Todo o show: PJ Harvey celebra Steve Albini no Primavera Sound, junho de 2024

“Eu queria cantar a próxima música para lembrar de Steve Albini”, anunciou PJ Harvey no meio do show que ela fez neste sábado no Primavera Sound, em Barcelona. “Steve deveria estar aqui neste festival e seria bom se vocês pudessem pensar nele”, completou nossa musa antes de começar “The Desperate Kingdom Of Love” de seu disco Uh Huh Her, que completou 20 anos na sexta passada. O Shellac, banda do produtor, que morreu no mês passado, estava escalada para tocar neste ano e o festival preferiu não substitui-lo, rebatizando o palco em que ele iria tocar com seu nome: “Apesar de ser o primeiro ano desde 2007 que não teremos o inimitável Shellac em seu compromisso anual com seu festival favorito, a figura do saudoso Steve Albuni ((1962-2024) estará mais presente do que nunca no Primavera Sound”, anunciou o festival pouco antes de sua realização. “O palco Steve Albini, situado em frente ao palco Plenitude será um tributo ao membro insubstituível da família Primavera”. Assista abaixo à íntegra do show de PJ Harvey no festival:  

Vida Fodona #810: Steve Albini (1962-2024)

Duas horas de trechos de discos clássicos gravados pelo mestre.

Ouça abaixo:  

“Se um disco leva mais de uma semana para ser feito, alguém está estragando tudo”

Com a passagem do Steve Albini, recuperaram a carta que ele enviou ao Nirvana antes de assumir a gravação do In Utero e ela funciona como um tratado sobre sua ética de trabalho. O derradeiro disco do Nirvana também é o disco mais importante da carreira de Albini, afinal foi a partir deste que milhões de fãs puderam conhecer sua obra até então – e alguns deles inclusive o chamaram para trabalhar em seus discos a partir deste álbum. Como sabemos, o Nirvana não apenas topou trabalhar com Steve quanto aceitou suas condições (inclusive a sugestão de estúdio e a presença de seu braço direito Bob Westob, que aparece na foto ao lado do trio, de Steve e da filha de Kurt Cobain, Frances Bean). Traduzi a íntegra da carta, logo após sua reprodução abaixo:  

Quando PJ Harvey ateou fogo nos pés de Steve Albini

Trecho do documentário Reeling with PJ Harvey – lançado apenas em VHS em 1994 – em que Polly Jean Harvey ateia fogo nos pés do mestre Steve Albini durante as gravações de seu Rid of Me no estúdio Pachyderm.

Veja abaixo:  

Steve Albini (1962-2024)

Que porrada essa notícia da morte do Steve Albini. Um dos sujeitos que definiu a ética sobre produção independente e um dos principais faróis na luta contra a comercialização industrial da música, ele também ajudou a talhar o conceito de produtor musical moderno e os timbres de pelo menos três décadas de rock nos Estados Unidos – e no resto do mundo, seja à frente de suas bandas, primeiro o Big Black, Rapeman e depois o Shellac, seja forjando discos que estão no subconsciente de três gerações – Surfer Rosa, In Utero, Rid of Me, Things We Lost in the Fire, No Pocky For Kitty, Pod e discos menos clássicos mas igualmente fortes, como o Life Metal do Sunn O))), Ys da Joanna Newsom, Attack on Memory do Cloud Nothings, o Further Complications do Jarvis Cocker, o Magnolia Electric Co. do Songs:Ohia, o Ocean Songs do Dirty Three, entre outros. Além de entrevistas didáticas e detalhistas, fica também na lembrança os verdadeiros shows de stand-up que fazia entre as músicas nos shows do Shellac. Um herói. Morreu de infarto aos meros 61 anos, em seu próprio estúdio, o Electrical Audio, em Chicago, nos EUA.

Steve Albini odeia dance music

albini

O produtor Oscar Powell, que lança discos de dance music usando apenas seu sobrenome pelo selo XL Recordings, sampleou um trecho de uma música do Big Black em seu novo single, “Insomniac”, e pediu para que o produtor e dono da banda Steve Albini liberasse o uso daquele trecho naquela música. Albini escreveu o email abaixo, explicando porque odiava tudo que Powell acreditava musicalmente, antes de autorizar o uso de sua obra na canção.

De: Steve Albini
Para: Oscar Powell

Re: Steve
11 de abril de 2015 10:21

Hey Oscar,

Parece que você armou uma coisa legal pra você. Eu sou absolutamente o público errado para este tipo de música. Eu sempre detestei dance music mecânica, sua simplicidade estúpida, os clubes onde elas tocam, as pessoas que vão para esses clubes, as drogas que eles tomam, as merdas que eles falavam sobre, as roupas que eles vestem, as batalhas que eles brigam entre eles mesmos…

Basicamente tudo: cada pedaço 100% odiado.

