Não estava programado, mas encerrar a segunda aula do curso História Crítica da Música Brasileira, que estou fazendo no Sesc Pinheiros, com um show gratuito do Metá Metá convidando Jards Macalé dentro do festival Mario de Andrade (organizado pela Biblioteca Municipal que carrega o nome do escritor e pensador paulista) no Paço das Artes, no Centro de São Paulo, deu um tempero especial para o sábado frio de São Paulo. E a experiência não é só pessoal, uma vez que tanto Bernardo Oliveira (que deu a aula deste sábado) e Rodrigo Caçapa (que dará a aula no próximo e estava como ouvinte na aula passada) também concluíram essa jornada comigo, como alguns alunos que pude reencontrar entre o público. O show pecou pelo som baixo – nada justifica terem colocado as caixas de PA rente ao chão e não apontadas para o público -, mas a química entre o trio paulistano e o mestre carioca é irresistível. O Metá Metá começou a apresentação sozinho, enfileirando seus hits irresistíveis, todos recebidos pelo público como bênçãos coletivas: “Oyá”, “São Jorge”, “Orunmilá”, “Atotô”, “Cobra Rasteira” e “Vias de Fato”, esta última cantada baixinho pelo público e ganhando sua condição de reza. Depois o trio chamou o velho Macau para o palco, que logo depois assumiu o show sozinho puxando hinos como “Soluços” e “Vapor Barato”, esta tocada ao lado do sax de Thiago França. Kiko Dinucci e Juçara Marçal voltaram ao palco para acompanhar o compadre em outros clássicos, como “Pano pra Manga”, a nova “Coração Bifurcado”, a imortal “Negra Melodia”, composta com Waly Salomão (te dedico, Juliana Vettore), e “Let’s Play That”, que o Metá já toca em seu repertório habitual. Os quatro não resistiram ao clamor do público e voltaram para o bis cantando “Juízo Final”, de Nelson Cavaquinho, que transformou o local numa missa sobre a vitória da luz sobre as trevas. Ave música!
E esse Both Sides Now que a Luíza Villa tá fazendo em homenagem à Joni Mitchell no Belas Artes vai ser bonito demais… Olha só essa versão de “Coyote” que a gente passou neste domingo. A apresentação vai acontecer no dia 31 de outubro, logo depois da exibição do documentário Echo in the Canyon, sobre a cena do bairro de Laurel Canyon, em Los Angeles, no final do anos 60, que viu florescer não apenas a obra de Joni como de artistas como Byrds, Buffalo Springfield, Mamas & The Papas, Doors e Frank Zappa. O show da Luíza acontece logo depois e os ingressos já estão à venda neste link.
Tem coisas que só no Inferninho Trabalho Sujo… No meio do showzaço que a Grand Bazaar fez nessa sexta-feira do Picles, alguém da plateia chega nos saxofonistas João Barisbe e Fernando Sagawa. Conversa vai, conversa vem, o sujeito parece se entender com os dois e sai da frente do palco. Logo depois surge com um case, puxa um sax de dentro e rasga um solo no meio da folia balcânica do sexteto, que dominava a plateia sem a menor dificuldade, fazendo todo mundo agachar e pular, terminando a apresentação botando o público do Picles numa roda que tomava conta de todo o lugar. Depois da banda, eu e a Fran botamos a casa abaixo, como de praxe (ainda mais quando a festa cai na sexta, afff). E fica aqui o registro das ideias que brotaram no camarim: o show Grand Bazaar toca Skank (me chama que eu dirijo hahahah) e o bloco carnavalesco Grand Blooco. Pra ninguém dizer que esqueceu, hein.
