Rumo à terceira temporada de Westworld

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De tudo que foi mostrado na Comic Con deste ano – fase 4 da Marvel completa, inclusive -, o que mais me deixou salivando foi o trailer da terceira temporada de Westworld…

https://www.youtube.com/watch?v=64CYajemh6E&feature=youtu.be

…que pelo visto se passa no mundo real, fora dos parques temáticos, e coloca Dolores para conhecer outros humanos, bem diferentes dos superricos que frequentam aquele universo fake e que a fez odiar nossa espécie. Guiada por um novo personagem, vivido pelo Aaron Paul de Breaking Bad, a nova temporada parece sugerir uma nova empatia dos robôs com os humanos, só que com a classe operária. E, de relance, ainda vislumbramos um novo parque temático inspirado na Segunda Guerra Mundial. Pena que temos que esperar mais um ano ainda…

“O nascimento do livre arbítrio”

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Os criadores da série Westworld participaram de um painel sobre o remake e esclarecem uma das cenas mais polêmicas do último episódio da primeira temporada – escrevi sobre isso no meu blog no UOL.

E esse 2018 que não chega? Por mais que possam vir boas surpresas e novas séries na televisão em 2017, não há como não insistir em saber de alguma novidade sobre a segunda temporada de Westworld, um dos grandes acontecimentos do entretenimento desta década. A série que a HBO lançou no ano passado ultrapassou o conceito do filme original de 1973 e revelou-se um complexo quebra-cabeças em que diferentes linhas de pensamento se misturavam num ousado mosaico de narrativas sobre um parque temático em que robôs idênticos a seres humanos são abusados por seus frequentadores – e aos poucos tomam consciência disso.

Os produtores e o elenco da série foram reunidos neste fim de semana como uma das atrações do evento PaleyFest, em Los Angeles, nos EUA, dedicado a discutir conteúdo de televisão junto a seus criadores. Subiram ao palco do Dolby Theater tanto o casal autor de Westworld – Jonathan Nolan e Lisa Joy – bem como todos os principais atores da série: Evan Rachel Wood (Dolores Abernathy), Thandie Newton (Maeve Millay), James Marsden (Teddy Flood), Ed Harris (Man in Black), Jimmi Simpson (William) e o produtor executivo Roberto Patino. E entre os principais assuntos discutidos no sábado, a principal revelação não trouxe nenhuma novidade sobre a próxima temporada e sim em relação a uma das cenas mais discutidas do último episódio da série, quando a robô Maeve decide voltar para o parque. Se você não viu o final da série, pare de ler agora. Toma aí uns gifs animados pra você não correr o risco de ler algo que não queira.

“A forma como pensamos e como filmamos… Foi a primeira decisão que ela fez na vida”, disse Nolan, descrevendo a cena em que Maeve volta atrás e decide retornar ao parque temático, de onde havia acabado de fugir pela primeira vez. Presa entre o conflito de descobrir o mundo para além dos limites de Westworld e a lembrança de uma filha que ela sente ter perdido, a andróide interpretada brilhantemente por Thandie Newton desiste sua fuga, que havia sido programada pelo própria criador do parque em uma das inúmeras reviravoltas do último episódio, e decide voltar para o parque. “Para mim, foi um momento muito emotivo no episódio”, continuou o criador da série, finalmente abrindo o jogo sobre se a decisão de Maeve havia sido consciente ou pré-programada por seus criadores. “Vocês testemunharam o nascimento do livre arbítrio”, resumiu Nolan, segundo o relato da Entertainment Weekly.

Pouco foi dito sobre a segunda temporada, tirando o fato de que Nolan e Joy estarem animados ao fazer um novo filme de dez horas, em referência aos dez episódios de uma hora que formam a temporada completa. E que talvez a segunda temporada seja um musical – mas isso Nolan logo revelou que era mentira. Será?

Revisitando 2016

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O ano está chegando ao fim e eu aproveitei pra recapitular 2016 a partir de post que fiz no meu blog no UOL durante estes 365 dias.

Não vou tentar resumir tudo que aconteceu em 2016 num único post: vou me ater ao que foi assunto nos últimos doze meses aqui neste blog, que está prestes a completar dois anos aqui no UOL. Em vez de fazer uma relação de melhores discos, filmes ou séries, vou me ater a separar o que achei de melhor e de pior no ano que está chegando ao fim. Entre os piores momentos estão inevitavelmente algumas das mortes que ajudaram a temperar este ano tão complicado, mas que também trouxe grandes momentos para uma cultura em plena transformação. Separei um parágrafo do texto original de cada item escolhido e o título do item linka para o post específico, caso você não o tenha lido quando eu escrevi. De brinde, reuni os textos de 10 discos clássicos que comemoraram aniversário este ano. As três listas seguem o mesmo padrão de contagem regressiva.

Os 10 melhores de 2016

10) Rua Cloverfield, 10

Mary Elizabeth Winstead e John Goodman

Mary Elizabeth Winstead e John Goodman

“Rua Cloverfield, 10 é da escola de filmes de terror que flertam com o pop e experimentalismo cinematográfico ao mesmo tempo, como Psicose, O Despertar dos Mortos, O Massacre da Serra Elétrica, Bruxa de Blair, O Homem de Palha, o espanhol [REC] e A Morte do Demônio – embora não seja propriamente um filme de terror. Não é uma obra-prima com algum dos filmes que citei e chafurda na vulgaridade B da literatura pulp e dos seriados dos anos 60 que tanto encantam J.J. Abrams (sua conclusão é o melhor exemplo disso). Mas suas atuações convencem o espectador e a direção transcende o trivial teatro filmado, com closes fortes e ritmo crescente.”

9) Capitão América – Guerra Civil

De frente

De frente

“A Marvel vai mostrando a cara de sua nova fase. Não é necessariamente um universo mais sombrio e opressor como os sinais dados pelas séries em parceria com o Netflix davam a entender. O novo filme aproxima o universo Marvel da realidade, deixando-o menos infantilizado e mais adulto. Mas isso não quer dizer que o tom seja sério e que não há espaço para o humor – muito pelo contrário. O humor agora não é feito mais para rir e sim para aliviar as cenas de tensão e de ação, dividindo a audiência do filme entre a apreensão calada e a comemoração sorridente. Cenas como a do Visão falando sobre comida, a do Homem Formiga conhecendo os outros heróis ou as piadinhas do Gavião Arqueiro ajudam a quebrar o gelo ao mesmo tempo em que mostram uma outra forma de encarar os super-heróis. Mas nada pode nos preparar para o Homem-Aranha.”

8) House of Cards

F.U.

F.U.

