Vida Fodona #817: Não dá pra ficar parado

Até dá, mas você entendeu.

Ouça abaixo:  

Todo o show: Smashing Pumpkins ao vivo em Birmingham, na Inglaterra (junho de 2024)

Os Smashing Pumpkins começaram nesta sexta-feira uma turnê ao lado do Weezer que para muitos é uma espécie de turnê dos sonhos, mas a mensagem subliminar desse novo contexto do grupo é apagar a imagem de pessoa insuportável que o dono da banda Billy Corgan tem cultivado desde o início do século. Isso começou desde antes da pandemia, quando Corgan readmitiu o guitarrista James Iha e o baterista Jimmy Chamberlin de volta à formação, e seguiu desde então, passando pelo lançamento da ópera rock ATUM (na linha musical de discos importantes pra carreira da banda, como Mellon Collie and the Infinite Sadness e Machina: The Machines of God), por uma anunciada turnê pelos EUA com o Green Day, Linda Lindas e Rancid no segundo semestre e essa turnê atual em que dividem a noite com a banda de Rivers Cuomo. E isso inevitavelmente mexe com o repertório do grupo, que começa a incluir mais músicas próprias da década de 90 e, pela primeira vez nesta sexta-feira, uma versão para uma música do U2 – uma versão bem boa para “Zoo Station”, faixa de abertura do clássico eletrônico do grupo irlandês Achtung Baby. Abaixo, além da versão citada, ainda dá pra asistir à íntegra do show:  

U2 em Las Vegas: “Elvis não saiu do edifício!”

“Elvis definitivamente não saiu deste edifício. É uma capela Elvis. É uma catedral Elvis. É isso. E hoje à noite entrada para essa catedral é uma senha: flerte. E mais tarde nós vamos casar, ok?”, Bono não se aguentava ao inaugurar a temporada de shows que seu U2 irá fazer em Las Vegas até dezembro deste ano. Não era sem motivo. A residência U2:UV Achtung Baby inaugura também a nababesca casa de shows Sphere, que cobre o público com um gigantesco telão esférico que leva os antigos cinemas 189 graus (quem lembra?) a um patamar hiperbólico que tira o fôlego só de ver os vídeos. O grupo se apresentou pela primeira vez sem o baterista Larry Mullen Jr., que acaba de passar por uma cirurgia na coluna, e preferiu conter seu show a um pequeno palco quadrado que lembrava uma vitrola na base do telão absurdo, deixando todo o espetáculo para os telões conectados de uma forma que não havia como sair do campo de visão do público, não importava onde se estivesse, alternando imagens geradas por computador que explicitavam a artificialidade do evento ou recriando paisagens naturais como se pudesse ter um sol em miniatura apenas para eles. O sucesso dessa primeira noite, que aconteceu neste sábado, eleva a experiência ao vivo a outro patamar e megaturnês como as de artistas como Beyoncé e Taylor Swift encontram um rival gigantesco que nem precisa sair do lugar – é uma casa de shows. E mirando em artistas do porte do U2 (enquanto eles ainda existem, especula-se que Harry Styles seja o próximo residente), a casa, que teve um custo maior do que dois bilhões de dólares, pode parecer um modelo de negócios viável para bilionários do mundo do entretenimento experimentar em todos os lugares do mundo (e torrar dinheiro, como gostam) – e não é difícil pensar que podemos ter um monstrengo desses por aqui. Abaixo dá pra ver alguns trechos do show histórico – o futuro que tá vindo aí é muito louco…  

Até melhor do que a realidade

Mais uma matéria que escrevo pro Valor Econômico, desta vez resenhei a autobiografia do Bono, do U2, que acaba de sair no Brasil pela editora Intrínseca. E apesar de ser um delírio ególatra de um dos maiores popstars de todos os tempos, o livro de 640 páginas é uma detalhada biografia de sua banda, um mergulho num processo criativo muito particular (em que quantidade quase sempre está próximo de qualidade), uma coluna social com os principais nomes da história contemporânea e uma detalhada investigação sobre o que torna o U2 um grupo tão importante para seu tempo. Bem bom, recomendo a leitura.

