Em sua segunda noite no Centro da Terra, Pélico seguiu despedaçando suas canções de forma crua e aberta. e depois de dissecá-las usando piano e violão na semana passada, desta vez optou apenas pelo violão, quando convidou Kaneo Ramos para acompanhá-lo. Seguiu um repertório parecido com o da outra noite, mas incluiu novas canções de sua lavra (como o pagode “Você Pensa Que Me Engana” e “Quem Me Viu, Quem Me Vê”), a novíssima “Nossos Erros” e mais uma versão, além de “Espelhos d’Água” que cantou pela primeira vez na segunda anterior, quando puxou a linda “Tudo Bem”, de Lulu Santos. O show ainda contou com uma aparição surpresa do capixaba Juliano Gauche, que está passando por São Paulo e foi convidado, na hora, pelo Pélico, para dividir sua “Cuspa, Maltrate, Ofenda” no palco. Uma noite linda e intensa como a primeira, só que outro viés instrumental.
E quando você acha que o próximo mês de novembro não consegue melhorar em termos de show, eis que Lianne La Havas marca mais uma passagem pelo Brasil. A diva soul faz mais dois shows por aqui, tocando no dia 21 no Rio de Janeiro (no Circo Voador, ingressos à venda aqui) e no dia 24 em São Paulo (no Cine Joia, ingressos aqui). E quem foi no show que ela fez no início do ano passado no mesmo Cine Joia (tocando sozinha com sua guitarra e dois únicos convidados, Mestrinho e Pretinho da Serrinha) sabe do estrago emocional que essa mulher causa. Mas se você não foi, confira abaixo:
Mais uma bola dentro do C6, que além do Air, também trará os Pretenders de Chrissie Hynde para sua programação do ano que vem, em maio. Quem anunciou foi a Monica Bergamo. Assisti à banda em 2018, quando eles abriram para o Phil Collins no estádio do Palmeiras e o show foi ótimo; Chrissie Hynde segue mandando bem, como de praxe.
Carox e Flávio Particelli estavam animados mas nervosos com o primeiro show do A Ride for Two, projeto que criaram durante a pandemia para compor canções introspectivas e bucólicas distantes das músicas que fazem em seus projetos até então, quando a velocidade e o ruído do hardcore encobre letras e melodias para valorizar a energia da performance. Mostrando pela primeira vez ao vivo o novo duo, eles sentiram o peso de ouvir as próprias vozes e instrumentos sem distorção ou volume, o que a princípio os deixou tensos no começo da apresentação desta terça-feira, no Centro da Terra. Mas à medida em que iam desbravando as canções e se acostumando ao ouvir as respectivas vozes num contexto longe do caseiro iam ganhando confiança e fazendo o show crescer. Amparados por uma banda afiadíssima, formada por Marcelo Crispim (guitarra), David Margelli (baixo), Thales Stipp (bateria) e Luiz Viola (piano), que nunca transbordava o som de forma a sobrepor-se à dupla vocal, os dois entrelaçavam violão e guitarra (era a primeira vez que Carox tocava o instrumento em público) e os dois belos timbres de vocais nas canções que formam o repertório de seu único EP e algumas inéditas, além de contar com duas participações especiais, cada uma delas trazendo uma referência musical diferente: ao lado de Cyz Mendes, do grupo Plutão Já Foi Planeta, os dois cantaram “Wildflower”, do disco novo da Billie Eilish, e ao lado de Cyro Sampaio tocaram “Miopia”, da banda do convidado, Menores Atos. Um show bonito e delicado, que logo livrou-se do clima de batismo de fogo que tensionava a dupla no início para entrar num portal de sutilezas e melodias que, apesar de estranho às carreiras anteriores dos dois, fez muito sentido para ambos – e para o público, que embarcou na carona proposta pelos dois.
Pélico começou sua temporada Cá com os Meus Botões nesta segunda-feira no Centro da Terra voltando em momentos distintos de seu repertório revistos de forma direta e reta, deixando a força de suas canções de amor soar para além de arranjos meticulosos, silêncios de câmara e várias participações, como pedem seus registros fonográficos. Ao lado de Pedro Regada, que revezou-se entre os teclados e o piano, ele preferiu mostrar suas canções cruas, fossem acompanhadas por seu violão ou conduzidas apenas por sua voz. E assim passou por diferentes momentos de seus três discos mais recentes – Que Isso Fique Entre Nós, de 2011 (representado por “Não Éramos Tão Assim”, “Não Vou Te Deixar, Por Enquanto”, “Sem Medida” e pela faixa-título); Euforia, de 2015 (que também veio com sua faixa-título e “Olha Só”) e por seu disco mais recente, Quem Me Viu, Quem me Vê, de 2019 (que veio com “Machucado”, que abriu o show, “Nosso Amor” e “Amanheci”) -, além de visitar duas pérolas alheias, “Espelhos d’Água” de Dalto que ficou famosa com Patrícia Marx, e “O Que Me Importa” que Cury Heluy fez pra Wanderlea, mas que foi gravado depois por Tim Maia, Ira! e Marisa Monte. Em todas as canções, a intensidade de sua voz reforçava a força das letras e das melodias, que se integravam perfeitamente quando o piano se misturava ao violão, como fizeram na última canção da noite, ao visitar mais uma do disco de 2011, “Recado”. Foi bem bonito.
