E o quinteto baiano Tangolo Mangos começou nessa sexta-feira, no MIS de São Paulo, uma longa turnê que passa pelo sul, sudeste e centro-oeste do Brasil em quatorze shows em menos de um mês, azeitando ainda mais o showzaço que vêm apresentando desde o começo do ano. E é impressionante como crescem no palco – as canções de seu disco de estreia, Garatujas, lançado no fim do ano passado, ganha uma energia e vitalidade que não estão no disco, elevando a mescla de rock psicodélico e música nordestina (que se cruzam naquele lugar quaaaase prog, mas sem perder o pique pop) a um patamar que mistura solos e riffs precisos, mudanças de tempo ousadas, performance corporal, muita microfonia (inclusive inusitada, quando o pedal wah-wah do vocalista Felipe Vaqueiro resolveu não desligar mais, do meio do show em diante) e uma química cada vez mais intensa entre seus integrantes, que sequer precisam se olhar para passar de uma música pra outra ou trocar o clima no meio das canções. E além das músicas do primeiro disco eles já trabalham várias músicas novas, que o público já conhece de outros shows e gravações não-oficiais. O show no MIS ainda teve a cereja de ter o som feito pela Alejandra Luciani, deixando todos os instrumentos cristalinos sem perder o volume do barulho que fazem no palco. Voa, Tangolos!
Quinta foi dia de visitar a Porta pra ver show de duas bandas em diferentes estágios, mas na mesma frequência. Tanto a nova versão do Retrato quanto os primeiros passos do banda nova do Otto Dardenne passeiam por caminhos distintos do casamento entre melodia e microfonia, mas a jornada dupla fez sentido para quem pode passar na casa da Vila Madelena. A noite começou com a ex-dupla Retrato (que agora é um quinteto) preparando-se para sua primeira turnê na região sul do país. O grupo formado pela dupla Ana Zumpano (bateria e vocais) e Beeau Gomez (guitarra e vocais) juntou-se em definitivo com a dupla Antiprisma (o casal Elisa Moreira na guitarra e Victor José no baixo) e a John Di Lallo (sintetizadores e efeitos) deixando seu som mais volumoso e, justamente por isso, hipnótico, misturando levadas kraut, ruídos com melodias velvetundergroundianas, um gostinho sessentista e uma pitada de eletrônica vintage, deixando as canções assumir seu lado mais onírico. Só pecou por ser curto: como disse pros dois no final, tinham músicas ali poderiam ser esticadas por mais de dez minutos, só no groove analógico. Mas funcionou bem.
E depois do Retrato foi a vez de Otto Dardenne mostrar seu primeiro projeto solo batizado com o trocadilho que fez com o disco mais recente da Rosalía e seu username nas redes sociais, Ottopapi. E ele montou um supergrupo indie para acompanhá-lo em seu segundo show: Gael Sonkin do Mundo Vídeo na batera, Thales Castanheira (que toca com a Manu Julian) na guitarra solo, Bianca Godoi no baixo e Danilo “Várias Fitas” Sansão nos synths e efeitos fazem as canções do guitarrista ganhar corpo e sintonizar numa frequência parecida com a da banda anterior, embora puxando mais pras melodias indie (um astral “Sonic Youth de rua” como disse um compadre presente no local) e prum ar de power pop que naturalmente habitam suas composições. Showzão.
