Bem bonita a estreia autoral de Lara Castagnolli nesta segunda-feira no Centro da Terra, quando apresentou pela primeira vez o show inteiro com repertório próprio com o título que batiza seu disco de estreia, Araribá, acompanhada por uma banda formada por Tommy Coelho (violão e bateria), Pedro Abujamra (teclado e piano), Bento Sarto (guitarra e violão), Theo Ribeiro (contrabaixo) e Maria Violeta (vocais de apoio), além de contar com as participações de Mestrinho (vocais e acordeão), Morgana Moreno (flauta), Laura Santos (clarinete) e Tayná Ibanêz (vocais). Além das músicas próprias (grande parte fazendo alusões ao reino vegetal, área de formação da cantora, que estuda engenharia florestal), Lara ainda passeou por standards da música brasileira, como “Travessia” e “Força Estranha”, e fez o público cantar suas músicas ainda inéditas.
Já dá pra cravar que o grupo de Ponta Grossa Hoovaranas é um dos grandes nomes que estão despontando no novo indie rock brasileiro – e isso não é uma pergunta. Depois de serem escalados no festival Cinco Bandas do site Minuto Indie no início do semestre e de terem se destacados como sendo o único consenso da noite, o trio formado pelo guitarrista Rehael Martins, o baixista Jorge Bahls e o baterista Eric Santana teve a dura tarefa de segurar a abertura do show de lançamento do disco novo dos Boogarins nessa sexta-feira no Cine Joia e fez bonitaço. Em quase uma hora de delírio instrumental e noise entre o pós-rock e o math rock, o grupo não só segurou a atenção do público como o embalou lindamente com camadas pesadas de ruído elétrico, ganhando fãs quase que instantaneamente, que correram para comprar o disco de vinil que a banda acabou de lançar pelo selo da banda Bike, que chama-se, ora, Bike Records. Showzão que consagrou um novo nome pra ficar de olho em 2025.
Depois foi a vez dos Boogarins destamparem a caixa de Pandora chamada Bacuri. Um dos grandes discos de 2024 também é o ápice da banda em dez anos de rock independente, consagrando a dinâmica de um dos grupos mais influentes do país nos últimos anos num disco irretocável, tanto no quesito psicodelia quanto na categoria pop, com canções tão memoráveis quanto delirantes. Libertá-las na mesma ordem do disco foi um exercício inédito para a banda, que tocou algumas delas – entre elas o épico “Deixa”, que fecha o disco – pela primeira vez no palco. E como jogavam com o jogo ganho – o público já tinha aprovado o show antes mesmo dos primeiros acordes -, não tiveram dificuldades de conduzir o público por sua jornada sobre amor e família que compuseram neste período pós-pandêmico, reunindo para esse evento toda a família Boogarins, tanto literal, com a presença dos pais dos dois guitarristas na plateia, e quanto lúdica, com o time todo reunido para um show histórico, Renatão no som, Hugo na luz, Alê no monitor, Rolinos nos vídeos e Chrisley no palco, além do público, filhotes embevecidos pela eletricidade melódica da banda. E por melhor que tenha sido essa primeira apresentação de seu Bacuri ao vivo, algo me diz que o disco ainda vai crescer muito mais nos palcos, ainda mais se eles mantiverem o ritual de tocar o disco na ordem (tá na hora da gente se desligar de playlists!). E sem sair pro bis emendaram uma sequência de músicas de diferentes épocas de sua carreira (“Noite Bright”, “Auchma”, “Invenção”, “Falsa folha de rosto” e “Foimal”) que provam que Dinho, Benke, Fefel e Ynaiã são o melhor grupo de rock do Brasil hoje sim e um dos melhores da história deste mesmo rock – e têm a faca e o queijo na mão para se tornar um dos grandes nomes da música brasileira sem precisar ficar preso a este gênero. E a impressão é que acabaram de começar essa nova fase de sua carreira. Voa, Buga!