Apesar de conhecido e reconhecido como um dos grandes nomes da cena musical brasileira deste século, Curumin ainda é um talento a ser descoberto. Por mais que tenha hits tatuados no inconsciente coletivo da noite paulistana, ele ainda não é reverenciado como o gênio que é – e por caprichos próprios, que prefere cultivar amizades e a conexão com o público do que fazer o jogo do mercado da música ou dançar conforme o algoritmo das plataformas. Seu Pedra de Selva, um dos grandes discos de 2024 e talvez seu melhor disco, foi lançado quase na surdina há pouco mais de um mês e, mesmo sendo seu primeiro trabalho lançado em sete anos, é mais um exemplo da forma como conduz sua carreira. Como fez em outros álbuns antes, prefere construir uma coleção de canções que conversa entre si do que a ceder para eventuais apelos pop. E os dois shows que fez neste fim de semana no Sesc Pompeia foram ótimas amostras de sua grandeza. Num palco psicodélico-vegetal (cenário maravilhoso de Rodrigo Bueno, iluminado lindamente por Cris Souto), criou uma versão tropical do assalto dos sentidos do Funkadelic com uma banda transnacional da pesada, que reunia os pernambucanos Jessica Caitano e Maurício Badé, a baiana Aline Falcã, a mineira Josy.Anne (dona da irresistível “Mexerica Mineira”), o paraense Saulo Duarte e os paulistas Fred Prince, Funk Buia, Iara Rennó, Arlete Salles e Lelena Anhaia. Pilotando essa usina sonora com sua bateria em primeiro plano, o músico, cantor e compositor hipnotizou o público com pedradas hipnóticas (“Pira”, “Pisa”, “Água Fria em Pedra Quente”, “Meu Benni” e a deliciosa “Estado de Choque”) e levadas macias (“Paixão Faixa Preta”, “Jacarandá”, “Flecha do Dedo”, “Cigana Cigarra”, “Tempo de Sal” e a já citada “Mexerica..”) num show composto quase unicamente pelo disco novo, reforçando a magia deste encontro recente. Abriu exceção para três de suas pérolas imortais: “Selvage”, “Mistério Stereo” (que puxou no bis sozinho à guitarra, sendo acompanhado pelo tamborim de Prince) e “Samba Japa”, esta última fundida com “Não Adianta” do Trio Mocotó (em reverência ao recém-falecido Fritz Escovão), estas últimas cantadas em uníssono pelo público extasiado pela força da natureza que é este band leader. Eu acho é pouco! Vem mais!
Densa e hipnótica. Assim foi a apresentação que Fernando Catatau e Isadora Stevani fizeram neste primeiro dia de outubro no Centro da Terra, quando reuniram suas ferramentas para criar uma instalação em movimento chamada Outra Dimensão. A descrição do que acontecia no palco – em que o guitarrista desdobrava seu instrumento com auxílio de sintetizadores e pedais para ter sua sonoridade traduzida em movimento pelas imagens em movimento reativas da artista visual – parece simples mas criava um espaço imaginário único, em que coordenadas cartesianas fluidas buscavam firmar alguma referência no que chegava em forma de som, conduzindo o público a um transe que por vezes era idílico e onírico e em outras era pesado e incômodo, sem nunca perder sua natureza abstrata, mesmo quando a guitarra soava apenas como uma guitarra. Um encontro artístico a dois ao mesmo tempo introspectivo e expansivo, este mapa de um não-território me pareceu apenas o primeiro passo numa parceria que pode abrir ainda mais fronteiras a cada nova apresentação. Por isso, que venham outras!