 

Vida Fodona #701: O início da fase imperial

Virando o disco, entrando em uma nova fase…

U2 – “Lemon”
Incredible Bongo Band – “Apache”
Kylie Minogue – “Where Does The DJ Go?”
Tame Impala – “Let It Happen”
Michael Jackson – “Billie Jean”
Talk Talk – “It’s My Life”
Thundercat – “Friend Zone”
Nelly Furtado + Timbaland – “Give It To Me”
Todd Terje – Preben Goes to Acapulco (Prins Thomas remix)
Ting Tings – “Shut Up And Let Me Go”
Primal Scream – “Kowalski”
Underworld – “Born Slippy”
Death in Vegas + Iggy Pop – “Aisha”

Vida Fodona #682: Festa-Solo (5.10.2020)

vf682

É feriado, mas é segunda e tem mais um Vida Fodona ao vivo a partir das 21h no Twitch.tv/trabalhosujo – o da semana passada foi assim…

Pink Floyd – “San Tropez”
Maurício Pereira – “Os Amigos ou O Coração é Um Órgão”
Mark Sandman – “Brazil”
Unknown Mortal Orchestra – “From the Sun”
Thundercat – “Friend Zone”
Spoon – “Hot Thoughts”
Cassiano – “Onda (Poolside & Fatnotronic Edit)”
Santogold – “L.E.S. Artistes”
M83 – “Midnight City”
Magic – “Rude”
Cornershop – “Who Fingered Rock ‘n’ Roll”
Girls – “Honey Bunny”
Jon Spencer Blues Explosion – “Afro”
Bo Diddley – “Who Do You Love?”
Screaming Jay Hawkins – “I Put a Spell on You”
Frank Ocean – “Lost”
Major Lazer – “Lean On”
Katy Perry + Juicy J – “Dark Horse”
Dua Lipa + DaBaby – “Levitating”
Lauryn Hill – “Everything Is Everything”
Lana Del Rey – “Florida Kilos”
Edwin Birdsong – “Cola Bottle Baby”
Eddy Grant – “Electric Avenue”
KC & The Sunshine Band – “Keep It Comin’ Love”
Mcfadden & Whitehead – “Ain’t No Stoppin’ Us Now”
Tim Maia – “A Fim de Voltar”
Dolly Parton – “9 to 5”
Dusty Springfield – “Son of a Preacher Man”
Echo & The Bunnymen – “Bring On The Dancing Horses”
U2 – “Desire”
Lulu Santos – “Um Certo Alguém”
Marina Lima – “Corações a Mil”
Mano Brown + Don Pixote + Seu Jorge – “Dance, Dance, Dance”
Rita Lee – “Jardins Da Babilônia”
Roxy Music – “Ladytron”
XTC – “Here Comes President Kill Again”
Beach Boys – “I Was Made to Love Her”
Velvet Underground – “One of These Days”
Pretenders – “Back On The Chain Gang”
Jam – “Town Called Malice”
Supremes – “You Can’t Hurry Love”
Phil Collins – “You Cant Hurry Love”
Doors – “Love Street”
Cure – “A Forest”
Beatles – “You Never Give Me Your Money (Instrumental)”
Beatles – “Sun King (Instrumental)”
Beatles – “Polythene Pam (Instrumental)”
Beatles – “She Came In Through The Bathroom Window (Instrumental)”
Beatles – “Golden Slumbers (Instrumental)”
Beatles – “Carry That Weight (Instrumental)”
Beatles – “The End (Instrumental)”
Beatles – “Her Majesty (Instrumental)”
Beatles – “Come Together (Instrumental)”

Máquina do Tempo: 1° a 28 de fevereiro

singles
1° de fevereiro de 1949 – A gravadora RCA lança o disco compacto

chico-science
2 de fevereiro de 1997 – Morre Chico Science

sinatra-reprise
3 de fevereiro de 1960 – Sinatra lança sua própria gravadora


4 de fevereiro de 1959 – Nasce Zeca Pagodinho


5 de fevereiro de 2007 – A Apple dos Beatles e a Apple de Steve Jobs chegam a um acordo

bob-marley
6 de fevereiro de 1945 – Nasce Bob Marley

crawdaddy
7 de fevereiro de 1966 – É lançada a revista Crawdaddy, pioneira em falar sério sobre música pop

television-marquee-moon
8 de fevereiro de 1977 – Television lança seu clássico Marquee Moon

