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Tudo Tanto #46: Uma nova fase dos Racionais MCs

Foto: Leandro Dazo

Foto: Leandro Dazo

O épico show que os Racionais MCs fizeram no sábado passado pode ter iniciado um dos capítulos mais importantes da maior banda em atividade no Brasil. Escrevi sobre isso na minha coluna Tudo Tanto, no site Reverb, confere lá.

Tudo Tanto #45: Baco muda as regras do jogo

bacoexudoblues-bluesman

Escrevi na minha coluna Tudo Tanto, que agora está no site Reverb, sobre o segundo disco do jovem MC baiano, o impressionante Bluesman, que consolida o rap como gênero musical mais importante do Brasil hoje; desvia o eixo do rap brasileiro de São Paulo para o nordeste; lança o disco mais importante do gênero desde Nó na Orelha do veterano Criolo; e pauta a questão racial como um dos principais problemas do país – leia lá.

Tudo Tanto #43: Sozinho no palco

7ª Mostra Cantautores BH - 03/11/18 ©Pablo Bernardo

Na minha coluna Tudo Tanto desta semana, que agora está no site Reverb, um papo com o Luiz Gabriel Lopes, um dos criadores da Mostra Cantatoures, que acontece há sete anos em Belo Horizonte e repensa a música brasileira a partir de um aspecto específico – a formação solitária no palco. A coluna pode ser lida no site aqui.

Tudo Tanto #41: Guizado e a canção

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Em seu novo disco, O Multiverso em Colapso, coproduzido pelo Miranda, o trompetista Guizado visita os anos 80 e… canta! Falo sobre isso na minha coluna Tudo Tanto, que ressuscitou no Reverb – leia lá.

Tudo Tanto #40: Luiza Lian nas alturas

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Retomo minha coluna sobre música brasileira, que era mensal na revista Caros Amigos, agora semanalmente, no site Reverb – e começo falando sobre o show que Luiza Lian apresentará neste fim de semana, confere lá.

Tudo Tanto #39: Até já

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Despeço-me da revista Caros Amigos, cuja última edição chega às bancas neste dezembro de 2017, desejando um futuro próximo à publicação que acolheu esta coluna Tudo Tanto.

Depois do Juízo Final
Despeço-me da coluna Tudo Tanto falando sobre o alento épico de Chico Buarque na melhor canção deste ano

“O sol há de brilhar mais uma vez
A luz há de chegar aos corações
Do mal será queimada a semente
O amor será eterno novamente
É o Juízo Final
A história do Bem e do Mal
Quero ter olhos pra ver
A maldade desaparecer”

(Nelson Cavaquinho)

Na coluna da edição passada falei sobre como os maus tratos para com a figura de Chico Buarque – vindo tanto da esquerda quanto da direita radicais desta era politicamente polarizada em que vivemos – seriam lembrados como um retrato dos tempos ridículos que vivemos nesta segunda década do século no país. Um dos maiores nomes de nossa cultura foi atirado à arena pública do escárnio como se sua reputação fosse uma ameaça para desmascarar o jorro de bílis mental que infelizmente vem se tornando rotina em nosso dia-a-dia.

E é. Munido de suas maiores armas – notas musicais, palavras e um arguto senso de estética, ética e política -, Chico respondeu aos seus detratores com sua obra mais importante desde o século passado, o monumental Caravanas, um disco essencialmente político mesmo que não fale sobre a política partidária que intoxica nosso debate público. Chico canta a cultura de uma forma ampla, tratando-a como a essência de nossa sociedade, falando sobre diversas nuances comportamentais que retratam a sociedade que somos e que podemos ser.

Mas nada havia nos preparado para “As Caravanas”. A faixa que quase batiza o disco (que opta por não usar o artigo definido plural) é seu eixo gravitacional, um épico carioca que transforma todo o disco em acessório para este grande momento. Última faixa do álbum, ela chega sorrateira como se viesse apenas concluir as pequenas digressões que o compõem para finalmente amarrá-las todas a uma descrição das invasões bárbaras que tanto incomodam os poderes estabelecidos que mandam no país desde antes de seu descobrimento.