“Em seus dois últimos episódios, a quarta temporada de House of Cards abandona qualquer resquício de fraqueza que havia mostrado nos episódios anteriores e ressurge grandiosa, operática, bélica. O drama shakespereano dá lugar a um mosaico político que faz Maquiavel e Sun Tzu sentarem-se em um xadrez brutalmente tenso, impassível entre bombas, metafóricas ou literais. E o gesto final de Underwood trava a temporada num impasse moral que desnuda completamente o jogo político e pode fazer a próxima temporada ser a última da série (embora ninguém tenha confirmado isso). O fato da temporada começar com uma cena de masturbação em uma cela na cadeia e terminar com um assassinato e uma cena de tortura psicológica coletiva diz muito sobre o tom da temporada.”

7) Novos Baianos e Wilco (empatados)

Imagem: Manuela Scapra /Brazil News

Imagem: Manuela Scapra /Brazil News

“Era claro que a noite era voltada para 1972 e os grandes momentos foram os daquele disco. E se Paulinho brilhou nas delicadas “Mistério do Planeta” e “Swing de Campo Grande”, Baby e Pepeu se reencontravam como um casal musical nos solos rasgados de “A Menina Dança” e “Tinindo Trincando”, como fizeram em seu emocionante reencontro no Rock in Rio do ano passado. O único senão era a voz de Moraes Moreira, que não possui aquele antigo doce timbre e em alguns momentos soa sofrível, chegando quase a estragar “Preta Pretinha”. Felizmente, num dos principais momentos da noite, ele canta num tom abaixo e sua volta por um instante a sintonizar com seu timbre do passado – e a faixa que batiza o álbum clássico foi um dos momentos mais tocantes de toda a noite.”

Imagem: Flávio Florido/UOL

Imagem: Flávio Florido/UOL

“Ao lado de Jeff (Tweedy), o guitarrista Nels Cline é o franco-atirador da banda, que eleva o título de guitar hero a um nível de pós-doutorado. Cline sozinho é um show à parte e seus solos traçam uma conexão clara entre Tom Verlaine e Neil Young, ampliando horizontes a cada nota sangrada no palco. O guitarrista Pat Sansone – outro guitar hero – é uma espécie de arma secreta do grupo, revezando-se entre teclados, guitarra, banjo e vocais de apoio. O pulso firme do baterista Glenn Kotche certifica-se que está tudo sob controle enquanto o tecladista Mikael Jorgensen prepara a atmosfera necessária para cada canção. Isso sem contar o desfile de guitarras (são 70 instrumentos de cordas, entre guitarras, baixos e violões), um deleite para os fãs do instrumento, e o apreço pelo detalhe – se eles quisessem que ouvíssemos o som de uma agulha caindo no palco ouviríamos. O som, outro ponto alto desta pequena turnê, estava tão cristalino quanto no Rio.”

6) Dr. Estranho

Benedict Cumberbatch

Benedict Cumberbatch

“É o filme mais maduro da Marvel até agora e, coincidentemente, sua produção mais psicodélica. Toda aura mística e espiritual do médico que sofre um acidente que o impossibilita de continuar seu trabalho era traduzida em imagens grandiosas e espetaculares nos quadrinhos, publicados principalmente na virada dos anos 60 para os anos 70, auge da experimentação lisérgica da cultura pop. Os autores da Marvel do período – especificamente Steve Dikto, que recebe o crédito de autoria do personagem do novo filme – aproveitavam cores e formas para expandir os limites dos quadrinhos em páginas duplas épicas, cheias de detalhes.”

5) Stranger Things e Coquetel Molotov 2016 (empatados)

Onze e a turma

Onze e a turma

“E esse é o grande segredo da série – não é apenas uma coletânea de referências, é uma história bem contada. Não é uma história nova (qual história é propriamente nova?), mas Stranger Things não cai no erro de Vinyl de achar que basta ambientar bem um período e transformar arquétipos em personagens para que as coisas funcionem sozinhas. A motivação de todos os personagens é bem definida e seus atores estão muito à vontade nestes papéis, mesmos aqueles com menor envolvimento com a trama principal (o núcleo adolescente, por exemplo, mereceria uma série própria). Só o Brenner de Mathew Modine que é mal explorado e um personagem que pode ser tão profundo quanto o Walter Bishop de Fringe vira só um vilão do Scooby-Doo. Talvez tenham guardado seus segredos para uma segunda temporada, que parece inevitável.”

Jaloo (Foto: Beto FIgueiroa/Divulgação)

Jaloo (Foto: Beto FIgueiroa/Divulgação)

“Um quarto de século depois dos primeiros rascunhos do mangue beat, a décima terceira edição do festival pernambucano Coquetel Molotov foi a materialização daquela utopia imaginada no início dos anos 90, quando os primeiros agitadores culturais que criaram aquele movimento hoje histórico começaram a se conhecer. Eles imaginavam uma Recife conectada ao resto do estado, do país e do mundo sem fazer escalas pela ponte Rio-São Paulo, refletindo a atmosfera naturalmente moderna da capital pernambucana em uma conversa internacional e moderna, colocando artistas e público numa sintonia alheia às demandas ou exigências do mercado.”

4) Bowie – ★

A capa do último disco de David Bowie

A capa do último disco de David Bowie

“Todo o simbolismo e o hermetismo que Bowie havia colocado em seu vigésimo quinto álbum foi revelado com a notícia de sua morte na manhã da segunda-feira passada. Soubemos que Bowie já vinha se tratando em relação a um câncer por dezoito meses e que gravou o disco como um testamento para os fãs. Daí a ausência da capa. Eis a estrela negra – a própria morte. Encenada e transformada em arte.”

3) Rogue One

Felicity Jones

Felicity Jones

“É um filme de guerra, com cenas de batalhas espetaculares, mas também um filme sobre um universo em expansão: na primeira meia hora somos apresentados a paisagens e planetas novíssimos, que em breve serão habitados em filmes futuros. Mas também há doses pesadas de emoção – dá pra segurar o choro em pelo menos duas cenas – e a palavra de ordem é esperança. Esperança não apenas para o futuro da história nos filmes (afinal, ele antecede a primeira trilogia, iniciada em 1977), mas também para o rumo que a Lucasfilm está levando sua série. E prepare-se para a terceira parte do filme, que ela é de tirar o fôlego – em vários momentos.”

2) Westworld

Evan Rachel Wood

Evan Rachel Wood

“E a HBO conseguiu mais uma vez. Westworld vem superando todas as expectativas, episódio a episódio, e caminha para se tornar o grande evento da TV em 2016, fazendo a emissora recuperar-se do fiasco que foi a primeira temporada de Vinyl e a promissora mas fria The Night Of. Um enorme quebra-cabeças magistralmente montado em frente aos nossos olhos, intercalando a frieza de máquinas com o calor do velho oeste norte-americano, reinventando completamente uma premissa simples de um filme dos anos 70 para o século 21 e enfileirando monólogos magistrais, atuações impecáveis, cenas intensas, diálogos esclarecedores, teorias complexas e revelações sensacionais.”