beatles-ed-sullivan
9 de fevereiro de 1964 – Os Beatles tocam pela primeira vez no programa de Ed Sullivan e conquistam os EUA

tapestry
10 de fevereiro de 1971 – Carole King lança Tapestry


11 de fevereiro de 2012 – Morre Whitney Houston

rush-moving-pictures
12 de fevereiro de 1981 – O Rush lança Moving Pictures

Black_Sabbath
13 de fevereiro de 1970 – O Black Sabbath inventa o heavy metal

jacob-bandolin
14 de fevereiro de 1918 – Nasce Jacob do Bandolim

groupies-rollingstone
15 de fevereiro de 1969 – As groupies chegam à capa da Rolling Stone

iron-maiden-2000
16 de fevereiro de 1999 – O Iron Maiden apresenta sua formação com três guitarristas

pixinguinha
17 de fevereiro de 1973 – Morre Pixinguinha

mickjagger-brasil
18 de fevereiro de 2006 – Os Rolling Stones tocam pra 1,5 milhão de pessoas na praia de Copacabana

jarvis-michael
19 de fevereiro de 1996 – Jarvis Cocker invade o palco de Michael Jackson

rossini
20 de fevereiro de 1816 – O Barbeiro de Sevilha tem uma estreia caótica

pussyriot
21 de fevereiro de 2012- Pussy Riot apavora uma igreja na Rússia pra gravar um clipe anti-Putin

spice-girls
22 de fevereiro de 1997- Spice Girls conquistam os EUA

Eminem-The-Slim-Shady-LP
23 de fevereiro de 1999- Eminem lança The Slim Shady LP

grey-album
24 de fevereiro de 2004 – Mashup de Beatles com Jay-Z provoca desobediência civil digital

franksinatra
25 de fevereiro de 1995 – Frank Sinatra faz seu último show

daft-punk
26 de fevereiro de 2001 – Daft Punk lança seu clássico Discovery

walter-silva
27 de fevereiro de 2009 – Morre Walter Silva, o “Picapau”, que descobriu Elis Regina

u2-83
28 de fevereiro de 1983 – U2 abraça a política com seu disco War

Máquina do Tempo: 1° a 31 de dezembro

filth-fury
1° de dezembro – Os Sex Pistols falam “fuck” pela primeira vez na TV, Neil Young é processado pela gravadora por mudar seu som e Kenny G segura uma nota por 45 minutos

jjorgeben70
2 de dezembro – Rod Stewart chega ao topo plagiando Jorge Ben, Bowie lança seu primeiro single e o porco inflável do Pink Floyd escapa

brianepstein
3 de dezembro – Os Beatles conhecem Brian Epstein, é exibido o 1968 Comeback Special de Elvis e Bono recupera seu laptop perdido – com o disco novo do U2

deeppurple
4 de dezembro – Um incêndio inspira a faixa-símbolo do Deep Purple, o Led Zepellin anuncia seu fim e morre Frank Zappa

bobmarley
5 de dezembro – Bob Marley faz show dois dias depois de ser vítima de um atentado, Black Flag lança o primeiro disco e Adele ultrapassa Amy Winehouse

altamont
6 de dezembro – O festival de Altamont encerra os anos 60 de forma trágica, morre Leadbelly e Elvis Costello se casa com Diana Krall

otisredding
7 de dezembro – Otis Redding finaliza sua faixa-símbolo, os Beatles fecham sua Apple Store e Bowie aparece em público pela última vez

sargentelli
8 de dezembro – Nasce Sargentelli, morre John Lennon e o Metallica toca na Antártida

charlie-brown-natal
9 de dezembro – Vince Guaraldi põe jazz na trilha de Charlie Brown, o Chic chega ao topo das paradas e Ozzy sofre um acidente

cbgb
10 de dezembro – A fundação do CBGB’s, a morte de Otis Redding e a queda que quase matou Frank Zappa

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11 de dezembro – O primeiro show do Velvet Underground, Jerry Lee Lewis casa-se com prima de 13 anos e Mariah Carey leva o ringtone de ouro

thedoors
12 de dezembro – O último show dos Doors, Ace Frehley quase morre eletrocutado num show e Mick Jagger vira Sir

pattismith
13 de dezembro – Patti Smith lança Horses, o semanário inglês Melody Maker acaba e Beyoncé lança um disco-surpresa

clash
14 de dezembro</strong> – O Clash lança London Calling, Os Embalos de Sábado à Noite estreia no cinema e morre Ahmet Ertegun