Parte de sua entrada súbita vem de um andamento conhecido – e hipnótico. “Caravanas” foi criada sobre “Caravan”, hoje um standard jazzístico que também é a espinha dorsal para o grande jazz norte-americano da segunda metade do século passado. O caminhar lento e constante das notas imortalizadas por Duke Ellington são a trilha percorrida por Chico, que munido também do Estrangeiro de Albert Camus, compara as imigrações ilegais que ameaçam o conservadorismo nos principais países no mundo (servindo também como desculpa para pesar a mão sobre políticas sociais e direitos humanos devido à chegada desta “ameaça”).

Ao pintar o Oceano Atlântico que banha o Rio de Janeiro com a cor do mar em Istambul, Chico está falando dos muçulmanos que fogem das guerras artificiais no Oriente Médio em busca de algum alento na Europa mas também remonta às invasões bárbaras, que desconstruíram o Império Romano, e também ao tráfico desumano de pessoas que forçou a diáspora africana que é a base de nosso país. As caravanas do Arará, do Caxangá e da Chatuba que despontam na zona sul do Rio de Janeiro também são navios negreiros e ordens de mouros que chegam com “seus facões e adagas em sungas estufadas e calções disformes” para subverter a sensação de ordem que faz os poderes instituídos chamarem um país hostil para com seus próprios cidadãos de democracia.

Chico ainda conta com a percussão vocal feita por Mike, do Dream Team do Passinho, trazendo a beatbox do funk carioca para a descrição épica de uma sociedade à beira de uma transformação. Ao descrever o melhor retrato deste país no trágico momento atual, Chico Buarque também compôs a melhor música deste 2017 e também um alento para que, após o vindouro Juízo Final de nossa política, algo mude completamente o estado das coisas.

Tenhamos fé.

***

Outro triste sintoma destes tempos ásperos que atravessamos no país é a súbita notícia do fim da Caros Amigos. Acompanho a revista desde sua primeira edição (com Juca Kfouri bombástico disparando para todos os lados na hoje mítica capa em preto e branco) e pude acompanhar todas suas transformações: as edições especiais, os fascículos sobre os heróis brasileiros, o site, a entrada das cores, a redução no tamanho do formato. Sempre amparada por longas entrevistas e artigos de fôlego, a revista é o constante antídoto para tempos superficiais e destros, que optam por transformar política e economia em jogatina comercial e arte e cultura em mero entretenimento. Também é lar para pensadores políticos brilhantes, como José Arbex e Gilberto Vasconcellos, este último uma espécie de farol na formação do meu próprio pensamento político (cabe aqui um agradecimento público).

A frase de efeito “a primeira à esquerda” não era só um trocadilho esperto, mas também um alento frente ao conservadorismo cada vez mais reacionário que toma conta da mentalidade das grandes publicações brasileiras, apenas pelo fato de tornar público seu credo, em vez de tentar convencer parca e porcamente ao leitor de um certo “jornalismo imparcial”, eufemismo mal utilizado que disfarça convicções editoriais que, no literal fim das contas, também são comerciais. Ao assumir-se de esquerda, a Caros Amigos saía com larga vantagem frente à maioria das publicações impressas brasileiras

Fiquei grato e envaidecido pelo convite para escrever sobre música brasileira numa publicação tão importante para a minha formação, além de poder retribuir este convite convidando o leitor para observar a produção cultural de nossos tempos, a mesma que é considerada fogo de palha ou meramente juvenil para os veículos tradicionais brasileiros. Foram quase quarenta colunas jogando luz em transformações culturais e mercadológicas que determinaram uma nova música brasileira, que nasceu influenciada pelo cânone tradicional de nossa canção (o samba, a bossa nova, a MPB) mas que foi buscar referências em recantos menos usuais, como o jazz, o hip hop, o rock, a música eletrônica, movimentos de vanguarda musical dentro e fora do país, ajudando, inclusive, a reinventar este cânone.