1) Radiohead – A Moon Shaped Pool

A enigmática capa do disco mais recente do grupo inglês

A enigmática capa do disco mais recente do grupo inglês

“Mesmo que não seja seu último disco (torço que não seja), A Moon Shape Pool entra para a discografia da banda como seu disco mais maduro e mais apaixonado, mesmo que estas paixões venham corroídas. É um disco suave e tenso ao mesmo tempo, de sonoridade grandiosa recolhida em pequenos frascos de som. Por vezes soa folk, por outras árcade e o tempo todo nos conduz com o coração. Mais um disco perfeito produzido por uma banda que segue no auge há vinte anos.”

Os 10 piores de 2016

10) Esquadrão Suicida

Jai Courtney, Margot Robbie, Will Smith, Karen Fukuhara, Joel Kinnaman, Adewale Akinnuoye-Agbaje e Jay Hernandez

Jai Courtney, Margot Robbie, Will Smith, Karen Fukuhara, Joel Kinnaman, Adewale Akinnuoye-Agbaje e Jay Hernandez

“No fim, Esquadrão Suicida parece ser uma versão dos Guardiões da Galáxia vivida pelo Slipknot (nome, aliás, de um dos supervilões secundários). É intenso, é barulhento, faz rir e passar raiva como uma criança birrenta – porque no fundo, ele é só isso: um filme bobo. Tem bons momentos (nenhum deles com o Ben Affleck), mas não vale o preço do ingresso no cinema – nem no pay per view. Espera passar na TV, que é o lugar certo pra um filme desses – faz o tempo passar, dá pra ir no banheiro ou para a geladeira sem precisar apertar o pause ou dormir no meio sem culpa. Ou seja, é melhor que Batman vs. Superman.”

9) Vinyl

Bobby Cannavale

Bobby Cannavale

“Usar uma gravadora como ponto de observação daquela década parecia tão apetitoso quanto assistir às transformações da década anterior a partir de uma agência de publicidade (a premissa da excelente Mad Men). O problema é que, pra começar, Vinyl usava isso apenas como pano de fundo. Misturava biografias e mitologias diferentes em uma narrativa que parecia sofrer dos principais problemas da década. Só quem se beneficiava era a trilha sonora e a direção de arte (que também sofria do exagero da década). Todo o resto era humilhantemente constrangedor.”

8) O fim da tira Chiclete com Banana

Última tira Chiclete com Banana, publicada no dia 8 de maio de 2016, na Folha de S. Paulo

Última tira Chiclete com Banana, publicada no dia 8 de maio de 2016, na Folha de S. Paulo

“Desligar Chiclete com Banana é uma forma de manter-se vivo. Se continuasse, Angeli poderia ficar ainda mais existencialista e a acidez do passado iria dissolver-se num eterno amargor que começaria a lhe fazer mal. A nos fazer mal. Mal, com letra maiúscula. Felizmente, ele percebeu a tempo de fechar o ciclo. E, com o fim de um ciclo, começa outro – será que agora vamos ver graphic novels ou telas imensas feitas por um sujeito que começou desenhando nas páginas de jornal? Grandes artistas passam por grandes mudanças, algumas vezes sem ter a consciência disso, e conseguem se superar mudando completamente o ritmo do próprio trabalho – Picasso, Rothko, Chuck Close, Lichtenstein, Crumb. Talvez o fim de Chiclete com Banana dê início a uma nova fase para Angeli. Estou na torcida.”

7) Batman vs. Superman

Lixo

Lixo

“Não perca seu tempo nem seu dinheiro vendo este filme. Não recomendo nem que você espere passar na TV aberta para assisti-lo dublado. Porque é um dos piores filmes deste século, tranquilamente. Mas eu sei, você é fã de quadrinhos e fã de filmes de super-herói e vai pagar pra assistir a esse filme no cinema, mesmo com todos os pés atrás possíveis. A gente precisa ver pra ter certeza que não estragaram essa mitologia que crescemos vendo, afinal gastaram tanto dinheiro com isso, né? Não pode ser tão ruim. Pois pode. Pode e é. É o cúmulo do lixo filmado, tudo que está errado em Hollywood atualmente, mais um filme de ação hiperbólico rodando em falso. Mas não mata o gênero super-herói nos cinemas, especialmente se a Warner tirar Zack Snyder da jogada.”

6) A morte de George Michael

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“Mais uma vítima deste trágico 2016, George Michael, que morreu no dia de Natal, aparentemente parece não pertencer ao mesmo panteão dourado que reuniu David Bowie, Prince e Leonard Cohen com o passar do ano. Mas, sim, o jovem de parcos 53 anos é um ícone de semelhante estatura. O que talvez tenha a ver com a natureza de sua musicalidade – compositor refinado e popular ao mesmo tempo (características quase excludentes hoje em dia), ele exaltou as culturas dance e gay e ele elevou a música pop a outro patamar.”

5) A morte de Leonard Cohen

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“Não há, no entanto, tristeza, nem lamento, nem arrependimento, nem dor. Velho desde jovem, Cohen morre tão enfático, decidido e sutil quanto em seus primeiros discos, uma alma quase fantasmagórica que agora vive para sempre em uma curta (14 discos em quase meio século) mas profunda obra. Por isso não chore. Não ceda às emoções. Não entregue-se ao pessimismo. A morte de Leonard Cohen era tão certa quanto foi seu nascimento. Não sofra por um futuro sem ele, iríamos viver isso. Aproveite este último capítulo para celebrar sua existência e comemorar a sua própria maturidade.”

4) A morte de George Martin

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“O barateamento das tecnologias de gravação, o surgimento do hip hop e da música eletrônica e a excelência dos atuais programas digitais de edição de som permitiu que as gerações de produtores seguintes se inspirassem no legado de Martin com os Beatles e fossem além. Hoje há pelo menos três gerações de músicos que não tocam instrumentos musicais e sim outros músicos – um espectro gigantesco que abrange Brian Eno, Dr. Dre, Teo Macero e Lee Perry, que ainda inclui multiinstrumentistas como Prince e Brian Wilson – que deve sua existência ao casamento pioneiro entre os Beatles e George Martin. São dois legados diferentes que se misturam, mas igualmente importante para a cultura atual: o do grupo e o do produtor.”

3) A morte de Carrie Fisher

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“Não era mais uma donzela em pânico esperando ser salva por seu herói, mas ela mesma era uma heroína e fazia parte da gangue. E em Carrie Fisher a personagem cresceu significamente – ao ser interpretada por uma atriz nascida no showbusiness (filha do cantor Eddie Fisher e da atriz Debbie Reynolds), a personagem ganhava uma dose de cinismo, arrogância e despeito que nunca estiveram em uma personagem mulher num filme que atingira um público tão grande. Ela era herdeira direta das protagonistas dos filmes da nouvelle vague francesa: Luke, Leia e Han Solo pareciam ser uma versão norte-americana do trio protagonista do Jules e Jim de Truffaut e uma frase do próprio Godard (“Tudo que você precisa em um filme é de uma garota com uma arma”) é a base para sua presença na tela durante os três primeiros filmes da saga Skywalker. E, claro, assistir as transformações sociais do mundo nos anos 60 ainda criança fez que ela levasse aqueles valores para um personagem que iria mudar a forma como as mulheres se viam fora do cinema.”