Brutal e envolvente: assim foi o lançamento de Colinho, segundo disco solo de Maria Beraldo, que aconteceu nesta quarta-feira no teatro do Sesc Pompeia. Acompanhada apenas pelo baterista Sérgio Machado e pelo baixista Fábio Sá, ela trouxe sua nova safra de canções para o palco mostrando como o registro fonográfico tem uma outra vida para além da música ao vivo, trazendo maciez e aspereza que o disco parecia apenas insinuar. A compositora também enfatizava o movimento do álbum ao espalhar-se pelo palco em direção aos instrumentos, por vezes ia ao piano de cauda, outras ia para o violão, que ficava em frente à bateria de Serginho, outras para a guitarra, que ficava próxima ao piano, enquanto Fabinho fazia o mesmo, indo para o piano, para o synth, para o contrabaixo acústico ou elétrico, enquanto o baterista disparava ruídos e fazia vocais de apoio. O movimento também estava (óbvio) nos gêneros e o show fluía entre a ambiguidade da música eletrônica, a fritação do free jazz, a doçura do canto brasileiro ou a estridência da experimentação sônica. Reforçando sempre o aspecto espartano da noite, sem cenário, sem bis e sem papo, Maria foi cumprimentar o público lá pela quinta música e abriu poucos momentos não-musicais, quando como apresentou seus parceiros de palco ou quando explicou a relação dos livros Mar Morto de Jorge Amado e O Quarto de Giovanni de James Baldwin que originou a faixa “Guma”. Com direção de Felipe Hirsch, o espetáculo ainda contou com mais uma soberba condução de luzes feita por Olivia Munhoz, que preferiu trabalhar com a alternância entre sombra e penumbra com beats fortes de luz na cara do público, entre o mistério e o atordoo, conversando com os silêncios e esporros do som. Beraldo mostrou o disco inteirinho e quase na ordem original, com poucas exceções que funcionaram lindamente, como a abertura do show com a última música do disco (“Minha Missão”, de João Nogueira) em que cantou sozinha ou ao intercalar músicas do disco novo com as de seu disco de estreia, Cavala, emendando “I Can’t Stand My Father Anymore” com “Amor Verdade”, “Maria” com “Crying Now” e “Da Menor Importância” com “Matagal”. Ela ainda visitou Djavan com a sintomática “Nobreza” e trouxe “Truco” quase para o final da noite, que encerrou-se com uma versão tocante para “Ivy” do Frank Ocean. Um dos grandes shows do ano, sem dúvida.
Uma noite esplendorosa nesta terça-feira no Centro da Terra quando o público lotou o teatro para ver o reencontro dos amigos Léa Freire, Filó Machado e Alaíde Costa. Os dois primeiros começaram a noite entre números instrumentais e composições de Filó Machado (como “Carmens e Consuelos” e “Terras de Minas”), com Léa na flauta transversal, atuando como anfitriã da noite, enquanto seu compadre dividia-se entre o violão e os vocais, que por vezes acompanhava as canções que tocavam juntos, por outros fantasiava-se de bateria ou contrabaixo em vocalizes cheios de groove. A noite ficou ainda mais grandiosa com a entrada da diva Alaíde Costa, que começou cantando “Segundo Andar”, eternizada por Dalva de Oliveira, que comentou que acabara de gravar com os próprios Léa e Filó. Depois o trio passeou por canções guiadas pelo canto magnífico da deusa da voz, como “Diariamente” (de Paulo César Girão), duas de Fátima Guedes pinçadas de seu Muito Prazer (“Absinto” e “Eu Te Odeio”) e um clássico do argentino Piero De Benedictis (“Pedro Nadie”) para encerrar com a maravilhosa “Céu e Mar”, de Johnny Alf, numa noite histórica para o teatro. Quem foi sabe.
Marcelo Rubens Paiva trouxe sua trupe musical Lost in Translation para o palco do Centro da Terra na primeira apresentação de dezembro no teatro para celebrar a importância de Bob Dylan na música pop ao misturá-la com poesia, pinçando alguns dos grandes discípulos do autor em versões próprias, por vezes traduzidas e declamadas, em uma noite batizada de Pedras no Caminho. Acompanhado de Fábio França, Rick Villas-Boas, Arthur França, Luli Villares e Luiza Villa, Marcelo recitou algumas traduções próprias e tocou gaita enquanto liderava seu grupo por canções de Dylan (“Blowing in the Wind”, “It’s Alright, Ma (I’m Only Bleeding)”, “Hurricane”, “Like a Rolling Stone” e “It’s All Over Now Baby Blue”, que também veio via Caetano, em sua versão “Negro Amor”, que batizou o espetáculo), Lou Reed (“Perfect Day”, “Walk on the Wild Side”), Neil Young (“Harvest Moon”), Patti Smith (“Dancing Barefoot”), Nick Drake (quando Luiza e Arthur fizeram dupla tocando duas do maravilhoso Bryter Layter num mesmo fôlego, “Introduction” e “Hazey Jane I”), Johnny Cash (“The Man Comes Around”) e Leonard Cohen (“Dance Me to the End of Love”). Um dos pontos altos da noite foi a versão para “Master of War”, conduzida de forma bilíngue por Marcelo e Luiza, numa segunda-feira que lotou o teatro e terminou com a emblemática “All Along the Watchtower”, imortalizada por Jimi Hendrix.
