Na minha coluna para o Brainstorm9 dessa semana, eu falei da inusitada forma como o U2 lançou seu novo disco, Songs of Innocence.
Satisfação Instantânea?
A Apple e o disco do U2 que apareceu no seu computador
Todos rimos quando, no início do mês, a Apple anunciou que daria para todos seus clientes o novo disco do U2 de graça. A princípio o riso era mais um desabafo mau humorado em relação à transformação destas duas marcas – Apple e U2. As duas começaram desbravando novas fronteiras em seus territórios e décadas depois se tornaram o contrário do pregavam antes.
A Apple de Tim Cook é o U2 do século 21: previsível, insosso, preocupado com os tempos modernos mas completamente convencional. Seu novo relógio de pulso não conseguiu instigar nossa curiosidade como Steve Jobs bem temperava qualquer mudancinha em sua linha linha de produtos, todos saudados como o Próximo Passo em Direção à Melhor Perfeição Possível. Sem Jobs, o Apple Watch parece o comunicador de pulso do Dick Tracy, um pequeno trambolho quadrado no pulso.
Já o fulgor carismático de Steve Jobs morreu no U2 lá pelo fim do século passado, quando saíram de um limão prateado na turnê do disco Pop. Na turnê deste disco, de 1997, a banda se autoironizava ao decorar seu palco com um único arco dourado do McDonald’s, assumindo de vez uma versão corporativa de si mesma que no início daquela década (entre suas obras-primas Achtung Baby, de 1991, e Zooropa, de 1993) era só mais uma persona da banda de Bono.
É exatamente neste período em que Bono começa a se descolar do U2, misturando-se entre políticos internacionais como uma espécie de aval artístico que qualquer projeto social ou ambiental – governamental ou não – precisava para ajudar no marketing. Se o U2 virou uma caricatura sonora de si mesmo, Bono encarnou um estereótipo deformado do terceiro setor, investidor de startups e defensor dos animais, presente em qualquer encontro cívico ou esportivo como “o cara da música”.
Nos anos Bush, Bono representava a visão neocon daquilo que deveria ser a esquerda, uma chatice conveniente, mas facilmente descartável. Sua chatice politicamente correta atingiu níveis monumentais e ofuscou qualquer tentativa de sua banda de sair do mesmo lugar (não foram muitas, convenhamos).
Aí os dois se juntam para lançar dar, de graça, o novo disco do U2, Songs of Innocence, para quem quer que já tenha comprado qualquer tipo de conteúdo através da loja online da Apple.
Mas, espera aí, música de graça? Vamos (re)ver o momento em que Bono e Tim Cook conversam sobre o novo anúncio
Bono: Há rumores que o U2 não fez nenhum disco nos últimos cinco anos, mas isso é não é verdade. Nós fizemos alguns discos, só não os lançamos. Estamos fazendo isso o tempo todo. É o que fazemos. Assim, queríamos esperar até que tivéssemos um que fosse tão bom quanto nossos melhores trabalhos – tão bom quanto o melhor que já fizemos.
Tim Cook: Você sabe que nós nos sentimos da mesma forma sobre nossos produtos.
Bono: Nós somos o sangue em suas máquinas oh mestre zen do hardware e software Tim Cook. Olha, na semana passada nós terminamos nosso disco, chama-se Songs of Innocence. Estamos bem animados. A questão agora, mestre zen, é como nós conseguimos atingir o maior público possível ,pois é isso que nossa banda faz?
Tim Cook: Nós somos os primeiros no mundo a ver isso?
Bono: Sim.
Tim Cook: É um white label?
Bono: É isso aí um white label. E a dúvida é que acho que você pode nos ajudar – como conseguimos chegar ao maior número de pessoas possível?
Tim Cook: Bem, temos o iTunes.
Bono: Acho que você tem mais de meio bilhão de usuários no iTunes. Você pode fazer isso chegar neles?
Tim Cook: Claro que sim.
Bono: Você conseguiria, em cinco segundos, apenas apertando um botão “send” mágico da Apple, fazer isso?