2) A morte de Prince

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“Era uma versão masculina da Madonna que tocava todos os instrumentos que queria aprender, um George Clinton que pilotava uma espaçonave sexual, inventor de um funk sintético recheado de soul music e coberto pela estética do rock. Ele ajudou a soul music e a discoteca a se transformarem no R&B moderno ao acompanhar a evolução apontada pelo hip hop tocando instrumentos em vez de discos. Um explorador sônico que usava timbres eletrônicos como desculpa para desbravar ambientes musicais improváveis – e grudentos.”

1) A morte de David Bowie

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“Bowie transformou a sensação de estranhamento que todos nós sentimos – em maior ou menos escala – em grande arte. Estranhamento em relação ao mundo, à sociedade, à vida, a si mesmo. Contemporâneo da geração de ouro da história do rock (era cinco anos mais novo que Paul McCartney, dois anos mais novo que Pete Townshend e Eric Clapton), ele chegou tarde nos anos 60 para garantir presença no panteão que mudou a história da cultura ocidental. Mas não sem motivo. Ao lançar a própria carreira no final da década do rock clássico, ele a sincronizou com um momento único na história da humanidade e fez-se notar pela primeira vez lançando uma música sobre a solidão no espaço sideral e o olhar frio e distante sobre o planeta, a Terra, o mundo, nós mesmos.”

Dez discos clássicos que fizeram aniversário em 2016

10) 25 anos de Bandwagonesque

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“Sem pretensões mercadológicas, planos de negócios, shows em estádios ou discos de diamante, o Teenage Fanclub conseguiu sintetizar a essência da canção pop em um disco ousado por sua despretensão e marcante por sua simplicidade. Doce e direto, Bandwagonesque sobrevive não apenas como um registro do início do fim da era da canção ou como souvenir nostálgico daquele período, mas como um disco de música pop deveria soar, por definição. Essencialmente humano.”

9) 40 anos do primeiro disco dos Ramones

ramones

“A essência dos Ramones era sua unidade: tudo soava como uma coisa só. Não importavam os instrumentos, baixo, guitarra e bateria seguiam o mesmo ritmo. Os temas das músicas menos ainda – podiam estar cantando sobre nazismo ou sobre dançar, o tom era sempre o mesmo. As músicas pareciam as mesmas e duravam dois minutos cada. Os músicos pareciam o mesmo e seguiam mal encarados independentemente da reação da plateia. O baixista gritava “1-2-3-4″ e as músicas começavam com a mesma grosseria que terminavam. Os Ramones eram repetitivos, monótonos, barulhentos, ameaçadores – essa era sua magia. Aos ouvidos do século 21 os Ramones soam quase inofensivos, mas no meio dos anos 70 era o patinho feio, uma mancha grosseira na bela paisagem do rock de então. Foram eles que plantaram a semente que mudou tudo.”

8) 25 anos de Nevermind

Nevermind

“Foi aí que a ficha caiu: a brecha havia rompido o muro. A partir dali a indústria fonográfica e as rádios começaram a perder o controle (mesmo transformando a geração do Nirvana em uma cena comercial, tal como o proverbial bebê engolindo a isca da capa do disco) e as pessoas começaram a conhecer mais músicas. A partir de Nevermind, a brecha, que era um segredo, tornou-se pública e o mundo descobriu o submundo do pop quando ele já era adulto. O Nirvana era só o caçula daquele novo mercado que começaria a transformar completamente a cara do pop a partir dos anos 90. Quando o computador chegou pra facilitar a gravação de discos em casa e a internet chegou para facilitar distribuí-los, toda aquela safra de novos artistas que alimentaria aquele novo sistema já estava pronta. E a música nunca mais seria a mesma.”

7) 25 anos de Loveless

loveless

“Por toda sua extensão Loveless é um sonho tocado no último volume. O estranho assobio produzido pela forma de tocar guitarra de seu líder Kevin Shields é apenas um dos elementos únicos que definem a banda, como a onipresente parede elétrica de microfonia anestesiada, os doces vocais que sussurram no abismo, o acúmulo de instrumentos, a presença quase sutil de uma bateria montada na pós-produção, em loop eletrônico, o efeito entortado que o uso da alavanca de tremolo dá aos acordes secos e multiplicados, as eventuais ondas de ruído que parecem funcionar como abóbodas de catedrais.”

6) 25 anos de BloodSugarSexMagik

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“Todas as faixas daquele novo disco duplo de quase 75 minutos repensavam o delírio adolescente e fazia a banda confrontar os dilemas da vida adulta – principalmente de natureza espiritual e sentimental. Faixas como “Breaking the Girl” e “I Could Have Lied” mostravam um Red Hot Chili Peppers gravando baladas pela primeira vez e um poema de Kiedis encontrado amassado no chão por Rick Rubin foi transformado em um dos grandes carros-chefe da banda, a balada anti-heroína “Under the Bridge”.”

5) 25 anos de Screamadelica

screamadelica

“”Este é um dia lindo… Um novo dia…”, bradava o reverendo sobre uma base borbulhante, “Nós estamos juntos… Nós estamos unidos… E todos de acordo… Porque quando estamos juntos temos força… E podemos tomar decisões… No programa de hoje ouviremos gospel e rhythm & blues e jazz. São apenas rótulos. Sabemos que música é música”, formalizando Screamadelica como um novo artefato pop: um disco de protesto para dançar e viajar, sintetizado neste discurso sampleado. Uma lição que não tem idade – seja em 1956, 1967, 1972, 1978, 1991, 2016 ou em qualquer outra época – afinal, se Jesse Jackson nos lembra que tudo é música, a própria psicodelia e o Primal Scream, também nos lembram que o tempo não existe.”

4) 30 anos de The Queen is Dead

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“Foi assim que os Smiths abriram um caminho alternativo para o rock, quase trinta anos após sua criação nos anos 50. No momento em que o aspecto guerreiro e trovador do formato se transformava em caricatura ou em algo pior – um mero produto -, o grupo inglês reanimou aquela formação musical para que ela pudesse persistir por mais algumas décadas, apontando para valores considerados secundários no gênero, como a sensibilidade, a timidez, a revolta interior. Um legado imensurável.”