Lindo o encerramento da temporada que o Gole Seco fez às segundas de setembro no Centro da Terra, quando puderam aprofundar suas diferentes personalidades musicais em espetáculos solo em que sempre contavam com a presença das outras três para um momento dedicado ao grupo vocal. A quinta apresentação – num mês com cinco segundas-feiras – trouxe o grupo mostrando novos arranjos em cima do repertório de seu primeiro disco, além das contribuições que cada uma trouxe para o grupo em suas apresentações individuais, funcionando como um balanço e compilação de melhores momentos da temporada. Assim, Loreta Colucci sugeriu “Derramou” de Alessandra Leão, única composição da noite que contou com um instrumento além das vozes, quando a própria Loreta puxou o violão; Giu de Castro pinçou sua parceria com o poeta alemão pré-romântico Goethe em “Distante Amor”; Niwa chamou Björk com as paisagens emocionais de “Jóga” e Nathalie Alvim fez todos chorar com os “Soluços” de Jards Macalé. Entre estas, brincaram e envolveram o público com exercícios, jogos e malabarismos vocais que ao mesmo tempo que eram uma deixa para exibir seus talentos no gogó, também tocaram a todos com uma sensibilidade à flor da pele, realçada pela bela luz de Letícia Nanni, que iluminou magistralmente as cinco noites. Foi demais!
Três artistas de gerações diferentes sincronizaram-se às frequências do Inferninho Trabalho Sujo nessa sexta-feira, quando realizamos mais uma edição no Cineclube Cortina. A noite começou com a estreia da maravilhosa Tontom, que fez seu primeiro show em São Paulo com a desenvoltura de artista estabelecida, que contrasta com seu ar pós-adolescente. Ela ainda trouxe uma banda da pesada, formada por uma parte boa da atual cena do Rio de Janeiro, com Paulo Emmery na guitarra, Vovô Bebê no baixo, Manuella Terra na bateria e Antonio Dalbo nos teclados, todos recriando o pop irresistível produzido e arranjado por Guilherme Lírio no ótimo EP Manias 2000. Ela ainda aproveitou para tocar músicas inéditas e versões, como “Gente Aberta” de Erasmo Carlos e o hit “Lunares” de sua irmã Raquel Dimantas, além de repetir seu hit “Tontom Perigosa” no bis.
Depois foi a vez do Cidade Dormitório submeter o público reunido em sua psicodelia psicodramática, que começou com o baterista Fábio Aricawa sozinho no palco com a guitarra. Foi uma introdução premonitória – e até singela – para a densa viagem promovida pelo grupo, que singrou pelos sentidos entre as paisagens emocionais desoladas das letras superpostas sobre os fractais multicoloridos do som, tudo isso conduzido pela bateria de Fábio ao lado do baixo pesado de João Mário e pelos solos em fúria e discursos intermimáveis de Yves Deluc e segunda guitarra de Lllucas, além de todos assumirem vocais em diferentes momentos do show. O público cantou junto com o grupo músicas de todos seus discos, como Esperando o Pior, Fraternidade-Terror, Verões e Eletrodoméstico e, claro, o recente Ruída ou O Começo Me Distrai, elevando o nível da noite para a catarse.
Quem fechou os trabalhos foi o grande Tatá Aeroplano, que subiu com sua Boate Invisível com duas mudanças na formação, pois dois músicos da banda estão em turnê pelo exterior – o sagaz Arthur Kunz segurou bem o ritmo de Bruno Buarque enquanto Bia Magalhães trouxe voz e carisma para compensar a ausência de Malu Maria. Mas Junior Boca, Dustan Gallas e Kika estavam lá chancelando o recente trabalho coletivo do mister, que começou a noite com músicas de seus discos mais recentes (Boate… e Não Dá Pra Agarrar), que consolidou essa nova formação de sua banda, mas também passeou por outros momentos de sua discografia, incluindo a versão que faz para “Ressurreições” de Jorge Mautner, encerrando os shows de sexta com o astral lá em cima. Foi demais!
Ao liderar uma apresentação formada por três vozes e três instrumentos, Inés Terra nos conduziu rumo ao desconhecido nesta terça-feira no Centro da Terra, quando mostrou ao lado de Paola Ribeiro e Panamby no espetáculo Língua Fora. A apresentação começou com cada uma das participantes desfiando suas vozes e instrumentos individualmente: primeiro a própria anfitriã, tocando um instrumento de corda e percussão chamado finnis terrae, tocado tanto com dedos quanto com um arco, seguida por Paola, que puxou seu berimbau, que também tocou com um arco, e finalizando com Panamby, à frente de um aya, um instrumento primo da cítara, tocado no colo. Cada uma delas usou seu instrumento como porta para suas performances vocais, os três centros da apresentação, que se alinharam ao final, em um transe entre a melodia e o ruído que nos jogou dentro do abismo. Intenso.