Neste domingo pude ver mais um show que Juçara Marçal fez celebrando seu clássico disco de estreia, Encarnado, desta vez no Itaú Cultural, o primeiro no ano com a presença de Thiago França. Como nas outras vezes, a apresentação contou com o trio cinco estrelas que funda o púlpito eletroacústico em que a mestra discorre sua trágica obra: o suíço Thomas Rohrer na rabeca, Kiko Dinucci na guitarra e Rodrigo Campos alternando entre a guitarra e o cavaquinho. E além dos clássicos do disco de 2014 (canções inesquecíveis de seus compadres – “Velho Amarelo” de Rodrigo Campos, “Queimando a Língua” de Rômulo Froes, “Pena Mais que Perfeita” de Gui Amabis e “A Velha da Capa Preta” de Siba, além do ápice ao vivo que é a transição entre a dramática “Ciranda do Aborto” – ainda mais cantada neste fim de 2024 – e a bucólica “Canção para Ninar Oxum”), Ju ainda passeou por canções clássicas de seu cânone brasileiro pessoal, como “Xote de Navegação” de Chico Buarque (em que é acompanhada apenas por Thomas tocando um fuê de cozinha e desandou numa versão noise para “Odoyá”) e “Dor Elegante” do Itamar Assumpção (quando convidou Thiago para o palco e deslizou no nome do autor num momento cômico involuntário que serviu para dissipar o clima tenso da noite até então). Aproveitou a presença de Thiago para voltar ao disco com a imortal “Damião” e “E o Quico?”, do mesmo Itamar (qual deles?), com o maestro da Charanga disparando eletrônicos em vez de tocar seu sax. O show terminou com a saudação a Tom Zé em “Não Tenha Ódio no Verão” (e seu refrão desopilador) e as três tragédias suburbanas descritos por Paulinho da Viola (“Comprimido”), Kiko Dinucci (“João Carranca”) e Rômulo e Thiago (“Presente de Casamento”). O show terminou no alto com uma inédita que veio no bis, quando o quinteto novamente reunido, instigou o público com a emblemática “Opinião”, de Zé Keti, numa versão eletrocutada. Deixa andar…
Na primeira edição do Inferninho Trabalho Sujo no Redoma, tivemos uma overdose de rock moderno a partir de duas vertentes diferentes da atual cena paulistana, encarnadas nos grupos Applegate e Naimaculada. O primeiro começou a noite mostrando seu recém-lançado segundo álbum Mesmo Lugar na íntegra e chamando convidados para esta jornada, entre eles dois integrantes da segunda banda da noite, o saxofonista Gabriel Gadelha e o guitarrista Samuel Xavier, além da novata Maria Clara Melchioretto, que dividiu o vocal em algumas músicas da banda, que está endiabrada, com o vocalista Gil Mosolino dividindo-se entre solos lisérgicos de guitarra e pirações freestyle no synth, acompanhado de perto do baixista Rafael Penna, que tocava synthbass e baixo elétrico, do guitarrista Vinícius Gouveia e do baterista Luca Acquaviva, numa apresentação intensa.
Depois foi a vez do Naimaculada encerrar as atrações no palco. Seus timbres de rock pesado pairam sobre as estruturas melódicas de suas canções, entre a soul music, o blues e o funk, e abrem espaço para improvisos jazzísticos, deixando cada um dos músicos aparecer de forma isolada, todos eles trabalhando para a construção das músicas coletivamente. Por isso, por mais que o vocalista Ricardo Paes acabe naturalmente se destacando (seu vocal rasgado e falado, sua presença de palco e seu carisma o tornam um showman inevitável), a guitarra de Samuel Xavier, o baixo de Luiz Viegas, a bateria de Pietro Benedan e os sopros (sax e flauta transversal) de Gabriel Gadelha, conspiram em uma única vibe, urbana e sofrida ao mesmo tempo que é catártica e coletiva, fazendo o público cantar juntos em vários momentos. Às vésperas de lançar seu primeiro disco (A Cor Mais Próxima do Cinza) no início do próximo ano, o Naimaculada é um dos novos grupos mais promissores da atual cena de São Paulo.