15 de dezembro – Dr. Dre lança The Chronic, morre Glenn Miller e Taylor Swift chega ao topo com seu 1989


16 de dezembro – O fim do The Who, o hit de Billy Paul e o seguro na língua de Miley Cyrus


17 de dezembro – Elvis Costello é banido do Saturday Night Live, Dylan chega à Inglaterra pela primeira vez e morre Captain Beefheart

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18 de dezembro – Nasce Keith Richards, os Beatles iniciam sua última temporada em Hamburgo e Rod Stewart toca para 35 milhões de pessoas

madonna
19 de dezembro – Madonna ultrapassa Coldplay, Lady Gaga, Jay-Z e Kanye West, o roadie de Henry Rollins morre assassinado e Elton John emplaca seu primeiro hit nos EUA

adele
20 de dezembro – Adele chega ao topo de 2012, Joan Baez é presa por protestar contra a guerra e morre Reginaldo Rossi

psy
21 de dezembro – “Gangnam Style” é o primeiro clipe a bater um bilhão de views no YouTube, Elvis se encontra com Nixon e morre Júpiter Maçã

almirante
22 de dezembro – Morre o sambista e pesquisador Almirante, o pensamento vivo de Ronald Reagan em disco e a quase morte de um Motley Crue


23 de dezembro – É inaugurada a rádio pirata mais conhecida da história, Brian Wilson sofre um colapso nervoso e Ice Cube é expulso do N.W.A.


24 de dezembro – O último show dos Sex Pistols na Inglaterra, o primeiro show dos New York Dolls e o Nirvana começa a gravar seu primeiro disco

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25 de dezembro – “White Christmas”, o single mais vendido de todos os tempos volta ao topo das paradas e morrem Dean Martin, James Brown e George Michael


26 de dezembro – Paul McCartney “morre” em um acidente de carro e os Beatles o trocam por um sósia, The Wall chega ao topo das paradas de discos e morre Curtis Mayfield

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27 de dezembro – Show Boat inaugura o musical moderno, Leonard Cohen lança seu primeiro álbum e o Led Zeppelin, seu segundo


28 de dezembro – Dennis Wilson, dos Beach Boys, morre afogado no mar, Elvis Presley toma LSD e um câncer violento mata Lemmy

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29 de dezembro – Morre Cássia Eller, o casal do Jefferson Airplane se separa e Aimee Mann casa-se com Michael Penn

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30 de dezembro – Sinatra torna-se o primeiro ícone adolescente do mundo, o fim do Emerson Lake & Palmer e George Harrison é esfaqueado

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31 de dezembro – Rod Stewart faz o maior show ao ar livre do mundo, o fim do Max’s Kansas City e Paul McCartney torna-se Sir

Como o U2 ficou tão chato? Eles mesmos explicam

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Escrevi lá no meu blog no UOL sobre o último show da turnê de 30 anos do disco The Joshua Tree do U2 – em que a banda mostrou didaticamente como escolheram uma zona de conforto em vez de continuar ousando.

Showzão, bandão, telão, Bonão. Os aumentativos parecem fazer parte de um show do U2, sublinhados por hipérboles que festejam sua passagem pelo Brasil: quatro datas em um mesmo estádio na maior cidade do Brasil, o fim de uma extensa e superlotada turnê de aniversário de seu maior álbum, o disco que transformou os integrantes da banda irlandesa em megaastros do pop – e não apenas da música. E o próprio grupo explicou à multidão de quase sessenta mil pessoas que se reuniu para assistir ao último show desta turnê, que aconteceu na quarta-feira, como eles deixaram de ser uma banda pequena e promissora para se tornar uma das maiores marcas da música recente.

O show foi didático neste sentido. Ao deixar o palco principal e o enorme telão em segundo plano logo no início, o U2 concentrou-se num pequeno palco posicionado no meio do público para mostrar quem era antes da chegada de The Joshua Tree, o disco de 1987 cujo aniversário foi o mote da atual turnê da banda. O grupo abriu com a catártica “Sunday Bloody Sunday”, o primeiro grande hit de sua carreira, e emendou uma invejável trinca de hits: “New Year’s Day”, a baladaça “Bad” e o hino a Martin Luther King “Pride (In the Name of Love)”.

