. A realidade é que sempre foi muito difícil aceitar essas lado torto de Fortaleza, mas essa é a realidade da cidade e não da pra fugir. Quando comecei esse processo de reconexão tudo foi exposto e isso se refletiu nas musicas do Fortaleza. Aceitar, caminhar com essas diferenças e principalmente tentar de alguma maneira melhorar essas situações fazem bem mais sentido hoje pra mim. Mais do que se distanciar.

E como vocês começaram a pensar nos 20 anos da banda?
Quando percebemos que estávamos fazendo 20 anos de banda ja pensamos automaticamente em comemorar. Estarmos juntos por tanto tempo e levando as coisas como a gente sempre quis é uma vitória. Então não tinha como não comemorar. Somos amigos, tocamos juntos desde adolescentes, agora somos uma banda com uma discografia completa em LP e o melhor de tudo: ainda gostamos muito do que fazemos. Vamos comemorar!

Fale sobre a caixa de vinis.
O lance da caixa foi algo muito especial pra gente. O João que é dono do selo EAEO resolveu bancar a discografia inteira pensando na nossa comemoração de 20 anos. Eu nem tenho nem palavras pra dizer o quanto ficamos felizes com isso tudo, é como se agora fizesse um pouco mas de sentido. Somos todos de uma época em que comprar um LP era algo muito especial. Eu ficava olhando a capa, os detalhes, era um tempo de romantismo musical e agora termos todos os LPs de uma só vez, o EP em cassete… Emociona a galera das antigas…

E esses shows do Sesc Pompeia, passam por todas as fases?
Esse show tá sendo uma doidêra. Tivemos que ouvir os discos antigos pra conseguir entrar em todos os climas de emoção de cada época e confesso que me trouxe a tona várias coisas que faziamos e que tinhamos deixado de lado, principalmente na época do EP e do Ciclo. Vamos passar por todas as fases e se aprofundar bastante em cada uma delas. Tá sendo massa se redescobrir depois de tanto tempo.

Vocês entram agora no modo comemoração dos 20 anos, mas já estão pensando num próximo disco?
Já tenho muitas músicas feitas mas isso é pra pensar daqui um tempo. Agora é focar nesse show. Em breve passamos a pensar em algo novo.

Que música melhor reflete o Cidadão Instigado vinte anos após sua formação?
“Um Nordestino no Concreto”.

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