De volta aos palcos em grande estilo, Soledad apresentou o espetáculo Desterros nesta terça-feira no Centro da Terra quando passeou por um repertório cearense que contemplava tanto a praia quanto o sertão, tanto clássicos quanto a contemporaneidade, acompanhada de uma banda afiadíssima, quase toda sua conterrânea, mesmo que por convivência: o baterista Xavier e o guitarrista e baixista Davi Serrano são do Ceará, enquanto a tecladista brasiliense Paola Lappicy tem raízes paraibanas, o guitarrista e baixista Allen Alencar é do Sergipe e o percussionista Clayton Martin vem da Moóca, mas como único não-cearense do grupo Cidadão Instigado, já tem dupla cidadania. Além destes subiram ao palco o guitarrista Fernando Catatau – que tocou uma música ao violão e as outras numa curiosíssima guitarra tenor canadense verde-limão – e a cantora Paula Tesser, também conterrâneos de Sol, que pinçou um repertório mágico para uma noite intensa, que passou por Mona Gadelha (“Cor de Sonho”), Clodo, Climério e Clésio (“Tiro Certeiro”), Amelinha (“Santo e Demônio”), Belchior (“Meu Cordial Brasileiro”), Fagner (“Postal do Amor”), Rodger Rogério (“Ponta do Lápis” e “Quando Você Me Pergunta”), Chico Anysio (“Dendalei”, do projeto Baiano e Os Novos Caetanos), Ednardo (“Beira Mar”, do clássico Meu Corpo Minha Embalagem Todo Gasto Na Viagem), além de duas de Vitor Colares, seu cantor favorito, que encerraram a noite: “Vermelho Azulzim” numa versão emotiva e a canção “Jardim Suspenso”, que reuniu todos no palco. Foi lindo.
A temporada Eu Nem Tinha Nascido que o Gabriel Thomaz começou nesta segunda-feira no Centro da Terra veio com o gás todo – e ele trouxe os Autoramas para começar tudo com o pé na porta. A nova encarnação do grupo, que conta com o baterista Igor Sciallis, o baixista Jairo Fajer e a tecladista – que também toca castanholas – Luma Lumee fez essa temporada começar com o dedo na tomada, quando o grupo revisitou seu repertório clássico, incluindo músicas de seu disco de estreia que comemora aniversário de 25 anos neste 2024, como “Autodestruição”, “Ex-Amigo” e a irresistível “Catchy Chorus”. Esta última fechou a noite com o grupo chamando todo mundo pro palco, transformando tudo numa grande zona, mas – como o show todo – sem precisar sair de sua área-base, o rock para dançar! E antes de terminar o show, Gabriel anunciou a programação das próximas segundas-feiras, avisando que, na próxima, quando toca com seu projeto solo Multi-Homem, contará com as presenças de Tatá Aeroplano e BNegão! Como o próprio Gabriel sempre diz: rrrrrock!
E entre rever parentes e compadres e ter alguns dias de descanso em Brasília, ainda calhou de estar na minha cidade ao mesmo tempo em que a querida Tulipa Ruiz – quando finalmente pude assistir a um show de seu Habilidades Extraordinárias, menos de um mês após a passagem do mestre Luiz Chagas, pai dela e de seu guitarrista quase univitelino Gustavo Ruiz. Pudemos conversar bastante sobre a ida do mestre, mentor, jornalista e guitarrista num papo em que ela comentou sobre as cartas do velho Chagas que revisitou nestes últimos dias e a lembrança sobre sua importância também como tradutor – algo que nunca pude conversar com o velho guru: são deles as traduções clássicas para Misto Quente do Bukowski, Lady Sings the Blues (a biografia de Billie Holiday), 13 de Pete Townsend e da primeira edição de Flashbacks, do Timothy Leary, só pra ficar nos livros lançados pela Brasiliense. O show em Brasília, que fez parte do encerramento do primeiro dia do Festival Coma, que ainda atravessa o próximo fim de semana, foi o segundo que os dois fizeram depois da ida do pai e ambos me falaram como o show anterior, em São Luís no Maranhão, os reenergizou positivamente, algo que Tulipa deixou claro ao revisitar o número mais clássico de seu pai, a gigantesca “Às Vezes”. Salve, meu!
Tirei uns dias de descanso na minha cidade-natal, mas assistir a shows é trabalho e diversão ao mesmo tempo – além de ser motivo para finalmente visitar o novo Sesi Lab, unidade do Sesi que tomou o lugar do antigo Touring, em frente ao mitológico Conic, que recebe uma vez por mês artistas escolhidos pela curadoria da comadre Roberta Martinelli. Só o Sesi Lab – com sua exposição permanente de experimentos científicos que encanta adultos e crianças – já vale a visita, mas o show mensal também reúne um bom recorte da noite brasiliense e calhei de assistir a mais um show dos manos do Mombojó, segunda apresentação que vejo deles nesse ano, tocando o disco Carne de Caju, em que veneram o mestre Alceu Valença entre seus próprios hits. E o show em Brasília teve um gostinho pernambucandango a mais quando Felipe S. convidou Fabinho Trummer, o líder da clássica banda Eddie, que agora está morando em Brasília, para dividir os vocais na clássica “Coração Bobo”. Showzão.
