Tatá Aeroplano olha para dentro

, por Alexandre Matias

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A primeira vez que Tatá Aeroplano me falou sobre Delírios Líricos, no segundo semestre do ano passado, o disco ainda não tinha nome e tinha acabado de ser gravado – e as novas canções já carregavam uma qualidade ao mesmo tempo solene e solitárias. Meses depois daquele primeiro papo – depois de ele ter mostrado algumas destas novas canções no espetáculo Um Brinde à Mãe da Lua, que fez em novembro no Centro da Terra, e depois de lançar o primeiro single “Alucinações” em março aqui no Trabalho Sujo, dias antes de entrarmos em quarentena -, o mister saca o novo álbum quase que de surpresa e chega a impressionar como a atmosfera do disco conversa com o clima estranho e introspectivo desses dias de quarentena que estamos atravessando.

“É delírio meu valorizar assim a solidão”, cantarola triste o refrão de “Trinta Anos Essa Noite”, reforçando, na faixa-título, que “quando o tempo parou fazia silêncio”, enfileirando canções melancólicas que olham para dentro. “Sinto que algumas músicas conversam com o momento que estamos vivendo, talvez pelo fato de terem sido criadas num momento que eu mergulhei fundo na introspecção”, ele me conta por email. “Semanas antes de lançar o disco eu fiquei lembrando de algumas letras que batem com esse momento atual, são muitos sentimentos juntos. Quando entramos em quarentena eu fiz essa conexão com as canções logo de cara.”

É seu quinto álbum solo e o sexto que grava com a mesma formação de músicos que o acompanha desde o início da década, com Junior Boca na guitarra, Dustan Gallas no baixo e sintetizadores e Bruno Buarque na bateria e percussão (o outro álbum com o grupo foi Vida Ventureira, que dividiu com Bárbara Eugenia), sempre no estúdio Minduca, deste último. “Viramos uma banda, começamos o primeiro álbum em dezembro de 2011 e de lá pra cá nos tornamos amigos, parceiros de discos, de histórias e de estrada”, ele lembra, elencando também um quinto elemento. “O mister Lenis Rino grava com a gente desde o álbum Na Loucura & Na Lucidez, fazendo percussões, capturando o som dos discos e tá colado com a gente nos shows ao vivo.”

Ele conta como o disco começou a tomar forma. “Antes de gravar Delírios Líricos, tivemos a ideia de trazer algumas sonoridades, sensações e viagens dos discos anteriores, não foi uma coisa muito pensada, mas jogamos essa semente”, continua. “Os discos são gravados em uma semana, então é um mergulho intenso no material, buscamos manter o astral lá em cima e fazer tudo com calma. Gravamos as bases ao vivo, eu aproveito pra colocar os vocais. O Bruno Buarque sempre traz novidades pro estúdio, instrumentos e equipamentos novos que acabam entrando no disco. Essa intimidade faz com que a gente muitas vezes nem se dê conta do que estamos fazendo, flui num tipo de loucura boa.” O disco ainda conta com vocais de Bárbara Eugenia e da companheira de Tatá, Malu Maria, que ainda toca flauta na faixa “Cabeças Cortadas”, além do acordeon da gaúcha Biba Graeff em “Amoras Na Beira Do Rio” e do trompete de boca de Beto Lanterna em “O Silêncio das Serpentes”.

Pouco antes da gravação, Tatá começou a compor outras músicas além das que havia trazido originalmente para o estúdio – destas dez primeiras escolhidas, só três acabaram no álbum. “As novas músicas apareceram com muita força, mais introspectivas, mais misteriosas”, lembra-se. “Uma semana antes da gravina, me debrucei nesse novo material e fui arredondando, colocando sentimento, entortando. “Cabeças Cortadas” foi composta dentro do estúdio Minduca, durante a semana de gravação. O disco tomou uma dimensão mais solene, um pouco mais soturna, eu estava escutando muito Nick Cave, Arnaldo Batista e também rolou o fato de que quatro músicas surgiram na mesma madruga. Eu ganhei uma garrafa de pisco do amigo Carlos, integrante da banda Macabea. Numa sexta de julho, lá pelas 23h, lembrei que tinha essa garrafa de Pisco e animei tomar uma dose, peguei o violão e saiu “Alucinações” e “O Silêncio Das Serpentes”, registrei elas no gravador do celular e fui dormir. Quando deu cinco da manhã acordei cantando a melodia de “Amoras Na Beira Do Rio”, fui pra sala, peguei o violão, escrevi ela e quando terminei, veio na sequência, “Réquiem Para Um Sonho”, já era sábado, dia 20 de julho, dia que fizemos um show memorável com a banda toda na Casa do Mancha”.

No repertório, apenas uma música não é de sua autoria, “Alucinações”, de Jorge Mautner. “Eu pirei com o álbum Revirão, escutei demais e “Ressurreições” me acompanhou por infinitas caminhadas. Incluí ela nos meus sets, quando era residente nas noites de sábado no Studio SP nos anos 2008, 2009, 2010 e sempre sonhei em fazer uma versão para ela. Em 2014 eu tirei ela no violão, comecei a tocar nos shows que eu faço no formato voz e violão, e foi uma realização gravar ela pra esse novo álbum.”

Recolhido há dois meses, ele conta sobre como soube da seriedade do drama que estamos atravessando. “Tô em casa desde o dia 12 de março, depois que eu vi uma live do Torturra. Se não engano, foi no dia que foi decretada a pandemia. Me dei conta da gravidade da coisa e me preparei com a Malu Maria para esse período. A gente decidiu não sair mais”, conta. “Nas últimas semanas consegui organizar melhor as ideias, passar cada dia por vez, estabeleci uma rotina, tempo para parcerias, para escutar lançamentos, continuo lendo bastante e escutando muita música. Como eu te falei, tenho acompanhado o Climatias logo pela manhã e curtindo pacas, me dá energia e ânimo pra seguir legal pelo resto do dia. Tive um pouco ansiedade no início e para conseguir manter a cabeça no lugar estabeleci com alguns amigos, trocas de mensagens diárias, com alguns troco emails como se fosse cartas, filosofamos, falamos de música, política e várias coisas, são momentos onde deixo o inconsciente agir.”

Mas apesar dos dias enclausurados, Tatá não para. “Delírios Líricos é um álbum de canções, e já temos uma ideia para o próximo disco, que é fazer algo totalmente fora do que fizemos até agora. Já temos uma parte do material, uns anos atrás começamos a criar coletivamente no estúdio, junto com o DJ Marco, então vamos voltar nesse material que começamos a gravar com ele para produzir um material novo.”

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