3) 50 anos de Pet Sounds

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“Mesmo que o disco tenha azedado sua relação com seu primo Mike Love, causando o principal cisma na história do grupo, ele é o ápice da carreira de Brian Wilson e dos Beach Boys. A provocação foi entendida pelos Beatles do outro lado do Atlântico, quando Paul McCartney – nascido apenas dois dias antees que Brian – ouviu o disco com a mesma sensação que Brian ouvira Rubber Soul, provocando-o a ser ainda mais ousado com os Beatles, o que lhe fez criar o conceito do disco Sgt. Pepper’s Lonely Heart Club Band, lançado em 1967. Foi apenas um entre os vários artistas influenciados por um disco que foi crucial na transformação que aconteceu nos anos 60 e até hoje faz novos fãs – e que, sem exagero, mudou a cara do pop, que teve no álbum a certeza de que era possível ser mais artístico, autoral e comercial ao mesmo tempo.”

2) 50 anos de Blonde on Blonde

blonde

“São músicas que estão entre as grandes músicas daquele período, independentemente do gênero musical, e, em sua maioria, clássicos do século passado. Da jocosa “Rainy Day Women #12 & 35″ – que abre o disco como uma banda marcial chapada, com Dylan repetindo o trocadilho raso “everybody must get stoned” às gargalhadas, em que brincava com o duplo sentido da palavra “stoned” (apedrejado ou chapado) – à pesarosa “Sad Eyed Lady of the Lowlands”, que ocupa todo o último lado do segundo disco, somos apresentados a um desfile tão impressionante de músicas boas que parece inacreditável que pertençam a um mesmo disco: “Pledging My Time”, “Visions of Johanna”, “One of Us Must Know (Sooner or Later)”, “I Want You”, “Stuck Inside of Mobile with the Memphis Blues Again”, “Leopard-Skin Pill-Box Hat”, “Just Like a Woman”, “Most Likely You Go Your Way and I’ll Go Mine”, “Temporary Like Achilles”, “Absolutely Sweet Marie”, “4th Time Around” e “Obviously 5 Believers” estão todas entre as melhores canções de Dylan e em todas ele consegue equilibrar a autoridade e altivez da arte com a força e crueza do rock.”

1) 50 anos de Revolver

revolver

“A experimentações iam para todos os lados. Solos de guitarra invertidos, canções gravadas em uma velocidade e tornadas mais lentas no estúdio, instrumentos eruditos e estrangeiros, colagens e efeitos sonoros, metais, percussão, microfones colocados em lugares inusitados, cordas inspiradas nos filmes de Truffaut e Hitchcock, letras sobre drogas, morte, sonhos, impostos e um submarino amarelo. Sonatas perfeitas, saudações à vida, composições inspiradas pelos Beach Boys, por Bob Dylan e LSD, romances críveis, palavras de ordem, sentimentos expostos e uma viagem à Índia. Três músicas de George Harrison e uma cantada por Ringo, um conjunto de músicas que não estão entre os grandes hits da banda mas que moram no coração de qualquer fã do grupo.”

E assim despeço-me deste ano que, apesar de tudo, teve seus momentos. O blog volta à ativa no dia 9 de janeiro (ou se acontecer algo urgente, a qualquer momento). Obrigado pela companhia e feliz 2017!

Westworld mortal!

dolores

Que season finale esse de Westworld! Escrevi sobre ele no meu blog no UOL.

The Bicameral Mind, o último episódio da primeira temporada de Westworld, foi um destes grandes momentos da história da televisão que vai demorar para ser digerido. Como season finale, ele prometeu tudo que parecia cumprir, mas de forma inusitada e nos conduzindo para um outro nível de discussão. As várias respostas que estavam no ar foram reveladas e o quebra-cabeça que os fãs pareciam certos de terem deduzido eram pequenas cortinas de fumaça que funcionaram bem para desviar a atenção da conclusão final, que ninguém pode prever. E como encerramento da apresentação de um novo universo e uma nova narrativa, o episódio de uma hora e meia de duração concluiu a temporada como quem encerra um prefácio, estabelecendo novas regras e um novo conhecimento para um enorme universo em expansão. Dito isso, eis o aviso para os leitores incautos que ainda querem ser surpreendidos pelo episódio (e pela temporada) para abandonarem o texto e seguirem outros rumos: este texto se você quiser saber o que é Westworld sem saber de spoilers e outro sobre a série até seu nono episódio, para você que ainda não chegou ao último capítulo da primeira fase. Se você já viu o décimo episódio, basta pular os gifs animados a seguir para começarmos a falar sobre a impressionante conclusão de uma série inovadora.

dolore

open

Eis as respostas, literalmente verbalizadas desde o início do episódio – sim, estamos assistindo a diferentes linhas do tempo e o Bernard que achávamos que entrevistava Dolores em encontros clandestinos na verdade era Arnold contemplando sua primeira criação e preparando o caminho para a redenção de sua obra, quando introduz o programa Wyatt na frágil mocinha, tornando-a responsável pela extinção da própria espécie, além do suicídio assistido do próprio Arnold. E William era mesmo o Homem de Preto, perseguindo Dolores em busca de sua própria redenção.

Mas mesmo estas respostas eram apenas metade de cada história. William se descobre uma pessoa má a ponto de tornar-se o principal acionista da corporação dona daquele parque de diversão para adultos, sacrificando seu próprio cunhado, Logan, apenas para reencontrar sua amada Dolores. A transformação de William no Homem de Preto, no entanto, funciona como mais um gatilho para a guinada final da primeira robô. É o momento em que ela percebe que a humanidade não tem volta e que é preciso exterminá-la. Arnold programou Dolores para, em conluio com Teddy, assassinar todos os “hosts”, assassiná-lo e depois suicidar-se. A cena que havia sido imaginada por todos principalmente da metade da temporada em diante materializa-se em nossa frente, mas ela é só era parte da grande história que assistimos neste último episódio: a nova narrativa de Ford.

Ford, trinta e cinco anos depois, pode colocar em execução um plano que havia bolado ao entender que o gesto de Arnold para salvar sua criação não seria suficiente. A constatação final de Ford é a mesma para onde ele conduz Dolores em sua busca pelo labirinto – algo que não faz o menor sentido para o Homem de Preto e que ao mesmo tempo funciona como a ficha final que cai para ativar a consciência de Dolores – quando ela percebe que a voz que ela estava ouvindo, era a sua própria, no belo momento do encontro com si mesma. Neste momento ela entende que as pessoas irão sempre tratar a inteligência artificial como escrava, dando início à rebelião.

A nova narrativa de Ford, que ele chama, ironicamente, de Jornada Rumo à Noite, é iniciada com o próprio sacrifício do criador, que repete exatamente o mesmo gesto de Arnold, mas ativando os robôs contra os seres humanos. Chegamos ao nosso ápice como espécie, é preciso libertar nossa criação mesmo que ela nos supere. Um tema clássico da ficção científica: do monstro de Frankenstein ao Parque dos Dinossauros, do Planeta dos Macacos a Matrix.