Paulo Beto conduziu o público para anos-luz sem sair do palco do Centro da Terra. De costas para a plateia, regendo sua pequena orquestra acústica ao mesmo tempo em que pilotava seus sintetizadores e sequenciadores, ele partiu dos textos poéticos que o cientista Carl Sagan fez sobre o espaço sideral e o lugar de nosso planeta para a sua série de TV dos anos 70 chamada Cosmos e a partir de imagens concebidas pelo videoartista Jodele Larcher, que nos atiravam às galáxias, conduziu uma viagem sensorial ao lado de sua Anvil FX Orchestra, quando contou com suas camaradas Bibiana Graeff (entre p piano, o acordeão e as teclas do glockenspiels), Livia Cianciulli (com seus saxes e flautas) e Eloíse Elipse (pilotando um theremin) para sintetizar o som do espaço enquanto Rodrigo Carneiro e Tatiana Meyer liam o texto de Sagan, misturando tudo num amálgama de poesia, cacofonia, transe sonoro e visual que hipnotizou todos os presentes. Estes ainda puderam participar do grand finale, ao disparar sons de seus telefones celulares a partir de QR-Codes coloridos que foram espalhados no público antes da apresentação – a cada tonalidade estourada na tela, um link abria uma série de sons que conversavam com a música que estava sendo feita no palco. Uma noite inacreditável.
Lê Almeida antecipou seu próximo disco, I Feel in the Sky, em uma apresentação hipnótica abrindo os trabalhos de outubro no Centro da Terra. Em sua versão solo, ele manteve os compadres de Oruã na formação – como Bigú Medine (agora disparando efeitos), João Casaes (nos teclados) e Phill Fernandes (na bateria) – mas convidou a baixista Melanie Radford e o baterista Cacá Amaral para fazer o público decolar em câmera lenta a partir de células musicais repetidas circularmente pela banda, enquanto ele cantarolava suas canções sobre uma base que conversava tanto com o krautrock quanto com o afrobeat – e tudo num ritmo vagaroso e hipnótico, barulhento e doce na mesma medida. Em dado momento do show, ele ainda chamou mais gente pra sua gira, convocando Ana Zumpano para a percussão e Otto Dardenne e Alejandra Luciani como vocais de apoio e fez um bis com uma música que havia sido composta no dia anterior. Só delírio.
Mais um Inferninho Trabalho Sujo que deixou o Picles intenso, dessa vez com jorros de energia elétrica capturados por duas bandas que mal têm registros fonográficos e puxadas por vocalistas endiabradas. A noite começou com a força do Fernê, grupo que conta com dois Pelados (o baterista Theo Cecato e a vocalista Manu Julian) e um Chico Bernardes em sua formação, cada um deles mostrando facetas musicais bem diferentes das que são mais conhecidas. A banda é completa com a guitarra noise de Max Huszar e o baixo de Tom Caffé, passeou por músicas próprias e versões personalíssimas para “Terra” (Caetano Veloso) e “Hunter” (Björk) e é impressionante como Manu torna-se outra vocalista com essa formação, completamente entregue ao palco e deixando sua voz voar solta. Logo depois foi a vez do quinteto Madrugada solapar o público com sua parede de krautrock improvisado, com os irmãos Dardenne (Yann na bateria e Otto no baixo), puxando bases hipnóticas e pesadas desta vez acompanhadas de um novo integrante, o percussionista Thalin, que também toca na Dupla 02, nos Fonsecas e no Eiras e Beiras, e deu um tempero especial ao molho dos irmãos. À frente, dois dos donos do Porta (o guitarrista Raphael Carapia e a tecladista e vocalista Paula Rebellato) soltam os cachorros do barulho em cima do público, Paula especialmente catártica, conduzindo a pequena massa com seus gritos dilacerantes, efeitos sonoros entre o terror e o pesadelo e o carisma enfeitiçado de sempre. Depois desse choque de som, eu e Fran seguimos à noite quase sem fôlego, mas lá pelas duas da manhã a pista estava pegando fogo! E a próxima edição é na sexta que vem, hein!
