Um prédio que é uma obra de arte
Terceira matéria que escrevo para o site da CNN Brasil sobre a Bienal deste ano, esta, no entanto, tem o foco no palco do evento, o Pavilhão imaginado por Oscar Niemeyer para compor o conjunto arquitetônico do Parque Ibirapuera. Conversei com os professores e arquitetos Rodrigo Queiroz e Ciro Pirondi sobre a importância desta obra na carreira do arquiteto e para a cidade de São Paulo.
Leia abaixo:
Projetado por Oscar Niemeyer, Pavilhão da Bienal de SP é marco da história da arte brasileira
Prédio faz parte do conjunto arquitetônico do Parque do Ibirapuera, que registra a fase de ouro que transformou arquiteto em um dos maiores artistas do Brasil e deu centralidade cultural à cidade de São Paulo
Palco de grandes transformações na história da arte brasileira, o Pavilhão Ciccillo Matarazzo, mais conhecido como Pavilhão da Bienal, é, ele mesmo, uma obra crucial na história da arte brasileira.
Parte do conjunto arquitetônico do Parque do Ibirapuera, que completa 70 anos no ano que vem, o antigo Palácio das Indústrias, como foi batizado, é um degrau importante tanto na história de seu criador, o arquiteto Oscar Niemeyer, quanto para a cidade de São Paulo.
“É preciso entender que o prédio da bienal e o Parque do Ibirapuera são uma coisa só”, explica Ciro Pirondi, arquiteto, diretor da Escola da Cidade e integrante do Conselho da Fundação Oscar Niemeyer.
“São Paulo não seria a mesma se não tivesse esse parque, que é uma invenção maravilhosa com um elemento único na arquitetura mundial: sua marquise. Ela, como dizia o professor Flávio Mota, é um espaço sem nome em que tudo acontece. Os edifícios existem em razão objetivamente em relação ao parque e à marquise.”
“O que evidencia a singularidade do contorno da marquise é a simplificação dos edifícios que a envolve, que inclusive estão implantados em 90 graus em relação um ao outro, quem vê de cima vê quase como uma moldura virtual, que inscreve a marquise dentro desse conjunto”, concorda o arquiteto e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, Rodrigo Queiroz.
“É uma típica estratégia do Niemeyer, como quando ele faz a Esplanada dos Ministérios em Brasília com vários edifícios iguais e equidistantes entre si e coloca em primeiro plano a Catedral, é justamente esse contraste que ele quer dar. Se ele colocasse um edifício atrás tão curvilíneo quanto a Catedral, ia ter uma relação de disputa por protagonismo, deixando bem claro quem é o protagonista e quem é o coadjuvante”, continua Queiroz.
O arquiteto reforça que apesar das dimensões do prédio, ele não se revela pelo lado de fora, algo com que Pirondi também concorda. “Por fora ele é bonito, tem aquele recuo dos pilares, mas é um prédio simples, que depois depois ganha a força incrível daquele pé direito imenso e conforme você vai caminhando e encontra aquela rampa naquele vazio dá uma identidade maravilhosa.”
Rodrigo explica que o prédio revela-se por dentro. “O edifício te conduz a aprendê-lo do modo como o arquiteto quer e nesse sentido o Niemeyer é muito perspicaz. O modo como ele desenha a rampa a ponto de que quando você a sobe pode ver todo o edifício, isso vem da experiência que ele traz do Museu de Niterói, no Rio de Janeiro, com aquela rampa que dá a volta e faz você ver a baía da Guanabara. Ele dá um sentido de contemplação em relação até ao espaço visual.”
Ele lembra de visitar o prédio vazio e do impacto daquelas dimensões (250 metros de comprimento por 50 de largura) sem nada exposto. “É uma experiência insólita, parece que você está num filme do Stanley Kubrick, com aquela coisa da perspectiva linear e as colunas que chega uma hora que você não consegue mais ver a separação entre as colunas por conta dessa perspectiva.”
“São poucos arquitetos, não só na arquitetura moderna, mas na história, que tiveram a oportunidade – e a capacidade, claro – para ter uma obra tão monumental”, continua Rodrigo. “Se você pegar toda a obra construída do Le Corbusier é muito pouco comparado com a do Niemeyer. O Brasil é quase uma terra prometida da arquitetura moderna.”
Rodrigo comenta sobre a dualidade quase paradoxal de pavilhões que são chamados de palácios, como se uma coisa pudesse ser outra.
“O pavilhão acaba sendo o grande monumento da obra do Niemeyer até então, quando aplica princípios nitidamente inspirados no Le Cobursier, como o térreo livre e os pilotis,a estrutura independente das paredes, em que as paredes não têm função estrutural, a transparência, a cobertura plana. Ele tem uma sinuosidade negativa. Se a marquise do Ibirapuera é uma forma curva, no caso da Bienal o que é curvo é o oco. A excepcionalidade que é tão cara ao Niemeyer e à arquitetura brasileira acontece por dentro.”
“O edifício nasce com a vocação para exposições de maquinário industrial, por isso tinha essa dimensão tão robusta, e o Oscar dá um salto de genialidade ao criar aquela rampa divina que influencia a arquitetura moderna dali em diante”, continua Pirondi.
“A dimensão poética daquele vazio é a força daquele edifício. Influencia quase tudo surgiu depois na cidade, desde o edifício da FAU na USP até o prédio do Conjunto Nacional”.
“Se você for dividir a história cultural de São Paulo em momentos de ruptura e emancipação é a Semana de 1922 e o Quarto Centenário, quando ela torna-se uma centralidade cultural e passa a receber as bienais de arte. E não só o Parque do Ibirapuera, mas o Copan também é outro símbolo de São Paulo”, diz o arquiteto, um dos autores do livro “Quatro Ensaios sobre Oscar Niemeyer” (Ateliê Editorial, 2017), que escreve ao lado dos colegas Ingrid Quintana Guerrero, Hugo Segawa e Paulo Bruna.
Pirondi ainda lembra que o prédio quase cresceu durante os anos 80, quando presidiu a Bienal de Arquitetura, que voltou a ser realizada depois de quase 20 anos. “Nós fomos ao escritório do Oscar no Rio de Janeiro e ele projetou um anexo para esse prédio, ele fez uma maquete”, lembra. “Esse anexo tinha uma forma mais curva, que entrava em contradição com o grande cubo do prédio, ligado àquela rampa de acesso, conectando-o a partir do primeiro andar e criando um mezanino.”
“Niemeyer além de longevo, foi precoce – teve quase oito décadas de prancheta”, conclui Queiroz, reforçando a importância do arquiteto para a cultura brasileira desde antes da criação daquele parque.
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