Sonic Youth – Daydream Nation

, por Alexandre Matias

Conforme prometido, eis o texto que escrevi sobre o clássico disco duplo do Sonic Youth para a seção Discoteca Básica da falecida revista Bizz. Esse texto foi publicado na edição 178, em maio do ano 2000.

daydreamnation

Felizmente, os anos 90 serviram para rachar os muros preconceituosos que a década de 80 carinhosamente erigiu. E foi entre julho e agosto de 1988 que uma banda nova-iorquina iniciou ó terremoto, capaz de chacoalhar os alicerces da música pop, convergindo rap, pop inglês e rock underground americano para um mesmo objetivo (em 1991, Nevermind, do Nirvana, selaria o fenômeno). Depois que o Sonic Youth derrubou todas as barreiras entre as diversas vertentes do rock, usando a microfonia como aríete, ele nunca mais foi o mesmo.

Antes, o Sonic Youth era apenas um dos principais representantes da cena pós¬punk nova-iorquina, uma geração com mais de um rótulo – pigfuck, noise, no wave – que primava pelo barulho fora de controle como principal idioma. Ao lado do Big Black, Minutemen, Pussy Galore e Butthole Surfers, o Sonic Youth tinha uma grande reputação entre os seguidores daquela geração. Mas foi a partir da entrada do baterista Steve Shelley, que completou para sempre o trio formado pelo casal Thurston Moore e Kim Gordon, mais o guitarrista Lee Ranaldo, que o grupo começou a desequilibrar. Discos como EVOL e Sister antecipavam um grande abalo sísmico, capaz de destruir todas as noções atuais dos limites da guitarra – sempre um tabu na história do rock.

Com o duplo Daydream Nation, o quarteto nova-iorquino atingiu o rock como uma bomba atômica subterrânea sob os pilares do que conhecíamos por rock. Os três vocalistas cuspiam letras como palavras de ordem, misturando literatura marginal e rock’n’roll primitivo, preocupados mais em atingir seu alvo do que com a sujeira que o tiro poderia causar. Mas o centro do álbum são as gui¬tarras: um enxame de microfonia que consegue soar caótico, melódico, bucólico, aterrador e brutal- muitas vezes em poucos minutos, como na introdução de “Cross the Breeze” e o meio de “The Wonder”.

Propulsionado por um dos mais subestimados bateristas do pós-punk, o trio central do grupo (que se identificava com símbolos no rótulo do disco, à Led Zeppelin) atravessava terrenos tão diferentes quanto hardcore, vanguarda, heavy metal, folk, pós-punk inglês, progressivo, psicodelia e punk rock, com suas guitarras e baixo citando referências sonoras como se contassem a sua versão da história do rock, abrangendo todos os gêneros como frutos do mesmo som. Um ruído incômodo, que incomoda ao mesmo tempo que provoca, que está no centro do melhor rock, seja de que tipo for.

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