Foram pouco mais de três anos de Tudo Tanto, coluna batizada com o título do segundo disco de Tulipa Ruiz justamente para reforçar a intensidade – tanto de quantidade quanto de quantidade – da atual música brasileira. Aproveito a oportunidade não apenas para lamentar o fim deste ciclo quanto para agradecer aos fiéis camaradas que me acompanharam nesta jornada do lado de lá da revista: ao heroico Wagner Nabuco, que insistia teimoso na sobrevivência de sua publicação sendo esta sua própria carta de intenções, à paciente Nina Fideles, que recebe meus textos quase sempre em cima do fechamento final, e, finalmente, ao mestre Aray Nabuco, que conheci no meu berçário profissional, o Diário do Povo, cuja presença nos poucos anos de convívio pessoal ajudou a alicerçar meu jornalismo em seus primeiros anos, e que teve a ideia de me chamar para colaborar com esta que é das principais publicações da história do jornalismo brasileiro. Despeço-me também de leitores que desconheço agradecendo pela leitura, principalmente se ela os instigou a buscar estes novos artistas que não tocam no rádio nem aparecem na TV, mas que souberam usar a internet como seu principal veículo de divulgação.

Mas o gosto acridoce da despedida vem com uma ponta de esperança de que este fim de publicação não é propriamente um ponto final e sim o encerramento de um ciclo que irá revelar, num futuro próximo, uma nova encarnação da Caros Amigos para encantar novos e velhos leitores. Torço por isso. O sol parece não estar mais no horizonte durante este inverno sombrio que paira sobre nossas cabeças. Mas sabemos que estações vêm e vão e daqui a pouco voltaremos a respirar o ar puro da liberdade.

Até breve.

Tudo Tanto #38: Contra Chico Buarque

ChicoBuarque

Minha coluna Tudo Tanto de novembro na revista Caros Amigos fala sobre como Chico Buarque virou um alvo para todos – e como ele respondeu isso com arte e música.

Machista, comunista, vai pra Cuba!

Não há dúvida que vamos olhar, no futuro, para esta década como um dos períodos mais vergonhosos da história do Brasil. O andar pesado do retrocesso — político, moral, econômico, ético, cultural — pode ser medido por meio de inúmeras réguas, mas talvez a mais emblemática seja aquela que tenta derrubar um dos maiores ícones da cultura brasileira: Chico Buarque.

Filho de um dos maiores nomes das ciências humanas destas bandas (o Sérgio Buarque de Hollanda que propôs o conceito artificial do “homem cordial” para rotular o brasileiro em seu fundamental livro Raízes do Brasil), Chico é contemporâneo da bossa nova e assistiu de perto às transformações políticas que se abatem no Brasil no início dos anos 1960, da brutalização do debate político à dura resistência cultural, culminando no golpe “anticomunista” de 1964 que trouxe as poucas famílias que tomam conta do Brasil de volta ao poder (e a história se repete cinquenta anos depois exatamente da mesma forma…). A segunda metade da década viu a ascensão de Chico como cantor e compositor, um ourives dos versos e melodias, que nos seus primeiros anos de carreira escreveu clássicos como A Banda, Noite dos Mascarados, Com Açúcar, com Afeto, Quem Te Viu, Quem Te Vê, Retrato em Branco e Preto, Carolina, Roda Viva, Essa Moça Tá Diferente e Samba e Amor, antes de firmar-se como autor no ousado Construção e na provocadora Apesar de Você, no início dos anos 1970.

Desde então Chico vem estabelecendo-se como um intelectual ativo no imaginário popular brasileiro, mais do que cantor e compositor. Dramaturgo, escritor e até apresentador de programa de TV (quando, nos anos 1980, dividiu com Caetano Veloso o musical Chico & Caetano, na Rede Globo), ele sempre esteve presente nos diferentes embates políticos de que foi contemporâneo, da anistia aos exilados da ditadura ao movimento das Diretas Já, entre outros movimentos políticos e culturais das últimas décadas. Ao contrário de Caetano Veloso, Chico é mais reservado e com o passar do tempo foi se preocupando menos em lançar discos e fazer shows e mais em escrever livros.

E por mais que seu maior legado seja por escrito, seu lugar é a música, na qual consolidou sua reputação de contestador, de ativista político, de romântico inveterado, de sambista classudo e de letrista ousado. Por melhores que sejam seus livros ou sua presença pública, ela não é tão precisa e preciosa quanto seus discos, aos quais se dedica com esmero.