Tim Cook: Se dermos o disco de graça…
Bono: Mas antes você vai ter que pagar. Porque nós não estamos nessa de música de graça por aqui.
Tim Cook: Já ouvi dizer que sou um bom negociador.
Bono: Você consideraria dar Songs of Innocence de graça para mais de meio bilhão de pessoas em cinco segundos a partir de agora?
Tim Cook: Sim, podemos. Apertamos um botão e demorará um pouco mais para ir para toda a internet. Mas isso pode começar em cinco segundos.
Bono: Deixa eu ver se entendi, o novo disco do U2 Songs of Innocence irá chegar de graça para meio bilhão de pessoas nos próximos cinco segundos. 5, 4, 3, 2, 1. Uau! Isso é que satisfação instantânea.
Bono parece estar sendo irônico, mas não está. Ele não está dando música de graça para os clientes da Apple. Depois do anúncio soubemos que a música não veio assim de graça – a Apple havia comprado os MP3 da banda para colocá-los no software loja iTunes para seus mais de 500 milhões de clientes em 119 países. Quanto custou? Cem milhões de dólares. Motivos de sobra para o U2 rir sozinho.
Mesmo que, logo em seguida ao anúncio, continuassem rindo deles. Jovens querendo saber quem hackeou seus aparelhos e enfiou músicas de um tal U2 em seu sistema operacional. Na outra ponta, velhos fãs da Apple que não suportam a banda irlandesa devido ao excesso de Bono das últimas décadas que se viram, de repente, com aquela banda chata no meio de sua seleção de artistas cuidadosamente escolhida. A reação foi tamanha que a própria Apple criou um site que permitia deletar o disco de seu sistema operacional.
Sobravam motivos para considerar o anúncio do U2 com a Apple um erro de marketing, como alguns disseram. Até que as vendas começaram.
Vendas? Mas o disco não veio de graça?
Sim, mas os inúmeros fãs da Apple ou do U2 que não sairam reclamando dos dois nas redes sociais não acharam má ideia aquele novo disco da banda de surpresa em seus sistemas operacionais. Uns não conheciam a banda, outros nem lembravam dela. Bastou Songs of Innocence aparecer de graça para que muitos começassem a fuçar o catálogo passado do grupo.
E na primeira semana após o anúncio, nada menos que 24 títulos da banda voltaram ao Top 200 do próprio iTunes – estes foram comprados em vez de baixados de graça. Os discos The Joshua Tree (1987), Achtung Baby (1991), War (1983) e duas coletâneas de singles, Uma delas, U218, chegou ao top 10 no iTunes em 46 países.
Apple e U2 podem não ser mais os líderes de inovação e contestação que já foram no passado, mas a convergência das duas marcas abriu um mercado de ressurreição de catálogo que já vem sendo explorado em box-sets de CD, reedições em vinil, playlists de programa de streaming. A banda irlandesa e a empresa norte-americana deram um passo a mais nesse mercado – e talvez começaremos a receber mais “discos de graça” sem que queiramos em nossos aparelhos.
Será que estamos vendo o nascimento de um novo tipo de spam?
É tão bom não ter que me preocupar em cobrir lançamentos da Apple (ou de qualquer outra empresa de tecnologia) depois de anos fazendo isso no Link e, em menor escala, na Galileu. Mas uma coisa parece ter passado batido em relação ao anúncio que a empresa fez esta semana.
Além do novo iPhone e de apresentar o Apple Watch, a empresa, sem muito alarde, matou o iPod. Tá certo que a era de ouro do MP3 player da Apple já tinha passado há tempo (até dei uma capa pra isso num Link de 2009), mas vale o sublinhar o óbito.