A música eletrônica que eu gostava era radical e diferente. Coisas como White Noise, Xenakis, Suicide, Kraftwerk e as primeiras coisas do Cabaret Voltaire, SPK e DAF. Quando esta cena e estas pessoas foram cooptadas pela cena dance/clubber, senti como se tivéssemos perdido uma guerra. Eu detesto a cultura clubber como uma das coisas que mais odeio no mundo.

Por isso sou contra aquilo que você gosta e sou um inimigo de onde você vem, mas não tenho o menor problema com o que você está fazendo. Eu nem me importei em ouvir nos links, principalmente porque estou num hotel com uma internet de merda neste momento, mas também porque eu provavelmente não seria do meu gosto e isso não iria ajudar nenhum de nós.

Em outras palavras, você é bem-vindo para fazer o que quiser com as minhas coisas que você conseguir por as mãos. Eu não me importo. Divirta-se.

Steve.

Powell foi esperto e colocou o email num outdoor, garantindo que a carta genial garantisse publicidade para o seu trabalho. E, em paralelo, Albini parece ter liberado para qualquer produtor de dance music a utilização de samples de suas obras, o que pode resultar em algo bem interessante num futuro próximo…

Nirvana, por Steve Albini

Dodô desenterrou o histórico registro que Steve Albini fez do Nirvana no estúdio, a versão do disco que foi “polida” pela gravadora (e por Scott Litt), pois o original estava “sujo” demais. Ele conta melhor a história e dá o link para o download do vazamento.

Entrevista com Steve Albini

E por falar em rock alternativo americano, vale ler a entrevista que o Elson fez com o Steve Albini pro Scream & Yell. Separo um trecho:

O que você acha de jornalismo musical? Eu estava lendo o fórum do Electrical Audio e vi um post seu com opiniões bem fortes sobre o tema.
Bem, o problema com jornalismo musical é que ele é publicado em um jornal como se fosse jornalismo de verdade, mas no qual os padrões profissionais do jornalismo não se aplicam. Em um artigo normal, se um repórter publica algo fundamentalmente incorreto, como o nome do prefeito ou de um esportista famoso, ele é demitido. Não é aceitável no jornalismo convencional encontrar fatos simples apresentados de maneira errada. No jornalismo musical, ninguém se importa. Você pode publicar um monte de coisas erradas e só rola um: “ok, não tem problema, não importa”. Não é levado a sério. Jornalismo musical não é levado a sério como jornalismo nem pelas pessoas que o praticam, nem pelas publicações que o usam. Então, um monte de informação errada é publicada e acaba virando registro histórico. Se alguém escreve algo incorreto em um jornal ou em um website e depois dez outros jornais ou websites fazem referência a essa informação errada, isso se transforma em algo inconcreto, e dali para frente vira história. E eu acho isso terrível, porque existe jornalismo de verdade que poderia ser feito. Tem um monte de assuntos que tem a ver com música. Por exemplo, o que você descreveu, de bandas pagarem para tocar em festivais, ou festivais aceitando dinheiro do governo e sendo tão ineficientes que não podem pagar as bandas, isso são pautas para jornalismo de verdade. Alguém deveria escrever sobre isso. O público de música se interessaria por isso. Poderia ser jornalismo de verdade. Mas ninguém está escrevendo esses artigos. Ao invés disso eles estão escrevendo coisas como o que essa pessoa está vestindo, ou que tipo de maquiagem esse outro está usando, quem está namorando com quem ou quem usa drogas, essas coisas. Isso é merda, pura merda. E mesmo nessa área limitada de merda, jornalistas musicais podem publicar erros fundamentais que ninguém se importa.

Eu tenho amigos jornalistas e o que eles dizem de publicar artigos estúpidos, como o que as pessoas vestem, acabam tendo mais leitura. Eles acompanham os links nos sites e portais e esses artigos são sempre os mais lidos. As pessoas realmente querem saber o que os outros estão vestindo.
Não existe nenhuma lei que diz que jornalismo deve ser feito para as pessoas mais estúpidas do mundo. Se o seu jornalismo é feito para atrair o máximo de pessoas de algum tipo para lerem o que você escreve, então não há razão para fazer algo específico em música. Porque se você escrever sobre outra coisa, então mais pessoas vão ler. Se você escrever sobre a Copa do Mundo, mais pessoas vão ler do que sobre música, então por que você está escrevendo sobre música? Se você decidiu que quer escrever sobre música, essa é uma decisão sua não baseada no que é mais popular. Então você tem uma obrigação de levar isso a sério, porque você escolheu escrever sobre música. O argumento de que isso é mais popular, “é isso que as pessoas gostam”, não significa nada para mim. Porque o que é popular, o que as pessoas gostam, é de McDonald’s, Coca-Cola. Isso é popular. Mas não é necessariamente a melhor coisa para comer ou beber. E se você escrever sobre comida, talvez você deva escrever sobre as melhores comidas que as pessoas podem comer ou beber, ou dizer que tipo de problema elas teriam se elas só comessem McDonald’s e tomassem Coca-Cola.

Vale a leitura.