Xênia prepara o segundo passo

, por Alexandre Matias

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Bati um papo com a cantora baiana Xênia França sobre o fim do ciclo de seu disco de estreia e o começo dos trabalhos do próximo álbum, que deve sair ainda este ano, em uma matéria que fiz para a edição de fevereiro da revista impressa da UBC.

A consciência de ser uma entidade

A baiana Xênia França se considera uma pessoa completamente diferente de seu primeiro álbum, lançado há dois anos, e prepara-se para começar a jornada do segundo trabalho ao mesmo tempo em que lustra sua carreira internacional

Mesmo às vésperas de mais uma viagem internacional e do início dos trabalhos em seu segundo álbum, a cantora e compositora baiana Xênia França, de 33 anos, sente-se insegura. “Eu tô começando tudo de novo, me sentindo completamente inexperiente e despreparada pra fazer esse disco, não sei se é a hora”, ela me conta às gargalhadas, que escondem um nervosismo que ela faz questão de deixar evidente. “Eu sou pisciana, sou muito ansiosa e já tô sofrendo, lógico!”

Quem a vê falando assim pode até acreditar no que ela fala – mas basta vê-la no palco para perceber que é excesso de zelo. Arma secreta do grupo paulistano Aláfia, ela lançou sua carreira solo no final de 2017 e anunciou a saída da banda no início do ano passado, quando tomou as rédeas de sua carreira de vez e atingiu patamares invejáveis para uma artista em seu primeiro disco solo. Depois de ter sido indicada para o Grammy Latino (nas categorias Melhor Álbum Pop Contemporâneo e Melhor Canção em Língua Portuguesa) em 2018, ela dividiu o palco do Rock in Rio em 2019 com o cantor inglês Seal e foi a primeira artista brasileira a participar do canal alemão Colors, além de não parar de fazer shows.

“Em agosto de 2018 eu dei início à minha carreira internacional, indo para os Estados Unidos, onde já me apresentei algumas vezes”, lembra, explicando que seu primeiro disco solo, batizado apenas de Xênia, ainda está no processo de lançamento no mercado exterior. “Acabei de lançar esse disco em vinil nos Estados Unidos, na Europa e no Japão, então ele ainda é uma novidade por lá. Já tenho algumas prospecções pro segundo semestre de 2020 com o primeiro disco no Canadá, na Austrália e nos Estados Unidos, além de provavelmente em alguns países da Europa.”

Ela insiste que é hora de partir para o segundo álbum, mesmo sem ter nada muito definido. “Já tô reduzindo a quantidade de shows porque preciso parar e entrar de cabeça. Eu tô há dois anos fazendo turnê com esse disco, são quase dois anos ininterruptos fazendo shows todo final de semana. Eu sou muito feliz por ter tido tanta benção com esse trabalho e tenho certeza que mesmo fazendo ele vai continuar sendo o que ele é, porque esse disco é uma potência, mas já estou me preparando pra fazer o segundo.”

O segundo disco, por sua vez, ainda está num estado embrionário, mas ela já sabe que quer manter a dupla de produtores que reuniu para o primeiro disco: Pipo Pegoraro e Lourenço Rebetez. “Eu queria que a produção transitasse pelo âmbito da intimidade, da escuta, porque eu tava saindo de uma banda enorme, com um monte de gente, e eu queria poder sentar pra fazer meu trabalho com uma galera que já me conhecia, que já tinha me escutado desde o princípio e quando comecei a pensar nisso, cheguei neles dois. E como eu é que eu ia trabalhar com dois produtores que não se conheciam? Mas deu muito certo, alquimia pura, e hoje eles produzem outros artistas juntos, viraram super amigos.”

Mesmo sem rumos e repertório definidos, ela sabe que quer ir além do primeiro álbum, sem apenas repeti-lo. “Já fiz muita coisa importante e tô com vontade de cantar outras coisas, de experimentar outras sonoridades e musicalidades, mas eu sofro. Tenho umas crises de ansiedade, mas tô trabalhando nisso, me cercando de amor e de carinho e das pessoas que eu gosto”, conta. “Minha dificuldade agora é reorganizar, praticamente dar um reset na minha vida pra ficar completamente à disposição desse trabalho. Como eu virei meu próprio parâmetro, meu maior desafio agora é conseguir fazer um trabalho que seja um próximo capítulo mesmo. O Pipo voltou a tocar, fez seu disco novo, o Lou lançou o projeto dele, todo mundo já mudou muito. Tenho certeza que não vai ser igual, a gente escuta uma coisa diferente e manda um pro outro. É outra atmosfera, já atualizamos nossos aplicativos.”