Afinal, a morte do iPod não marca só o fim do aparelho que começou a transformar a Apple no gigante de tecnologia que ela é atualmente – uma empresa que, apesar de ter ajudado a criar o mundo de desktops que ainda vivemos, quase faliu nos anos 90, além de ter demitido seu fundador, o hoje santo-porque-morto Steve Jobs. Ela também sublinha a arrogância da empresa frente a seus clientes/fãs, que agora só podem armazenar no máximo 64 gigabytes em seus iPhones (o iPod clássico permitia até 160 GB de armazenamento). “Estamos na era do streaming, a era do download acabou”, vão dizer os fãs – e eu discordo, não confio em rede social nem em nuvem nenhuma, gratuita ou paga, pra guardar meus conteúdos digitais. E nessa “era do streaming” vão te enfiar conteúdo goela abaixo, mesmo que você não queira, como a própria Apple fez nesse mesmo lançamento dessa semana, com o disco novo do U2 pra todos seus fãs/clientes (o Camilo ensina como deletar lá no Link).
Pode ser que essa morte seja o começo de um novo fim, este da própria Apple. Vamos ver…
Sei lá se ele tava bêbado mesmo, mas Bono aproveitou que o mesmo Nile Rodgers que gravou “Get Lucky” com o Daft Punk estava no palco e não titubeou ao mandar o cover…
O showzinho aconteceu ontem devido a um leilão beneficente que o líder do U2 estava ajudando a promover.
E por falar na revista Q, vocês viram o tributo que ela fez ao Achtung Baby? Felizmente o disco de 91 vem sendo cada vez mais celebrado como sendo o grande disco do U2, deixando clássicos anteriores como Joshua Tree ou Unforgettable Fire na poeira messiânica do passado. No disco-tributo, que acompanha a edição de dezembro, a revista reuniu nomes como Patti Smith, Jack White, Killers, Depeche Mode, Garbage e Nine Inch Nails, entre outros, para celebrar o primeiro disco europeu do grupo irlandês. O resultado, infelizmente, paira entre a pasmaceira e o horror. Os vídeos (e meus comentários) para cada uma das músicas do tributo seguem abaixo, como eu vi no Scream & Yell.
E por falar no Achtung Baby, vocês viram a edição Uber De Luxe do disco?
Foto: Flickr do Fórum Econômico Mundial
“I’m not so sure the future hasn’t dried up,” says Bono, who’s been irritating his bandmates lately by publicly questioning U2’s relevance – despite the fact that they just finished the highest-grossing tour of all time. “The band are like, ‘Will you shut up about being irrelevant?'” he says. But Bono can’t help himself – even though U2 have been in and out of the studio with various producers recently, he raises the possibility that the band may have released its final album. “We’d be very pleased to end on No Line on the Horizon,” he says, before acknowledging the unlikelihood of that scenario: “I doubt that.”
Bono, em entrevista à Rolling Stone, cogitando a possibilidade de terminar o U2 (mas eu já falei pra não comemorar, porque pode ser que haja uma carreira solo do Bono, com discos de duetos do Bono e trilhas sonoras para filmes de amigos do Bono).
Foto: Flickr do Fórum Econômico Mundial
E caçando fotos pro post sobre o U2, encontrei esse close no Bono no Flickr do Fórum Econômico Mundial. Tem uma certa ironia no Bono ficar velho, talvez mais que a do Mick Jagger ou que a do Pete Townshend (que tripudiaram, ainda nos vinte e poucos, sobre a possibilidade de ficar velho tocando rock). Acho que tem a ver com o fato de ele estar parecendo aqueles tiozões quadrados que usam óculos tipo o do Bono pra parecer mais jovens ou descolados. Acho que tá na hora dele dar um tapa nesse visual (ou pelo menos se livrar desse óculos ridículo).
Mas não custa lembrar que o Bono tem outras fontes de renda hoje em dia, como, por exemplo, o Facebook (na foto acima, ele conversa com a Sheryl Sandberg, que é a faz-tudo de Mark Zuckerberg, a mulher que, quando estava no Google, “só” inventou o Ad Sense). E em agosto desse ano, sua pequena parcela do site já equivalia a um bilhão de dólares.
O diretor de Billy Elliot se dispõe a trazer um dos livros mais comentados da década passada (Extremamente Alto e Incrivelmente Perto) para as massas, lançando mão de subterfúgios bem terrenos. Será que funciona?
Só não torço pro U2 pegar carona no anúncio do R.E.M. porque morro de medo de uma carreira solo (política?) do Bono.