Só se foi quando o dia clareou
O povo da Bravo me pediu uma sub pra essa matéria de capa deles sobre samba, falando do que tem rolado na noite de São Paulo. Taí embaixo.
A vida noturna paulistana torna-se cada vez mais fiel à versão tradicional do ritmo pátrio brasileiro
“Na verdade, essa volta do samba ainda nem começou”, anima-se José Marilton da Cruz, o Chapinha, um dos fundadores do Samba da Vela. A noite, que acontece no bairro de Santo Amaro, em São Paulo, não é apenas um dos mais tradicionais redutos do samba hoje, como foi um dos primeiros grandes focos para esta renascença sambista que invade a noite paulistana.
Ao redor da vela que mede a passagem de tempo da já tradicional roda de samba – ela acontece desde julho de 2004, sempre às segundas-feiras – reúne-se um público que é genericamente referido como “amantes do samba”. Esta denominação, porém, não se restringe mais a uma faixa etária, uma classe social ou um viés ideológico – todos se misturam no samba. “A faixa de renovação de público por noite é de trinta por cento”, comemora o sambista, “sempre tem gente que nunca veio pra cá, ainda somos uma novidade. Por isso que eu acho que a gente ainda está assistindo a um nascer de uma época de ouro do samba – e não é só em São Paulo ou no Rio de Janeiro e algumas cidades maiores. É no Brasil todo”.
A noite começou num local fundado por Chapinha, o Espaço Cultural Ziriguidum, mas logo deslocou-se para a Casa de Cultura Santo Amaro, devido à massiva presença de adeptos – que chega a quase trezentos toda segunda. “Quando eu, Magno (Sousá), Paqüera (José Alfredo Gonçalvez de Miranda) e Maurílio (de Oliveira Souza) começamos, nossa idéia era fazer uma roda de samba autêntica, mas que abrisse espaço para novos compositores”, segue o nativo cearense que já mora em São Paulo há mais de trinta anos, “e desde o primeiro dia percebemos que havia sido um sucesso. Tinha pouca gente, nem cinqüenta pessoas, mas todo mundo estava feliz, satisfeito com o que estava ouvindo”.
O sucesso atingiu uma escala maior graças à interferência da sambista Beth Carvalho, a quem Chapinha se refere como “grande madrinha e garimpeira do samba”. “Estávamos funcionando há pouco mais de três meses quando ela ouviu falar desta nova roda de samba em São Paulo e veio conferir de perto. Na primeira noite em que ela compareceu, vieram umas sessenta, setenta pessoas. O boca-a-boca foi tanto que, na outra segunda, tinham mais de quatrocentas pessoas que apareceram, achando que veriam a Beth Carvalho. Ela não veio, mas o samba estava lá, e as pessoas continuaram vindo”.
Igualmente modesto, o pequeno Tocador de Bolacha, na Vila Madalena, cedeu à presença da música ao vivo, outra característica fundamental deste ressurgimento do samba no começo do século vinte e um. “Começamos apenas tocando discos”, conta Stella Guerreiro, proprietária do estabelecimento ao lado do marido, o violonista Antônio Mineiro, “mas sempre aparecia alguém com um violão, e aos poucos fomos abrindo para música ao vivo. Mas microfonamos o mínimo possível, não queremos que o som saia alto e priorizamos música instrumental”.
A casa ainda flerta com o jazz e com o choro (outro gênero em franca nova fase, assunto para outra oportunidade), mas o forte são as noites de samba. “Apesar de focarmos num público mais adulto, a presença de jovens é muito forte. E também do lado dos músicos – cada vez há mais gente nova e boa tocando e compondo”. “Neste sentido, concordo que haja uma explosão”, conta Stella, que é cética sobre um renascer sambista na vida noturna de São Paulo. “Sempre houve samba, só tinha que procurar mais”, lembra, antes de concordar que o bairro da Vila Madalena – tradicional reduto boêmio e jovem da cidade – está lentamente se tornando um pólo de noite sambista. “Não é pagode, nem é moda”, ela sublinha, “é samba de raiz, é isto que as pessoas estão procurando”.
Outra casa tradicional do samba na Vila é o Ó do Borogodó, que também alterna suas noites de samba com rodas de choro. “O samba sempre esteve aí. Acontece que só agora ele tem chegado aos bares de uma classe média universitária que, além de freqüentá-los, começa a procurar lugares em que este samba se manifesta de forma mais autêntica”, explica Stefânia Gola, uma das proprietárias do lugar.
“Antes éramos só uma portinha, botávamos as mesas na calçada”, se orgulha, em frente à casa que cresce anualmente tanto como ponto de encontro universitário quanto como foco de resistência do samba tradicional. “Tudo cresceu bem devagar, fomos comprando as coisas aos poucos, à medida em que ficávamos mais conhecidos”, explica a dona, que explica o segredo do sucesso. “Não somos empresários da noite, não estamos atrás da nova onda, nem do que traz público. Somos do samba, acreditamos no samba e fazemos uma noite de samba. Se não der público, não vamos fechar. Mas sempre dá. Porque as pessoas gostam de samba. Gostam do que é bom”.
“A mídia é quem filtra tudo e só deixa passar o que é ruim”, completa Chapinha. “Porque a qualidade dos cantores, instrumentistas e compositores hoje é tão boa – ou, atrevo-me a dizer, melhor – do que as gerações anteriores. Porque são pessoas novas que já entendem muito o que é o samba. E ainda vão evoluir. E isso não é só em São Paulo, não, isso é no Brasil todo”.
Samba da Vela
Casa de Cultura Santo Amaro
Praça Francisco Lopes Ferreira, 434
Santo Amaro – São Paulo
Telefone: 5522-8897
Segunda a partir das 20 horas
Ó do Borogodó
Rua Horácio Lane, 21
Pinheiros – São Paulo
Telefone: 3814-4087
Todos os dias
Tocador de Bolacha
Rua Patizal, 72
Vila Madalena – São Paulo
Telefone: 3815-7639
De terça a domingo