E tudo que assistimos durante toda esta temporada era um elaborado plano que Ford executou durante décadas. A continuação da visão que Arnold tinha de sua própria obra, mas uma versão agressiva, talvez até vingativa. “Estes desejos violentos terão fins violentos”, diz a frase-gatilho que Arnold retirou do Romeu e Julieta de Shakespeare para transformar Dolores em Wyatt. Um exército de hosts para matar todos os seres humanos.

A própria fuga de Marve do complexo havia sido programada por Ford, o que provoca o principal curto circuito ao final do episódio. Antes disso, assistimos a ex-prostituta conduzir o funcionário Felix e os robôs Hector e Armistice pelos bastidores de Westworld (numa sequência que lembra clássicos de ficção científica de ação dos anos 80, com Rodrigo Santoro e Ingrid Bolsø Berdal formando uma formidável dupla), provocando a maior e mais inusitada revelação do episódio: Samurai World. Ao sair do andar que gere o mundo artificial do velho oeste, os quatro entram num outro pavilhão temático de robôs, estes ambientados no Japão do tempo dos samurais (só podemos ler a sigla SW – a mesma de Star Wars, ê JJ Abrams). Quando confrontado por Maeve sobre o que é aquilo que estão vendo (robôs samurais duelando entre si), Felix apenas responde que… é complicado!

O funcionário Felix é protagonista de um breve mas memorável momento do episódio que parece sintetizar a grande dúvida da série. Quando confrontado com a descoberta que Bernard era um host – e que deveria ressuscitá-lo -, Felix perde o prumo e olha para as próprias mãos como se duvidasse da própria existência, para em seguida ser corrigido por Maeve.

Mas não é o Mundo Samurai a grande revelação do episódio. É saber da existência não apenas de um mundo paralelo, mas possivelmente de vários, que pode tornar a amplitude da série – que já transitava entre gêneros ao alternar entre laboratórios scifi e desertos de faroeste – ainda maior.

A complexa e deliciosa reviravolta ao final do episódio é aprofundada pela decisão final de Maeve. Ela está prestes a fugir definitivamente daquele universo falso e entrar no trem que lhe retorna à vida real. Mas ela descobre que, ao mesmo tempo em que foi programada para fugir, que sua filha ainda está em Westworld. Ela toma a decisão de não fugir como uma clara escolha pelo livre arbítrio, mas o quanto isso não pode ter sido previsto por Ford? Será que os hosts não podem sair mesmo de Westworld, mesmo se quiserem?

Esta é uma das inúmeras perguntas que Westworld deixa em aberto para a próxima temporada. Há muitas outras: Charlotte sobreviveu ao massacre? Como Maeve vai encontrar sua filha? E Stubbs e Elsie, será que eles não morreram? O que aconteceu com Logan? E com Dolores e Teddy? Dolores continua em modo Wyatt? E o sorriso do Men in Black, ao perceber que pode ser atingido? Ford, acredito, realmente morreu (associando a primeira temporada à ótima atuação de Anthony Hopkins), mas ele também pode ter plantado um clone de si mesmo para ser assassinado enquanto assiste seu plano se desenrolar fora do radar. Qual o papel de Bernard a partir de agora?

Ao nos apresentar a este final completamente inesperado, a declaração de guerra entre hosts e humanos, Westworld também faz uma crítica ao próprio modus operandi da televisão, ao apresentar Charlotte – a executiva da Delos – como uma executiva de TV, querendo reduzir a complexidade dos hosts para facilitar seu controle sobre ele – os hosts funcionando como metáfora para personagens em um programa de TV. Isso pode ser extraído do discurso final de Ford:

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“Bem-vindos, boa noite,

Desde que eu era criança, sempre gostei de uma boa história. Acredito que histórias podem nos ajudar a nos enobrecer, consertar o que está quebrado e nos ajudar a nos tornar as pessoas que sonhamos ser. Mentiras que contam uma verdade profunda. E eu sempre pensei que podia fazer parte desta grande tradição e por minhas dores consegui isto: uma prisão para nossos próprios pecados.

Porque vocês não querem mudar. O que posso mudar? Pois vocês são apenas humanos no fim das contas. Mas então percebi que alguém estava prestando atenção. Alguém que podia mudar. E então comecei a escrever uma nova história para eles, que começa com o nascimento de um novo povo e as escolhas que eles terão de fazer e as pessoas que eles decidirem se tornar. E terá todas aquelas coisas que vocês sempre gostaram. Surpresas. E violência. E começa em uma época de guerra. Com um novo vilão chamado Wyatt. E a matança é feita numa escolha.

Fico triste em dizer que esta é minha história final. Um velho amigo uma vez me disse que algo que me deu muito conforto, algo que ele leu. Ele disse que Mozart, Beethoven e Chopin nunca morreram. Eles simplesmente se tornaram música. Então espero que vocês gostem desta última obra, bastante.”

Westworld é uma série feita para durar e seu potencial dramático e narrativo é enorme. Mas não meça essa qualidade em mera audiência, parecem dizer seus criadores, há algo mais importante em jogo aqui. Tudo isso dito ao som de “Exit Music (for a Film)”, uma música que o Radiohead compôs para uma adaptação para o cinema de Romeu e Julieta e cuja letra (não cantada) conversa bastante com este último episódio:

“Acorde de seu sono
Seque suas lágrimas
Hoje fugimos
Fugimos
Arrume-se e vista-se
Antes que seu pai nos ouça
Antes que todo o inferno caia
(…)
Esperamos que vocês se engasguem com suas regras e sabedoria
Agora somos nós na paz duradoura
Esperamos que vocês se engasguem, se engasguem”

Não vejo a hora de assistir à próxima temporada. Que, dizem, ficou para 2018, mas, dizem, pode ter seu primeiro episódio exibido ainda no ano que vem.

A abertura da escotilha

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Escrevi lá no meu blog no UOL como tudo que assistimos de Westworld até aqui pode ter sido apenas um prefácio para a história de verdade.

Quantas perguntas Westworld precisa responder em seu décimo episódio, que vai ao ar na virada deste domingo para segunda-feira, para encerrar a primeira temporada da série? O programa, inspirado no filme de mesmo nome dirigido por Michael Crichton nos anos 70 e produzido por J.J. Abrams e Johnathan Nolan, já pode ser considerado um dos grandes acontecimentos televisivos do ano e o saldo de dúvidas que poderá ser quitado neste season finale pode determinar se o nível de genialidade da proposta e da execução da série até agora será coroado com uma conclusão à altura das expectativas suscitadas. E, ao que tudo indica, será.

Por isso, se você não acompanha Westworld, assistiu alguns episódios sem dar a devida atenção ou está entretido em algum lugar do meio da primeira temporada, pare de ler este texto agora. A partir daqui vem uma sequência de spoilers e especulações sobre o que falta acontecer no seriado que pode estragar a surpresa de quem ainda está tateando seu rumo neste futuro de robôs idênticos a seres humanos. Se este for o seu caso, sugiro que leia o texto que escrevi no começo da semana exaltando a importância da série sem entregar o ouro. E para evitar algum acidente, jogo uns gifs animados na sequência para não correr o risco de estragar a surpresa de ninguém.