Nos últimos anos, contudo, toda a reverência que o tornava um dos grandes nomes de nossa cultura, além de uma de suas raras unanimidades, foi ruindo à medida em que os ânimos foram se acirrando. A belicosidade da discussão política no Brasil, acirrada principalmente pelas redes sociais, mas também por práticas fora da internet, passou a escolher alvos tanto à direita quanto à esquerda — e velhos conservadores e novos reacionários elegeram juntos Chico Buarque como o grande bastião vermelho, principalmente pelo fato de Chico ser um dos principais nomes públicos entusiastas das candidaturas e das presidências de Lula e Dilma.

Chico começou a ser visto e difamado como um pária comunista, arrimo intelectual da malograda baixa escolaridade do primeiro presidente petista, avalizador de um suposto novo Vargas a uma classe média teoricamente deslumbrada com seus versos e canções — só que, claro, sem um átimo desta polidez descritiva. Gritos de “vai pra Cuba!” e “vai pra Paris!”, berrados na internet e fora dela, acusavam-no de capitão de uma certa “esquerda caviar” que, às custas da “inocência do povo” (?) vive “uma vida burguesa sem culpas??”. Em um par de anos, Chico Buarque transformou-se numa espécie de cúmplice daquele que, na visão torpe destes desmiolados, foi o maior vilão da história do Brasil.

Se por um lado este tipo de ataque constrange mas é esperado, principalmente por conta do clima agressivo que paira sobre o País, o que dizer quando o ataque vem de seus antigos fãs — ou, mais especificamente, de suas antigas fãs? Isso começou a acontecer depois que ele lançou a primeira canção de seu novo trabalho, chamada Tua Cantiga, acusada de machista por narrar uma paixão do personagem dos versos.

A grita da esquerda — mais especificamente das feministas — dizia respeito ao verso “Largo mulher e filhos” como se Chico estivesse incentivando pais de família a largar sua prole por uma amante. Depois de tachado de comunista, foi a vez de chamá-lo de machista — como se a situação descrita por ele tivesse que necessariamente ser correta ou servir de exemplo. Como se ele não pudesse descrever algo de que discorde quando compunha. Mas e se ele não estivesse falando de outra mulher? Se ele estivesse falando da liberdade, da democracia, da felicidade anterior a este clima de trevas que vivemos hoje? Releia a letra com isso na cabeça e perceba que Chico segue sendo o mesmo compositor incrível de seus dias de ouro, embora não componha mais com tanta frequência. Isso sem contar As Caravanas, faixa que batiza seu novo título, mas essa música é assunto pra outra coluna.

Tudo Tanto #37: Ave Gilberto Gil

refavela

Escrevi na minha coluna Tudo Tanto na edição de outubro da revista Caros Amigos sobre a importância de Gilberto Gil para a cultura brasileira a partir do show que o mestre baiano fez em comemoração aos 40 anos de seu Refavela.

Aqui e agora
Gilberto Gil mostra porque é um dos grandes nomes de nossa cultura

É importante sublinhar a importância de Gilberto Gil. Um dos maiores nomes da nossa cultura, o baiano já é frequentemente incensado como artista completo, mas seu impacto no país ainda há de ser mensurado. Não é apenas um compositor brilhante, um vocalista encantador, um músico incomparável, um carisma único, um artista ímpar. Ele também tem seu papel político ao fazer conexões inesperadas por toda sua carreira, seja misturando bossa nova e rock’n’roll, trazendo o reggae para o Brasil, urbanizando o forró, assumindo a cadeira de ministro da cultura de Lula.

Nesse sentido, Refavela, que completa quarenta anos neste 2017, talvez seja seu principal álbum. É discutível que seja seu melhor disco (eu fico entre os discos da virada dos 60 para os 70, Expresso 2222 e os da virada dos 70 para os 80), mas sua importância é insuperável. Pois é o disco que Gil fez após visitar a África durante o Festival Mundial de Arte e Cultura Negra, em Lagos, na Nigéria, e conhecer as origens de sua negritude, traçar paralelos entre o Brasil Colônia e o Brasil da ditadura militar, a escravidão e a desigualdade social, além de se aprofundar na religiosidade afro-brasileira. É um disco em que Gil constrói pontes entre realidades ainda isoladas entre si, que ajuda a traçar a consciência de um Brasil que sempre foi jogado à margem, para fora da história.