Maravilhosa a apresentação que o grupo Música de Montagem fez nesta terça-feira, encerrando a programação de música de julho no Centro da Terra. Liderado pelo professor Sergio Molina, que salta do violão para o piano em quase todas as músicas, regendo o resto do grupo enquanto faz os vocais, o grupo conta com um time de instrumentistas que reúne características quase antagônicas quando falamos de música: concisão e exuberância. Todos eles – da baterista Priscila Brigante à baixista Clara Bastos, passando pelo guitarrista Vitor Ishida e pela voz e presença da fantástica Xofan – dominam tanto seus instrumentos quanto têm plena noção de exibir seu virtuosismo apenas em momentos específicos, preferindo manter a coesão das canções, que passeiam por territórios espinhosos sem nunca perder a ênfase no pop. A presença dos dois convidados da noite – a elegante Ana Deriggi e o apaixonante Rubi – só aumentaram o sarrafo de uma apresentação para ser aplaudida de pé. Excelente!
Direto de Sorocaba, Dabliueme foi o convidado final da temporada BNegron Convida, que o MC BNegão conduziu às segundas-feiras de julho no Centro da Terra. Sozinho em sua MPC, o produtor e poeta fez incursões por diferentes raízes da música brasileira, misturando João Donato, Elis Regina, Tincoãs e Aldir Blanc entre beats e loops e seus versos falados para depois receber o anfitrião da temporada, com quem dividiu o palco por três números, cada um apontando para um lado diferente.
Só quem foi sabe. Os Boogarins levaram o público que lotou o Picles no aniversário de primeiro ano do Inferninho Trabalho Sujo para lugares distantes dentro de si mesmo ao improvisar por quase duas horas em mais uma Sessão de Cura e Libertação – estava lembrando com eles, após a sessão, que a última que eles fizeram com público presente foi quando os chamei para tocar no Centro Cultural São Paulo quando fazia curadoria de lá. De alguma forma, portanto, o quarteto goiano estancou o pesadelo que atravessamos nos últimos anos, com Dinho soltando na voz os demônios em nome de todos os presentes, Benke derretendo-se nas paredes enquanto sua guitarra rasgava o ambiente, Fefel entre o baixo e o synth criando linhas melódicas que funcionavam como bases para o metrônomo preciso – e free – do baterista Ynaiã Benthroldo. Uma noite épica que continuou comigo e a Fran naquela pistinha que todos conhecemos bem. E em breve teremos grandes novidades sobre o Inferninho…
Luiza Villa voltou ao palco do Blue Note nesta terça-feira para celebrar sua reverência a Joni Mitchell e algumas pequenas mudanças no show mudaram completamente a dinâmica da noite. O primeiro veio por um problema técnico, que impossibilitou que o jovem maestro Pedro Abujamra usasse seu teclado, deixando-o à vontade com o piano da casa, dando uma súbita elegância que os timbres elétricos do teclado ofuscam dos arranjos da compositora canadense. O outro detalhe foi caso pensado, quando Luiza passou a tocar menos guitarra ou violão – embora ainda siga tocando-os em momentos-chave da noite -, deixando-a mais solta para improvisar com sua voz e sua presença de palco. Os dois estavam o tempo todo próximos do resto da Orfeu Menino – a banda que os cinco têm juntos, completa pela guitarra de Tomé Antunes (que decidiu tocar de pé desta vez), o contrabaixo solista de João Pedro Ferrari e a bateria de Tommy Coelho, agora com congas -, deixando o show ainda mais elétrico e direto no ponto, na melhor apresentação que vi do grupo até agora.