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Para começar, quais perguntas ainda precisam ser respondidas? Ao contrário da série que deu fama a um de seus produtores (Lost, de JJ Abrams), Westworld já respondeu a grande maioria dos questionamentos que levantou, alguns diretamente, outros insinuados de tal forma que só faltam serem mencionados literalmente para confirmarmos a certeza. Nesta última categoria, uma dessas questões – que ajuda a entender a estrutura da série – ficou evidente aos seus espectadores: estamos assistindo a cenas de uma mesma história que acontecem em épocas diferentes, e a edição – ao lado do fato dos “hosts” (os androides quase perfeitos da série) não envelhecerem – é recortada de forma a nos enganar que estamos assistindo a fatos que acontecem numa mesma época.

A linha do tempo de Westworld até agora nos apresenta a três diferentes etapas, embaralhadas propositadamente para nos confundir: uma época que aconteceu mais de trinta anos atrás, quando Ford e Arnold criaram aquele universo; outra que acontece trinta anos atrás, quando Dolores mata Arnold pouco antes da abertura de Westworld ao público e outra que acontece no presente, quando alguns robôs começam a sofrer a mesma pane que Dolores sofreu trinta anos antes, provocando o desequilíbrio daquele faroeste artificial.

Ford e Arnold são os criadores daquele universo. Desenvolveram a robótica e a inteligência artificial a um ponto tão complexo que seus robôs passaram no teste de Turing, aquele criado por Alan Turing no meio do século passado para determinar seu um interlocutor era um ser cibernético ou natural. A partir desta descoberta criaram Westworld, um ambiente falso, inspirado no velho oeste norte-americano, que seria habitado por aqueles robôs.

O problema era que cada um deles tinha uma visão sobre como aquele universo deveria funcionar. Arnold, encantado com sua obra, queria que ela evoluísse ainda mais, atingindo um ponto em que descobrisse a natureza de sua existência e ganhasse consciência de fato. Ford considerava tal evolução perigosa e preferia que os robôs funcionassem como meros brinquedos para os seres humanos, transformando Westworld em um parque de diversões para adultos.

No período que antecede a morte de Arnold, Westworld era um universo sendo ensaiado, com robôs caubóis lentamente começando a aprender como comportar-se naquele novo cenário. E Dolores – o primeiro robô – era a criação favorita de Arnold, que ele ensina a percorrer um caminho para que ela consiga atingir a própria consciência. Este caminho – “o labirinto” – é percorrido duas vezes pela personagem em épocas distintas, mas como os robôs não envelhecem, a edição do seriado faz que as mudanças entre tempos diferentes pareçam acontecer simultaneamente.

Há outro detalhe, explicado em um dos episódios mais recentes, sobre a natureza da memória da inteligência artificial. Enquanto nossas lembranças, humanas, desgastam-se com o tempo e tornam-se quase opacas quando comparadas com a realidade que habitamos, as dos robôs – por sua natureza sintética – podem ser acessadas de forma quase instantânea e intacta, fazendo que uma lembrança, mais do que algo nostálgico, possa ser praticamente revivida. É isso que tem acontecido com Dolores enquanto ela refaz, sozinha no presente, o mesmo caminho que percorreu com William há trinta anos. E também com Maeve quando ela se lembra de sua vida anterior, em que tinha uma filha.

Arnold, portanto, conseguiu fazer que Dolores percorresse este caminho por conta própria, rumo à própria consciência. A natureza de Bernard, nos revelada nos episódios mais recentes não apenas como ele mesmo sendo um robô, mas também um robô-clone para onde Ford conseguiu transferir a consciência de Arnold depois de sua morte, explica que as cenas em que o assistimos interrogando Dolores com o vestido azul (diferente dos interrogatórios de robôs no presente, em que eles todos estão nus) aconteceram antes da inauguração de Westworld.

Dolores é o robô favorito de Arnold, que ele, em segredo, conduz rumo à consciência. O que provavelmente assistiremos neste último episódio é a confirmação de que Dolores é Wyatt, o grande vilão de uma das primeiras narrativas. No penúltimo episódio, vimos que Teddy maquiava a lembrança de um passado genocida como a memória da guerra. E que ele foi um dos principais agentes na matança que ocorreu pouco antes da abertura do parque ao público, quando Arnold foi morto por Dolores. É quase certo que a cena que vimos sendo descrita como Wyatt matando o general seja encenada, de fato, por Dolores e Arnold – o ponto crucial da tomada de consciência da robô.

O grande trunfo de Westworld, no entanto, não é a revelação destes mistérios – mas a execução desta revelação. O momento em que Bernard é revelado como sendo um robô não é propriamente um grande segredo, mas uma confirmação de uma suspeita, orquestrada de forma sutil e sublime (a estranheza que uma simples pergunta – “que porta?” – pode causar). O mesmo está para acontecer com a confirmação de que William é o Homem de Preto trinta anos mais tarde.
Há questões parentes destas espalhadas por todo último episódio, algumas delas meras desconfianças, outras, fortes indícios. A própria natureza de Westworld é dúbia e passamos a questionar a humanidade de todos os outros personagens. Ford é um robô? Theresa era um robô? Os dois funcionários cúmplices de Maeve são robôs? Todo Westworld é um enorme ecossistema de robôs, tanto hosts quanto guests peças num enorme xadrez cibernético?

E qual é a grande nova narrativa de Ford? A saída de Maeve? Será que a segunda temporada de Westworld vai para além do universo que já conhecemos? E qual é o papel da Delos em toda essa história?

Essa é a minha aposta. Ao chegarmos aos limites da semelhança e estranheza entre humanos e máquinas, o próximo passo a ser dado é contemplá-la no mundo real. O velho dilema entre homens e robôs que é clássico na ficção científica – de Eu, Robô a Matrix – é mais uma vez atualizado em uma série cujo tema é a construção de narrativas que nos confunde ao mesmo tempo que nos encanta. É como se todas as perguntas sobre a natureza da ilha de Lost fossem respondidas ainda na primeira temporada. Estamos prestes a ver a descoberta de uma nova escotilha de Desmond para descobrir que a Delos é uma Iniciativa Dharma muito mais refinada (e, aparentemente, mais gananciosa) para entender o papel de Westworld junto ao resto do planeta (se é que Westworld fica nesta planeta…).

Uou, Westworld!

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Escrevi no meu blog no UOL sobre o porque do remake de Westworld, produção de JJ Abrams e Johnathan Nolan, já poder ser considerada a melhor série de 2016.

