Não estava programado, mas encerrar a segunda aula do curso História Crítica da Música Brasileira, que estou fazendo no Sesc Pinheiros, com um show gratuito do Metá Metá convidando Jards Macalé dentro do festival Mario de Andrade (organizado pela Biblioteca Municipal que carrega o nome do escritor e pensador paulista) no Paço das Artes, no Centro de São Paulo, deu um tempero especial para o sábado frio de São Paulo. E a experiência não é só pessoal, uma vez que tanto Bernardo Oliveira (que deu a aula deste sábado) e Rodrigo Caçapa (que dará a aula no próximo e estava como ouvinte na aula passada) também concluíram essa jornada comigo, como alguns alunos que pude reencontrar entre o público. O show pecou pelo som baixo – nada justifica terem colocado as caixas de PA rente ao chão e não apontadas para o público -, mas a química entre o trio paulistano e o mestre carioca é irresistível. O Metá Metá começou a apresentação sozinho, enfileirando seus hits irresistíveis, todos recebidos pelo público como bênçãos coletivas: “Oyá”, “São Jorge”, “Orunmilá”, “Atotô”, “Cobra Rasteira” e “Vias de Fato”, esta última cantada baixinho pelo público e ganhando sua condição de reza. Depois o trio chamou o velho Macau para o palco, que logo depois assumiu o show sozinho puxando hinos como “Soluços” e “Vapor Barato”, esta tocada ao lado do sax de Thiago França. Kiko Dinucci e Juçara Marçal voltaram ao palco para acompanhar o compadre em outros clássicos, como “Pano pra Manga”, a nova “Coração Bifurcado”, a imortal “Negra Melodia”, composta com Waly Salomão (te dedico, Juliana Vettore), e “Let’s Play That”, que o Metá já toca em seu repertório habitual. Os quatro não resistiram ao clamor do público e voltaram para o bis cantando “Juízo Final”, de Nelson Cavaquinho, que transformou o local numa missa sobre a vitória da luz sobre as trevas. Ave música!
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Quando Nath Calan me explicou a ideia que estava propondo para a primeira das duas apresentações no Centro da Terra seria um concerto de música cênica, apresentando obras que a aproximaram desta escola musical, mencionou os trabalhos que equiparavam timbres de percussão com fonemas, gestos com unidades de ritmo e como isso misturava-se com textos, que também apresentaria enquanto desdobrava em seus instrumentos de percussão: um vibrafone, uma percuteria, uma bateria e o próprio corpo. Mas o impacto dos dez primeiros minutos, quando quase em silêncio, atravessou as duas obras que a trouxeram para este universo (“Silence”, do músico e cineasta belga Thierry de Mey, que gritava sem som que “o silêncio deve ser”, e “?Corporael”, do trombonista e compositor francês Vinko Globokar) e suspendeu até a respiração de todos os presentes, que embarcaram em sua proposta num arrebatamento cênico promovido apenas por uma artista e seu próprio corpo, numa apresentação que estava entre a performance e as artes cênicas, mas transpirava música. E dali em diante, Nath estava com o jogo ganho, percorrendo outros momentos igualmente mágicos, como “Toucher”, também de Globokar, em que um texto da peça Vida de Galileu, de Bertolt Brecht, era lido em francês enquanto cada um de seus fonemas era associado a um timbre respectivo entre os muitos tambores à sua mão. Ao vibrafone, percutiu “A Última Curva”, de Martin Herraiz, para depois percorrer o texto “Lisboa Revisitada”, de Fernando Pessoa, acompanhado do solo de bateria escrito por Moisés Bernardes, voltar ao vibrafone para mostrar sua “Um Pouco de Stela”, escrita a partir de textos de Stela do Patrocínio, e mostrar um texto que leu num livro infantil para seu filho e que transformou-se em “Terra”, tocada enquanto percutia uma cabaça e batia em garrafas e formões pendurados à sua frente. E encerrou a apresentação com dois momentos pessoais. Primeiro ao musicar o texto “Subalternidades do Atlântico Sul”, escrito por seu companheiro Danislau TB (também integrante do Porcas Borboletas, que está voltando!), e depois ao mostrar seu próprio texto musicado em percussão, “Falo”, que puxou mais uma vez à bateria. Uma noite mágica.