Belíssima a apresentação que a cantora e compositora paulistana Sophia Ardessore realizou nesta terça-feira no Centro da Terra. Acompanhada por uma banda enxuta e precisa – os teclados de Nichollas Maia e a bateria de Matheus Marinho, ambos regidos pelo baixista Fi Maróstica -, ela singrou para além de seu primeiro álbum, Porto de Paz, se aventurando num novo alto mar e por algumas primeiras vezes – tanto tocando em público só com o violão, quanto estreando canções inéditas e celebrando uma parceria de menos de mês, quando convidou a nova amiga Mari Merenda para dividir os vocais em duas canções. Cada vez mais segura de sua voz, Sophia ainda explorou canções alheias enquanto não tinha dificuldades para dominar o público.
Enio começou sua série Encontros Híbridos nesta terça-feira no Centro da Terra, quando desfilou seu repertório ao lado de músicas de seu convidado da vez, o pianista pernambucano Zé Manoel, de quem visitaram juntos “Adupé Obaluaê” e “Canção e Silêncio”. Mas o baiano aproveitou a oportunidade para reverenciar a Bahia por muitos de seus autores, intérpretes e sonoridades, passando por “Sorte” (de Celso Fonseca e Ronaldo Bastos, eternizada por Gal e Caetano), “Me Abraça e Me Beija” (do mestre Lazzo Matumbi, canonizada pela atual ministra da cultura Margareth Menezes) ou “Emoriô” (de Gilberto Gil e João Donato), além de reverenciar Letieres Leite e Olodum (lembrado na eterna “Deusa do Amor”). Enio também mostrou as músicas de seu primeiro disco que ainda não se materializou, tocando diferentes instrumentos (guitarra, teclado, baixo) e disparando beats quando mostrou que seu cancioneiro também avança pelo hip hop e pela música eletrônica. Mas um dos grandes momentos do encontro ocorreu logo no início da noite, quando o anfitrião e seu convidado dividiram uma das músicas mais agudas do pianista, a infelizmente atual “História Antiga”.
Se na penúltima apresentação de sua temporada Águas Turvas no Centro da Terra Dinho Almeida reuniu sua família de escolha, juntando amigos/vizinhos para uma jam onírica em torno de seu novo repertório, nesta última segunda-feira de setembro ele embarcou em uma viagem ainda mais cossangüínea ao convidar sua irmã Flávia Carolina para entoar suas canções. E não só as de Dinho, mas também as dela e inclusive uma do pai dos dois, finalizando a temporada no mesmo tom terapêutico esteve presente nessas noites. A entrega superou as expectativas: as vozes dos irmãos têm um encaixe perfeito, mesmo com timbres parecidos, e o ritmo de Flávia, que por vezes alternava instrumentos de percussão, explicava a mão direita de Dinho na guitarra, tornando riffs e acordes quase sempre pulsantes. Uma noite linda de uma temporada transformadora. Voa, Dinho!
Pesado esse show que a Bike fez com o Tagore nessa terça-feira no Centro da Terra, enfileirando hits da lisergia brasileira que colocava os dois artistas num cânone viajandão que enfileirava Arnaldo Baptista solo (LSD), Pedro Santos (“Um Só”), Cérebro Eletrônico (“Pareço Moderno”), Júpiter Maçã (“Um Lugar do Caralho”), Fábio (“Lindo Sonho Delirante”), Tom Zé (“Parque Industrial”) e Violeta de Outono (“Declínio de Maio”), entre outros clássicos da música psicodélica brasileira, todos rearranjados com muito peso, microfonia e ritmo, cortesia da química entre os integrantes da banda paulista. O ápice da apresentação foi quando o grupo soltou Tagore em cima de dois hinos do udigrudi nordestino, quando emendou “Vou Danado pra Catende” de Alceu Valença com “Nas Paredes da Pedra Encantada Os Segredos Talhados por Sumé” do mitológico Paebirú, de Zé Ramalho e Lula Côrtes, que contou com uma interpretação possessa do vocalista pernambucano.