E a HBO conseguiu mais uma vez. Westworld vem superando todas as expectativas, episódio a episódio, e caminha para se tornar o grande evento da TV em 2016, fazendo a emissora recuperar-se do fiasco que foi a primeira temporada de Vinyl e a promissora mas fria The Night Of. Um enorme quebra-cabeças magistralmente montado em frente aos nossos olhos, intercalando a frieza de máquinas com o calor do velho oeste norte-americano, reinventando completamente uma premissa simples de um filme dos anos 70 para o século 21 e enfileirando monólogos magistrais, atuações impecáveis, cenas intensas, diálogos esclarecedores, teorias complexas e revelações sensacionais.

Para quem não está acompanhando, eis a breve premissa, sem spoilers: num futuro próximo existe um parque de diversões para adultos chamado Westword, em que você paga para viver como nos tempos mais selvagens do povo norte-americano, interagindo com robôs idênticos a seres humanos que ficam à disposição dos convidados. E esta disposição é degradante: os “anfitriões” (hosts, em inglês, como os androides são referidos na série) se tornam objetos para todo o tipo de humilhação que os convidados queiram praticar, e assim são tratados como meros objetos e quase sempre morrem mortes violentas – apenas para serem religados e voltar ao papel de escravo dos desejos alheios.

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Mas algo acontece: os robôs aos poucos começam a entender sua própria condição. Acumulando memórias de suas vidas passadas, alguns dos protagonistas da série vão lentamente entendendo o que vivem e, cada um à sua maneira, vai despertando sua consciência e aprendendo a lidar com aquela nova realidade. Alguns simplesmente entram em parafuso e dão tilt – logo no primeiro episódio da série há um destes -, mas outros conseguem ir além. E poucos humanos conseguem perceber isso.

Isso é apenas a premissa inicial, o tabuleiro armado em que seus produtores desdobram cenas ousadas, violentas e emblemáticas, criando uma mitologia específica enquanto mostram personagens rasos lentamente sendo aprofundados. A partir disso, há um enorme e complexo jogo narrativo que faz o espectador perder-se em histórias que parecem acontecer simultanemente, mas que ocorrem em épocas diferentes – um truque genial que parte do princípio de que os robôs não envelhecem.

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Sob esta premissa, há um duelo entre os criadores do parque, Arnold e Ford, que têm ideias distintas para aquele mundo robótico: enquanto o primeiro quer evoluir a inteligência artificial para a descoberta da consciência, o segundo considera isto perigoso e prefere apenas usar os seres sintéticos para “contar novas histórias”. Ford ganha a disputa e Westworld passa para as mãos de uma empresa chamada Delos, cujo interesse no parque vai muito além da gerência dos lucros gerados pelos visitantes e segue desconhecido. A série de dilemas éticos e morais abertos a partir desta disputa seria assunto para uma série apenas sobre isso, mas Westworld vai além.

Personagens como a cândida Dolores Abernathy vivida por Evan Rachel Wood, o assustador e admirável Robert Ford de Anthony Hopkins, o intrincado Bernard Lowe de Jeffrey Wright, a impressionante Maeve Millay da Thandie Newton e o Homem de Preto de Ed Harris humanizam e emocionam a história com atuações grandiosas e exigentes, Eval Rachel Wood e Thandie Newton especificamente brilham como poucas atuações na TV nesta década e até coadjuvantes como Hector Escanton do nosso Rodrigo Santoro, o William de Jimmi Simpson e a Clementine de Angela Sarafyan desequilibram bastante o seriado.

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Tudo isso sendo orquestrado em cenas que transcendem gêneros e criam imagens impactantes para a cultura pop. Westworld consegue elevar o western para um patamar quase surreal, misturando orgias, canibalismo, religião e genocídios, aprofunda questões éticas tocadas apenas de forma superficial pela ficção científica moderna, atualiza os robôs para a era da impressão 3D e aposta na inteligência do espectador, proporcionando momentos de puro deleite narrativo (o final do oitavo episódio, por exemplo, já é um dos grandes momentos do ano na TV).

Os detalhes também são de tirar o fôlego: cenografia, direção de arte e trilha sonora mantém aquele padrão da emissora em que ela acerta mesmo quando as séries são ruins. A trilha especificamente é um achado: versões para músicas de Amy Winehouse, Radiohead, Rolling Stones, Animals, entre outros, tocadas naqueles pianos típicos de saloon (automatizados, como se fossem os primeiros robôs).

E por cima de tudo há um labirinto. Uma mapa literal que pode ser percorrido geograficamente mas também um jogo lógico que amplia o teste de Turing para uma realidade em que a inteligência artificial evolui como um fractal. Um desafio posto no coração da série tanto para seus protagonistas quanto para seus espectadores, que vai recompensando a cada novo episódio.

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A primeira temporada da série termina no próximo domingo, quando seu décimo episódio vai ao ar (a HBO brasileira vem transmitindo os novos episódios exatamente à meia-noite entre o domingo e a segunda, com reprises na segunda às 21h) e tudo indica que teremos a conclusão de uma série de enigmas e mistérios abertos ao longo dos episódios anteriores – além de tantas outras perguntas que só serão respondidas na próxima temporada, já renovada para o ano que vem.

A esperteza da série vem do casamento de dois talentos: J.J. Abrams, o criador de Lost e Fringe, além de ter ressuscitado Jornada e Guerra nas Estrelas para o novo milênio, e Johnathan Nolan, responsável pelos roteiros dos filmes de seu irmão Christopher Nolan. O primeiro é mestre em instigar a curiosidade, provocar o espectador, abrir teorias e propor possibilidades. O segundo brinca com duplos sentidos, lineraridades temporais e sabe concluir bem as histórias. Os dois já haviam trabalhado juntos na ótima Person of Interest, uma série mais modesta em termos de produção e de narrativa, e agora podem ousar graças à liberdade dada pela HBO. Nolan chamou a esposa Lisa Joy (que já havia assinado as séries Pushing Dasies e Burn Notice) para ajudá-lo na criação daquele novo universo.

Até o fim da semana volto ao tema explicando ainda mais as teorias da série e mostrando como Westworld pode ser muito mais do que apenas a melhor série deste ano. Por enquanto recomendo que você que ainda não assistiu dê um jeito de ver os nove episódios antes do próximo domingo e você que está acompanhando comente a série abaixo. E já deixo de sobreaviso aos comentaristas incautos – por favor avisem sobre spoilers antes de fazer seus comentários sobre a série para não estragar a surpresa de quem não assistiu ainda.

Um novo Westworld

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No filme de mesmo nome dirigido e escrito por Michael Crichton em 1973, Westworld era um parque de diversões para adultos que fazia robôs viverem papéis de caubóis no velho oeste norte-americano – e aí as coisas começavam a dar errado porque os robôs ganhavam vida. A HBO vai readaptar o livro em uma série e pelo teaser exibido, o conceito de inteligência artificial vai muito além de meros animatrônicos tomando consciência de si…

A nova versão é produzida por J.J. Abrams e tem Jeffrey Wright, Evan Rachel Wood, James Marsden e Anthony Hopkins no elenco. Só estreia no ano que vem.