Ela faz mistério sobre os rumos do próximo trabalho, embora afirme que queira trabalhar com menos músicos (foram quase 30 no disco de estreia) e ter flexibilidade para gravar em outros estúdios, fora de São Paulo. “O projeto do disco se chama ‘a natureza das coisas’ que é um conceito bem abrangente mas que é muito pautado no lado feminino da natureza, pois sem o feminino nada se cria, nada acontece sem a energia feminina. Tô vivendo uma atmosfera que é minha relação com a natureza, de perceber a natureza como parte de mim e que eu também faço parte dela, deixar a natureza se manifestar.”

Insisto sobre os temas que ela quer abordar no próximo álbum, uma vez que o primeiro era muito calcado no tema da diáspora africana. “Fico escrevendo palavras soltas baseadas no que eu gostaria de dizer no próximo disco. Me transformei muito, eu tô muito ligada em existencialismo, em astrologia e espiritualidade. De me perceber como mais do que uma entertainer ou uma artista que está em cima do palco, mas como uma pessoa que tá trocando experiências com pessoas que saem de suas casas pra ver a gente tocar. Alguns momentos do show são muito focados nessa troca, de como a gente se percebe como entidades espirituais, como pessoas que estão no mundo para fazer a diferença, para melhorar como pessoa, como espírito.”

“E ao longo desses dois anos eu comecei a estudar mais sobre autoentendimento, autorresponsabilidade, lendo livros, vendo filmes, fazendo terapias, pra poder me distituir de certos traumas que ainda estão na minha vida – e que estão muito aparentes no meu primeiro disco”, ela prossegue, convicta. “Quero passar de fase, mas para isso preciso curar, olhar pra isso, tratar com compaixão, carinho, amor esses traumas. Traumas da vida, a respeito da minha ancestralidade preta, da minha presença como mulher no mundo, da minha vida infantil, coisas emocionais que uma boa pisciana consegue trabalhar direitinho, se jogar bem no buraco. Emocionalmente eu sempre fui uma pessoa muito frágil e o meu primeiro disco me deu um certo lastro, eu pude abordar coisas no primeiro disco que me fizeram colocar alguns monstrinhos na mesa pra trocar uma ideia com eles. E ao longo desse período na estrada, pude ir trabalhando isso no palco, com as pessoas, com o público, com a minha equipe, com meus músicos. Tenho certeza que não sou aquela mesma pessoa do primeiro disco, já passei por um portal e estou me preparando pra passar por outro. Ainda estou elocubrando muitas coisas, mas já tive boas conversas com pessoas próximas a mim e sinto que é uma mudança de fase.”

Ela cita a força de músicas como “Pra Que Me Chamas?” e “Reach the Stars” como fundamentais nessa autodescoberta. “’Pra Que Me Chamas?”’ que é a primeira música do disco é um monstro, é uma música difícil, letra difícil, e eu chego em qualquer lugar e as pessoas cantam de cabo a rabo. Cantei no carnaval da Bahia em 2018 e as pessoas cantavam essa música no carnaval, eu tava em choque. Já ‘Reach the Stars’ quase não entrou por ser em inglês, mas a minha resposta é que eu gosto muito dela e ela faz sentido pra mim. E no show, ela é o meu portal espiritual: todo mundo fecha os olhos e se conectam com quem elas são, eu abro os olhos e elas estão chorando, recebo relatos nas minhas redes sociais sobre o momento dessa música. Então, de fato, o repertório do disco e a força do show tomaram outra dimensão, Esse é o meu objetivo, porque eu tô aprendendo a ser eu através do meu trabalho, o meu processo de autoconhecimento passa pelo meu trabalho, ele funciona como uma ferramenta pra que eu cresça e me torne uma pessoa melhor. Talvez eu já tivesse essa consciência, mas não tinha a dimensão no que ele poderia se transformar.”

Ela voltou de sua turnê pelos EUA no início do ano e apresentou-se no Sesc Pinheiros, em São Paulo, e numa festa do músico Max Viana, filho de Djavan (“um DNA que eu amo muito”, ri, sem saber se o pai de Max, um de seus ídolos máximos, já ouviu seu disco), no Rio de Janeiro e começa a trabalhar no novo disco ainda em fevereiro, quando vê também o lançamento do disco do projeto Acorda Amor, idealizado pela jornalista Roberta Martinelli e pelo produtor e baterista do grupo Bixiga 70 Décio 7, ao lado das cantoras Maria Gadu, Letrux, Luedji Luna e Liniker. E isso apenas no início do ano. 2020 promete!

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