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Enorme satisfação de materializar no palco do Centro da Terra não apenas uma, mas duas apresentações solo da sensacional percussionista e baterista Nath Calan, que dividiu seu convite em duas noites distintas. Na primeira delas, neste dia 10, ela mostra sua desenvoltura na área que domina, a percussão cênica, apresentando um concerto que também funciona como um bê-a-bá para quem quiser entender como este tipo de instrumento conversa com o palco do teatro na noite que batizou de Música Cênica do Princípio Ao Fim. Na próxima terça, dia 17, ela abraça sua alma pop ao cantar canções – tocando bateria – de artistas com quem já acompanhou no palco, indo de Maurício Pereira a Porcas Borboletas, passando por Crianceiras, Malu Maria e Fernanda Takai, na noite que chamou de As Canções Que Toquei Por Aí, quando toca com Carlos Gadelha (guitarra) e Eristhal (contrabaixo). Os espetáculos começam pontualmente às 20h e os ingressos podem ser comprados neste link.
Paula Rebellato começou sua temporada com um show maiúsculo. Convidando Mari Crestani e Thiago França para acompanhá-la em uma noite em que mostraria novas canções, ela preferiu preparar o território musical lentamente chamando primeiro os dois convidados a uma levada de percussão circular para lentamente trazer seus instrumentos aos holofotes, pilotados por Mau Schramm: enquanto Mari desembainhava seu saxofone, Thiago fazia o mesmo e ainda trazia uma flauta como contraponto, enquanto Paula regia tudo com seu teclado e efeitos que disparava inclusive sampleando os outros dois músicos. Uma lenta parede de drone foi sendo construída camada a camada, tudo para o momento final da noite, quando, depois de uma hora de improvisos, Paula soltou a voz, grave, sem efeitos ou alterações de timbres, em canções gélidas e quentes ao mesmo tempo, como se uma lufada de vento polar pudesse carregar a memória táctil do sol. A melodia etérea surgiu logo depois que adicionou ecos em sua voz e nos saxes, deixando as notas suspensas como ondas de rádio sobre uma paisagem sem interferência humana, não importa se deserto, floresta, tundra, geleira ou mar. Foi uma noite que deixou claro que seu domínio do palco vai além da intensidade da performance, dos efeitos eletro-eletrônicos e do mero improviso. Paula pisa com força e firmeza em um território que sabe que sempre pertenceu. Essa temporada Ficções Compartilhadas promete.
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Imenso prazer em receber mais uma vez Paula Rebellato no palco do Centro da Terra, desta vez para encarar uma temporada para chamar de sua. Em Ficções Compartilhadas ela convida comparsas e cúmplices para visitar diferentes partes de sua personalidade artística, à medida em que vai talhando sua carreira solo. A jornada começa nesta segunda-feira, dia 9, quando ela convida dois saxofonistas – ninguém menos que Mari Crestani e Thiago França- para apresentar novas composições. Na próxima segunda, dia 16, ela parte para o improviso com velhos camaradas como Bernardo Pacheco, Cacá Amaral e Romulo Alexis. No dia 23 é a vez de vararmos o Madrugada, projeto de krautrock que ela montou com Otto Dardenne, Raphael Carapia e Yann Dardenne, para encerrar essa viagem com um verdade tour-de-force: a recriação, no palco, da obra-prima Desertshore, talvez o disco mais belo da alemã Nico, que visita ao lado de João Lucas Ribeiro, Mari Crestani e Paulo Beto. Os espetáculos começam sempre às 20h e os ingressos podem ser comprados antecipadamente neste link.
E esse Both Sides Now que a Luíza Villa tá fazendo em homenagem à Joni Mitchell no Belas Artes vai ser bonito demais… Olha só essa versão de “Coyote” que a gente passou neste domingo. A apresentação vai acontecer no dia 31 de outubro, logo depois da exibição do documentário Echo in the Canyon, sobre a cena do bairro de Laurel Canyon, em Los Angeles, no final do anos 60, que viu florescer não apenas a obra de Joni como de artistas como Byrds, Buffalo Springfield, Mamas & The Papas, Doors e Frank Zappa. O show da Luíza acontece logo depois e os ingressos já estão à venda neste link.
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Tem coisas que só no Inferninho Trabalho Sujo… No meio do showzaço que a Grand Bazaar fez nessa sexta-feira do Picles, alguém da plateia chega nos saxofonistas João Barisbe e Fernando Sagawa. Conversa vai, conversa vem, o sujeito parece se entender com os dois e sai da frente do palco. Logo depois surge com um case, puxa um sax de dentro e rasga um solo no meio da folia balcânica do sexteto, que dominava a plateia sem a menor dificuldade, fazendo todo mundo agachar e pular, terminando a apresentação botando o público do Picles numa roda que tomava conta de todo o lugar. Depois da banda, eu e a Fran botamos a casa abaixo, como de praxe (ainda mais quando a festa cai na sexta, afff). E fica aqui o registro das ideias que brotaram no camarim: o show Grand Bazaar toca Skank (me chama que eu dirijo hahahah) e o bloco carnavalesco Grand Blooco. Pra ninguém dizer que esqueceu, hein.
