Um papo com o Chico Dub sobre o Novas Frequências 2014

, por Alexandre Matias

NovasFrequencias2014

Começou esta semana o festival Novas Frequências, organizado pelo vizinho dOEsquema Chico Dub, que em quatro anos conseguiu consolidar o melhor evento de música avançada no Brasil – que, por incrível que pareça, acontece no Rio de Janeiro, deixando São Paulo na poeira. A edição deste ano reúne 33 artistas, se espalhou por vários lugares da capital fluminense – indo do Oi Futuro Ipanema à Casa Daros, do Espaço Cultural Municipal Sérgio Porto ao Audio Rebel e vai até o dia 14 deste mês. Bati um papo com o Chico sobre as dificuldades e o prazer de fazer um evento de música contemporânea em pleno balneário carioca (a programação completa dá pra ver no site oficial).

Antes a música de vanguarda era restrita a um gueto bem pequeno, mas com a internet esse conceito ganhou um público global – com players espalhados pelo mundo todo, em constante contato. Você já se considera parte dessa rede? Como o Novas Frequências é visto por essa comunidade?
Temos duas marquinhas na barra de logos da nossa comunicação visual que respondem à sua pergunta. Uma delas é a revista inglesa The Wire, sem dúvida a principal publicação do gênero no mundo todo, a Bíblia da música experimental. Ter a The Wire como media partner do Novas Frequências é uma espécie de prêmio, um puta respaldo que de alguma forma diz que estamos no caminho certo. Outra marquinha que me deixa muito orgulhoso e deveras animado com o futuro próximo é a marca de apoio do ICAS, sigla para International Cities of Advanced Sound. Somos o mais novo membro dessa rede que reúne alguns dos mais importantes festivais de culturas sonoras avançadas, música de vanguarda e artes relacionadas como o Mutek (Montreal, Canadá), Unsound (Cracóvia, Polônia), CTM (Berlim, Alemanha), Future Everything (Manchester, Inglaterra) e TodaysArt (Haia, Holanda). Estimular o diálogo, a troca de conhecimentos e o apoio mútuo entre organizações internacionais envolvidas com música e sons avançados são algumas das missões do ICAS.

Qual é a maior dificuldade em fazer uma curadoria de um evento dessa natureza?
São duas dificuldades relacionadas entre si: atrair o público e conquistar a atenção da mídia. Trabalhar com artistas desconhecidos do grande público é bem complicado! Muitas vezes o repórter quer escrever sobre o festival mas o editor veta a pauta por achar que “a programação do Novas Frequências é experimental demais para o seu público”. É claro que nunca iremos sair no Fantástico – e essa nem é a ideia, nunca foi -, mas na maioria dos casos tenho certeza que os editores acabam subestimando o público de uma maneira em geral. Conhecer coisas novas faz parte da natureza humana, não?

Sendo um recorte mais difícil, uma noite vazia não é necessariamente um noite fracassada. Como é lidar com essa contradição entre o sucesso comercial – para viabilizar um festival anual – e a dificuldade de atingir um público maior?
O festival passa hoje por um estágio muito complexo, mas ainda assim muito interessante de ser trabalhado. Muito desafiador. Que é o seguinte: como crescer? No ano passado vendemos todos os 6 dias no Oi Futuro Ipanema em 4 horas e muita gente ficou de fora. Ou seja, já existe uma demanda por espaços maiores. Só que o Rio de Janeiro é extremamente carente de palcos médios, espaços com boa infra para 300, 400 pessoas. Aqui é 8 ou 80, sabe? Ou é para 100 ou para acima de 1.000/ 1.500. Então o crescimento esse ano aconteceu de forma horizontal: muitos dias, 14 no total, para públicos que vão de 100 a 600 pessoas em vários lugares da cidade.
Mas é importante falar uma coisa. Não temos pressa para crescer, esse é um universo novo no Brasil que precisa ser trabalhado com muita calma, com muita estratégia. Queremos – e precisamos – formar público antes de dar saltos maiores. Só vamos crescer substancialmente se o mercado crescer: mais artistas locais, mais casas abertas a esse tipo de proposta sonora, mais interesse de iniciativas públicas e privadas, mais produtores, mais selos, mais jornalistas e veículos dispostos a cobrir essa cena e por aí vai.
Por outro lado, nos dá uma baita segurança ter tantos parceiros que acreditam no Novas Frequências e que de cara sacaram a importância do festival, principalmente a Oi, o Oi Futuro, o Governo do Rio de Janeiro e a Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro. São parceiros que cultivamos desde a primeira edição do Novas Frequências em 2011.

Você acha que essa música experimental terá um público ainda maior à medida em que o século passar? As pessoas estão ficando fartas da música pop?
As novas gerações são muito mais curiosas e exploradoras que as gerações passadas. Pra elas o conceito de nicho não existe. Tem um cara que trabalha com a gente que adora k-pop, saca tudo de indie e ama Sunn O))). A tendência por tanto não é as pessoas enjoarem do pop. A tendência é uma pequeníssima parcela desse público gigantesco estar mais aberto a ouvir e a descobrir novos sons e novas propostas.

Quais os seus maiores orgulhos na escalação deste ano?
De verdade mesmo? O maior orgulho é estar em 6 espaços da cidade – 8 contando com os espaços reservados para as oficinas – durante duas semanas com 33 artistas de 11 países. Sendo que dos 20 gringos, nenhum deles havia pisado em solo brasileiro antes.

Qual é o seu Novas Frequências dos sonhos? Um só com nomes vivos e outros com nomes que já morreram. Dá pra pensar nisso?
Prefiro não pensar em nomes que já morreram – para o Novas Frequências, o “passado” é muito menos interessante que o presente e que o futuro. Earth, Swans, Moritz Von Oswald Trio, Shackleton, Charlemagne Palestine, Pauline Oliveros, Lonnie Holley, The Caretaker e Chris Watson são nomes que sonho dia sim, dia sim.

E por que o festival não vem inteiro para São Paulo, já que você traz todo mundo até o Rio?
Levar o festival inteiro pra São Paulo nunca foi uma ideia, sabe? Porque se já é difícil levar dois ou três artistas para uma espécie de “showcase” ou “edição pocket”, imagina o festival inteiro… Existe um interesse muito grande do público paulistano pelo Novas Frequências, isso é fato. E diversos produtores locais independentes já tentaram levar artistas daqui do Rio pra SP. O que acontece é que o festival tem patrocínio no Rio, uma verba que precisa ser gasta aqui; para realizar o festival na cidade. Para acontecer aí de forma minimamente robusta, precisaríamos de outros parceiros, algo que infelizmente ainda não se concretizou. Já tive conversas com o Sesc (diversas unidades), com o MIS, com o CCSP e com as principais casas de shows alternativos de São Paulo. Mas por motivos de agenda, verba ou (falta de) interesse, as coisas nunca foram pra frente. Sigo tentando. Mas sozinho definitivamente não consigo levar o festival pra SP – ainda mais agora, que ele cresceu bastante.

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