E quarta-feira também foi dia de comemorar o aniversário do Guilherme Held, quando ele colocou seu CØMA, projeto pós-punk que inventou com a baterista Bianca Godoi, em prática na Porta, em sua segunda apresentação. E por mais que a primeira, que aconteceu no Centro da Terra, tenha funcionado, foi nesta vez que o grupo mostrou a que veio, pra começar pelo próprio guitarrista ter se apresentado de pé (o que não aconteceu no teatro porque sua correia arrebentou minutos antes do show), o que permitia que o aniversariante regesse o groove quadrado da banda em seus riffs instantâneos, fazendo a baterista e o baixista Rubens Adati o acompanharem na base repetitiva enquanto o vocalista Otto Dardenne e Joana Bergman e Danilo Sansão, ambos pilotando synths, pudessem florear por sobre o ritmo primal. O fato do público também estar de pé ajudou bastante no fluxo da noite, até contar com uma participação especial surpresa – até pra banda – quando Tony Gordin invadiu o palco para tocar bateria (ao lado de Bianca) ou dividir os vocais com Otto, tão surpreso com o feat inusitado quanto todos os presentes. É pós-punk que você quer? Então toma! E a noite encerrou com a hashtag puxada por Décio 7, que chegou quase no fim, exigindo #mudalogoguiheld.
Maravilhoso o tributo que Luedji Luna está fazendo em homenagem à sua (e nossa) musa Sade. Depois de shows no Rio de Janeiro e Salvador ela estreou esta apresentaçãoi em São Paulo na mágica sala Adoniran Barbosa do Centro Cultural São Paulo, cujos ingressos evaporaram assim que o show foi anunciado – e ela não decepcionou. Ela contava com uma banda afiadíssima – Weslei Rodrigo no baixo, Renato Sobral na guitarra, Gabriel Gaiardo nos teclados, Jhow Produz na batera, Rudson Daniel na percussão, Sidmar Vieira Souza no trompete, Jefferson Rodrigues no sax, Flavia Mello e Edyelle Brandão nos vocais de apoio. – que não só a reconhecia pelo olhar como sabia muito bem a hora de deixar o groove macio correr solto e os momentos em que a estrela tinha que brilhar. E como brilha! Luedji estava deslumbrante cantando descalça e trazendo toda a majestade que a homenageada pedia, hipnotizando o público com uma voz de cetim, que aveludava nos momentos mais graves e parecia líquida em momentos-chave, como por exemplo quando visitou a perfeita “No Ordinary Love” emendando com sua “Salto”, num dos vários momentos em que a noite esquentou mais que o calor que fazia naquela quarta-feira. Era um encontro de deusas numa só pessoa, tão natural que Luedji sequer parecia sentir o peso da responsabilidade, carregando-o como quem empina uma pluma no nariz. Uma joia de show – e como é bom retornar ao Centro Cultural São Paulo…
Ao submeter o público do Centro da Terra a um recital de quatro instrumentos com peças compostas por ela mesma (reunidas sob o título de “Mímica”), Stephanie Borgani e seus parceiros pairaram entre o lirismo e as acrobacias instrumentais, passeando por canções tão belas quanto de difícil interpretação. Ao lado da também vocalista Marina Marchi e dos saxofonistas Marlon Cordeiro e Lucas Sales, ela fez o público flutuar ao som de seus timbres vocais e metais, interligando frases melódicas e superpondo notas em acordes que desnorteavam a audiência às vezes pausando a respiração de todos. A segunda parte da apresentação ainda contou com duas composições de Marina arranjadas por Stephanie (“Pro Brédinho” e “Há de Haver um Nome”) e mais uma da estrela da noite (“Quieto, Por Favor”), antes de voltar para o bis em que passearam por um arranjo sobre a melodia de “A Noite do Meu Bem”, de Tom Jobim e Dolores Duran.