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Será que o segundo ato da Beyoncé pós-pandemia está vindo aí? O rumor sobre a continuação de seu disco de 2022 estava contido no título, quando a maior estrela do planeta atualmente batizou o melhor disco do ano passado de Act I: Renaissance. As especulações sobre um movimento de três atos – a divisão clássica das peças de teatro – e sobre quando os outros capítulos viriam surgiram logo em seguida do lançamento súbito daquele discaço. E como Beyoncé batizou o disco com o título uma das fases da história da arte, a Renascença, logo começaram as especulações que o segundo ato viria com o título do movimento seguinte, o Iluminismo (e o terceiro seria o Romantismo, o Modernismo ou a Revolução – de acordo com o exercício de imaginação dos fãs até aqui). Acontece que nesta quinta-feira, o jornalista José Roberto Flesch antecipou a vinda da nova turnê de Beyoncé para o Brasil em 2024, uma vez que a excursão do primeiro ato não passou por aqui, e ao publicar que a turnê se chamaria Enlightenment | Illuminism Act II em sua conta no Twitter, teve que apagar o tweet devido a partes envolvidas na negociação, embora tenha mantido a especulação sobre a vinda da deusa para o Brasil no ano que vem. E será que o disco sai ainda esse ano? Dez anos atrás ela fez algo parecido, quando lançou seu Beyoncé depois que todo mundo já tinha escolhido os melhores discos do ano, em pleno dezembro. Ah mulher…
Sigo desbravando lugares para fazer shows e dessa vez vamos colocar música no cinema. Retomo a sessão Trabalho Sujo Apresenta no final de outubro ao apresentar uma proposta que a cantora e compositora Luíza Valle me fez, um show para celebrar as canções de Joni Mitchell quando ela completa 80 anos. No show Both Sides Now: Joni Michell por Luíza Valle, ela apresenta as canções da trangressora cantora e compositora canadense em ordem cronológica, tanto tocando solo ao violão quanto acompanhada de sua banda. A apresentação acontece no clássico Belas Artes, no dia 31 de outubro, logo após a exibição do documentário Echo in the Canyon (dirigido por Andrew Slater, 2018), que conta a história da cena californiana na qual a canadense floresceu. Apresentado pelo filho de Bob Dylan, Jakob, Echo in the Canyon conta a história da vizinhança de Lauren Canyon, bairro de Los Angeles que tornou-se polo de atração para toda uma geração de músicos norte-americanos que, influenciado pela psicodelia inglesa dos Beatles, começou a mudar a cara da música pop dos anos 60, reunindo artistas tão diferentes quanto os Beach Boys, The Mamas & The Papas, The Doors e Frank Zappa. O documentário reúne cenas de época e entrevistas com protagonistas desta cena como Brian Wilson (Beach Boys), Michelle Phillips (Mamas & Papas), Stephen Stills (Buffalo Springfield), David Crosby e Roger McGuinn (Byrds), Neil Young e artistas contemporâneos fãs daquele movimento, como Beck, Fiona Apple, Cat Power e Norah Jones. A apresentação dupla acontece no dia 31 de outubro, a partir das 20h30 e os ingressos já estão à venda neste link.
Enquanto o tempo não se decide entre chuva, calorão ou frio, uma coisa a gente garante: a temperatura no Inferninho Trabalho Sujo é sempre quente! E em mais uma edição na sexta-feira, eu e Francesca Ribeiro estamos dispostos a fazer todo mundo se acabar de dançar ao chamado da renascença beyonceística, desbravando todas as fronteiras musicais que façam as pessoas sair do chão. Mas antes disso temos o prazer de começar a noite com o galope desenfreado do Grand Bazaar, hidra de multicabeças que também não deixa ninguém parado, seja canalizando energias dançantes do leste europeu ou do bom e velho rock’n’roll. E você já sabe: chegando antes das 21h não paga para entrar! O Picles fica no número 1838 da Cardeal Arcoverde, ali no coração de Pinheiros, e a noite sempre vai atéééé altas. Vamos?