Mas músicas como “Babá Alapalá”, “Patuscada de Gandhi”, “Era Nova”, “Ilê Ayê” e “Sandra”, embora estejam entre as mais bonitas composições de seu autor, não são das mais conhecidas de Gil, por isso, reforço o que disse no início, que é importante mostrar como Gil é importante. Ainda mais logo depois de um ano em que ele esteve mal de saúde a ponto de cogitarem, mais de uma vez, a possibilidade de ele estar nas últimas (toc, toc, toc). Por isso não tinha como não comemorar o acontecimento que foi o show Refavela40, organizado por um de seus filhos, Bem Gil, para celebrar o aniversário do disco com a presença do próprio pai.

A banda reunida era formada por nomes ilustres, mas ao mesmo tempo era quase uma família. Para completar o time, Bem chamou os músicos de sua banda, o Tono, para compor a formação – sua esposa Ana Claudia Lomelino, também conhecida como Mãeana, estava em um dos vocais de apoio, o baterista Rafael Rocha acompanhava na percussão e o baixo estava com o versátil Bruno di Lullo. Além destes, ainda marcavam presença Moreno Veloso, filho de Caetano que entrou como vocalista convidado, seu compadre Domênico Lancelotti na bateria, a cantora e pianista Maíra Freitas (filha de Martinho da Vila), outra filha de Gil, Nara, nos vocais, a cantora paulistana Céu, os sopros de Thiagô de Oliveira e Mateus Aleluia e a percussão de Thomas Harres, baterista da banda Abayomi, que sugeriu que Bem fizesse um show em homenagem ao disco. Entre Ana e Nara, o filho de Bem e Mãeana, o pequeno Dom Gil, acompanhava a percussão.

Mas por mais que seja importante celebrar esse disco, o show cai num vácuo criativo que vem imperando cada vez mais na cena musical brasileira: o de shows-tributo. Feitos originalmente para comemorar discos ou artistas que estavam fora dos holofotes ou longe das discussões, estas apresentações passaram a se tornar muletas para programadores preguiçosos e artistas que topam tudo, que em vez de vender seus próprios trabalhos autorais preferem ficar presos a repertórios alheios já conhecidos. Se por um lado abre janelas de possibilidades sonoras ao confrontar artistas em ascensão com nomes já estabelecidos, na prática vêm se tornando cada vez mais convencionais, sem criatividade ou sem brilho. O que era uma boa sacada virou uma fórmula gasta, transformando artistas de renome em bandas cover.

E era um pouco isso que aconteceu no palco do teatro do Sesc Pinheiros, que recebeu o Refavela 40 em três datas lotadas e para um público reverente. Mas a reverência por parte da banda era correta demais e aconteceram poucos momentos realmente interessantes no início do show, que não teve a participação de Gil. Fora o incrível solo de balafon (uma espécie de xilofone africano de Thomas Harres), o carisma e o teclado impressionantes de Maíra, a versão que Céu fez para “Nova Era” e o bom entrosamento da cozinha (especificamente entre Domenico e Bruno), o resto do show foi pálido e quase apático, sem a energia que o disco original soltava pelos poros.

Mas bastou Gil entrar para tudo mudar. Com seus setenta e seis anos completos, o baiano entrou no palco dançando, contando histórias e assumiu a voz de suas canções mostrando porque ele merece ser celebrado. O tempo de participação no show certamente deve ter sido reduzido por suas condições de saúde, mas depois que ele entra no palco, sequer lembramos que ele esteve doente. Sequer lembramos que ele tem mais de setenta anos, que é um senhor de idade que poderia estar apenas curtindo a sua aposentadoria. Ele entra no palco como um mago moleque, hipnotizando o público com um charme único em nossa cultura.

O show todo durou quase duas horas e Gil não ocupou nem uma hora inteira com sua participação. Não precisava. Mestre absoluto, esticou o tempo como se pudéssemos estar nele o tempo todo, populando aqueles poucos minutos como se fossem séculos. Ou, como ele reforça em uma das canções deste mítico Refavela, “o melhor lugar do mundo é aqui e agora”. Ave Gil!