Tocando sozinhos no centro do estádio, sem o auxílio de telões ou outros efeitos especiais, o U2 mostrou as armas que apresentaram ao público quando surgiram no meio dos anos 80, afiadíssimas quase quarenta anos depois. A bateria precisa de Larry Mullen Jr., as levadas hipnóticas do baixo de Adam Clayton, a ruidosa guitarra de The Edge e a voz entregue de Bono Vox seguem intactas e as músicas ainda têm a mesma força que tinham originalmente, além da imediata conexão com o público, quarentão e contemporâneo da banda, em sua maioria. O pequeno repertório inicial nos leva a um tempo em que a banda irlandesa batizada com o nome de um avião espião dos tempos da Guerra Fria era minúscula e ativista.

Quando surgiu, o U2 era parte do chamado pós-punk, a cena que surgiu a partir da implosão do punk britânico no final dos anos 70. Uma safra de bandas que incluía nomes como Cure, Joy Division, Gang of Four, Public Image Ltd., Bauhaus e The Fall, que desconstruiu o rock das três décadas anteriores transformando baixo e bateria em um galope incessante, desconstruindo a guitarra elétrica com pedais de efeito e descartando a herança do blues e cantando palavras de ordem política e sentimentos à flor da pele. O U2 era um dos nomes mais populares desta cena, ao lado de outros que também trilharam caminhos semelhantes rumo ao estrelato global, como o New Order (nascido das cinzas do Joy Division), o Cure, o Echo & the Bunnymen, o Cult e os Smiths. Mas a banda irlandesa deu um salto ainda maior graças a The Joshua Tree.

É o disco em que a banda abraça o adjetivo messiânico, que vinha sendo atrelado ao vocal e à performance de Bono, principalmente a partir do disco anterior, The Unforgettable Fire. E é o disco em que eles se voltam para os Estados Unidos, dispostos a conquistá-los. Abraçam a herança do rock tradicional que sua geração teimava em renegar e transformam-se na maior banda dos anos 80, o equivalente aos Rolling Stones daquela geração.

É quando o telão entra no show, um personagem à parte. Mais do que mostrar a banda no palco, a tela monumental funciona na maior parte do tempo como um cenário, mostrando recantos de uns Estados Unidos caipira, paisagens desérticas, estradas sem fim, gente comum. É quando o U2 assume ser uma banda de rock clássico e pertencer a uma linhagem que vinha desde antes do blues se encontrar com o country. Em The Joshua Tree, o U2 reverencia elementos do rock que sua geração repudiava, como a mitificação dos EUA, solos de guitarra, a banalização do discurso político, canções para serem cantadas a plenos pulmões com o público, refrões grudentos, o gigantismo e a possibilidade de falar com cada vez mais pessoas.

Até Joshua Tree, o grupo consegue equilibrar-se no limite desta nova realidade. E é um disco que faz por merecer, ainda mais com a sequência de abertura, que apresenta três dos maiores hits da história da banda na sequência: “Where the Streets Have No Name”, “I Still Haven’t Found What I’m Looking For” e “With or Without You”. O lado A do disco ainda conta com outras duas faixas fortes (“Bullet the Blue Sky” e “Running to Stand Still”), tornando-o muito superior ao segundo lado do álbum (cujas grandes canções, “In God’s Country” e “Exit”, esmaecem perto das músicas do lado A). Mas o grupo faz jus à importância do álbum e tocam-o na íntegra e na ordem, mesmo que isso signifique que quase meia hora do show não seja tão explosiva quanto sua primeira hora.

E é aí que começamos a perceber a decadência artística do U2, prima de sua ascensão comercial. Após a primeira parte do show, eles voltaram com um primeiro bis formado apenas por músicas deste século, emendando “Beautiful Day”, “Elevation” (ambas do disco All That You Can’t Leave Behind, lançado no ano 2000) e “Vertigo” (do disco How to Dismantle an Atomic Bomb, de 2004). São músicas que apenas ecoam o que a banda foi um dia, transformando toda sua criatividade em fórmula, todo vigor em regra, toda vida em dinheiro. Canções que, mesmo com a presença dos elementos que tornaram a banda importante, soam quase como uma caricatura de sua sonoridade, reforçando a figura insuportável que seu vocalista se tornou ao entrar em campanha para se tornar a pessoa mais gente boa do mundo. O segundo bis emenda uma insossa música nova (“You’re The Best Thing About Me”) com dois clássicos dos anos 90: “Ultraviolet (Light My Way)” e seu maior hit, “One”, o que chama atenção para um pequeno detalhe na história contada no show desta turnê.

As duas últimas baladas que encerraram os shows são as únicas representantes da melhor fase da banda, no início dos anos 90, solenemente ignoradas pela turnê do Joshua Tree. Ao fazer uma ponte entre o disco de 1987 e as músicas lançadas no início do século, o U2 passa por cima de duas grandes obras, Achtung Baby, de 1991, e Zooropa, de 1993, seus discos mais ousados e mais bem sucedidos artisticamente, além do fraco Pop, de 1997, este sim o início da decadência do U2. Igualmente ignorado está o ao vivo Rattle & Hum, do final dos anos 80, que aprofunda-se nos conceitos de Joshua Tree, bem como toda a fase atual da banda, de dez anos para cá.

Ao eliminar estas partes da história, o U2 mostra como uma ótima banda pequena torna-se enorme e sem graça e prova que o disco lançado no ano 2000 era mais uma tentativa de reconectar-se com o próprio passado do que em seguir buscas por novas sonoridades. Até Joshua Tree, o grupo irlandês manteve-se numa ascensão natural que quase transformou-se em autoparódia no disco seguinte. A história é zerada a partir dos anos 90 e o grupo reinventa-se graças à eletrônica, à modernidade e a volta à Europa, conceitos que marcam os primeiros discos daquela década, e que foram abandonados logo que na virada do século. Ao voltar para o rock clássico que namorou no final dos anos 80, o U2 deixou de lado ambições estéticas e desafios artísticos para construir uma zona de conforto para si e para os fãs. E eles todos estavam lá, felizes puxando o ridículo “Uno dos tres… catorze!” que abre a insossa “Vertigo”.

Ao final do show, o grupo agradeceu ao público sob o verde e amarelo de uma enorme bandeira do Brasil que tomava conta do telão, e rapidamente conversou antes de deixar o palco e voltaram para uma rápida apresentação da primeira música de seu primeiro disco, a eletrizante “I Will Follow”, o que me fez lembrar de uma frase que Bono disse logo ao início do show, comentando que aquele era o último show daquela turnê: “Alguém deveria ter dito: ‘se tiver que acabar, que acabe no Brasil!”‘, trocando olhares cúmplices com os integrantes da banda. Seria uma forma inusitada, mas apropriada, de desligar os aparelhos da banda, encerrando a carreira com seu primeiríssimo hit. Mas é bem pouco provável que isso aconteça.

Mais provável é que, em 2021, nos reuniremos todos mais uma vez para celebrar mais um disco clássico da banda. E se a turnê de trinta anos do Achtung Baby realmente acontecer, o U2 vai ter que rebolar para se superar. Porque vocês lembram como foi a Zoo TV Tour…

Damn, Kendrick Lamar!

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Eis a capa – e, abaixo, a contracapa – do novo disco de Kendrick Lamar, Damn., segundo o próprio. O disco havia sido anunciado para sexta passada, mas seu lançamento foi adiado para a próxima sexta – e agora ele mostra a capa mais simples da história do rap: uma foto fechada do autor usando uma camisa branca em frente a um muro de tijolos com um título superposto como se tivesse sido feito num Paint do Windows 3.1. Até a forma como título é escrito (“Damn” seguido de um ponto final e não por uma exclamação) reflete a humildade que ele falava no single que lançou há duas semanas. A contracapa segue a mesma linha, embora, humildão, anuncie apenas duas participações no novo álbum – ninguém menos que Rihanna e todo o U2 (damn!). E certamente não são as únicas participações do disco, mas ele não mencionou ainda quem trabalhou com ele na produção do disco. Até os títulos das músicas (curtos e diretos, como “Blood”, “DNA”, “Yah”, “Element”, “Feel”, “Loyalty”, “Pride”, “Humble”, “Lust”, “Love”, “XXX”, “Fear”, “God” e “Duckworth”) refletem esse minimalismo conceitual.

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Pelo visto, já temos o primeiro forte candidato a disco do ano.