Escrevi sobre o show de lançamento de Fortaleza, do Cidadão Instigado, na minha coluna Tudo Tanto da edição do mês passado da revista Caros Amigos. Lá embaixo tem os vídeos que fiz do mesmo show.
A maturidade do Cidadão Instigado
No lançamento do quarto ábum da banda cearense, Fortaleza, o público sabia cantar músicas que uma semana antes não conheciam
“Até que enfim
Eu cansei de me esquivar
Quanto tempo eu pensei em parar
Olho para o lado
Quanta gente diferente
E o que vou fazer?
Se não consigo te esquecer
Vou seguir…vou seguir”
Assim Fernando Catatau, líder do grupo cearense Cidadão Instigado, começa o quarto álbum de sua banda, batizado de Fortaleza, e seu show de lançamento deste que aconteceu no Sesc Pompeia, em São Paulo, no início do mês passado. Ele não está cantando apenas sobre o sentido da vida, sobre um relacionamento ou sobre sua cidade-natal, mas sobre seu próprio conjunto, que levou mais de meia década para finalmente lançar seu novo disco .
Formado por Catatau na guitarra, composições e vocais, Régis Damasceno na segunda guitarra, Dustan Gallás nos teclados e efeitos, Rian Batista no baixo, o técnico de som Yuri Kalil e Clayton Martin na bateria, o Cidadão surgiu no final dos anos 90, com quase esta mesma formação, à exceção do paulistano Clayton, que juntou-se à banda quando ela já havia se mudado para São Paulo, na década passada. No século anterior, só um registro sobreviveu, um CD demo com cinco faixas batizado apenas de EP que hoje é tratado como raridade. A discografia oficial do grupo – O Ciclo da De:Cadência (2002), O Método Túfo de Experiências (2005) e Uhuuu! (2009) – é toda deste século.
Nestes discos, o grupo veio aprimorando uma sonoridade de rock clássico com um sabor especificamente brasileiro, a começar pelo carregado sotaque de seu vocalista e principal compositor. Catatau, guitar hero, conduz a banda para a virada dos anos 60 para os 70, quando os Beatles começavam a se desintegrar e o Pink Floyd e o Led Zeppelin a encontrarem seus rumos. Canções que se descortinam em dinâmicas elétricas que refletem tanto o momento em que o rock psicodélico começa a ficar mais pesado (Jimi Hendrix, Deep Purple, Black Sabbath) quanto como esta sonoridade se refletiu na música brasileira e particularmente nordestina (de Raul Seixas a Tutti Frutti, passando por Zé Ramalho, Fagner e Alceu Valença).
“Até que Enfim” não é a primeira música do disco Fortaleza à toa. A gestação do disco começou ainda em 2012, quando a banda se isolou em uma casa em Icaraizinho de Amontada, no litoral cearense, próximo a Jericoacoara. De lá pra cá foram três anos de amadurecimento musical que, pra começar, exigiu que a banda saísse de sua zona de conforto. Rian, Dustan e Regis trocaram de instrumentos: o baixista agora toca teclados, violão e fez os arranjos vocais, o segundo guitarrista assumiu o baixo e o tecladista pegou a segunda guitarra. Essa nova formatação mexeu com os brios da banda, que começou a pesar mais seu som, deixando as canções ensolaradas do disco de 2009 no passado. O disco continuou sendo gravado nos estúdios caseiros dos integrantes da banda até que, no início de 2015, o disco finalmente foi finalizado: vocais gravados, masterização em Los Angeles e lançamento pra download gratuito em seu próprio site, www.cidadaoinstigado.com.br
Fortaleza é um disco pesado no sentido musical, mas com momentos líricos e contemplativos (como a bela “Perto de Mim”, “Os Viajantes” e “Dudu Vivi Dada”) até um reggae (“Land of Light”). O peso dos anos 70 está nos timbres elétricos, mas eles estão longe de ser retrô. E o recado dado no decorrer do disco tem diferentes endereços, embora a principal referência seja a cidade-natal da banda que batiza o disco. Fortaleza pode ser ouvido como uma declaração de amor ao mesmo tempo que uma cobrança à capital cearense: “Minha Fortaleza ‘réia’ o que fizeram com você?”, pergunta o líder da banda no repente elétrico da faixa-título. Marca a maturidade do Cidadão Instigado em relação à busca da própria sonoridade.
Disponibilizado online na primeira semana de abril, o disco foi apresentado ao vivo uma semana depois de ter sido liberado na internet. E o show no Sesc Pompeia coroou este lançamento quando a banda ousou tocar praticamente o novo disco – e com as músicas quase em ordem idêntica – na íntegra, deixando o bis para tocar duas músicas de dois outros discos anteriores: “Lá Fora Tem” e a homenagem ao canadense Neil Young “Homem Velho”. E mesmo tocando pela primeira vez um disco que havia lançado há apenas uma semana, o Cidadão Instigado ainda contou com o coro da plateia em várias canções. Um momento especial para um disco de tal calibre.
Pode chorar: Charles Bradley toca em São Paulo nos dias 23 e 24 de maio, na choperia do Sesc Pompéia. Haja soul!
Ao apresentar-se no Sesc Pompeia neste fim de semana, o mestre Guilherme Arantes aproveitou para celebrar uma de suas bandas favoritas – embora muitos não saibam – e mandou esta versão para “The Boy with Thorn in His Side”, dos Smiths, ao piano.
A foto saiu do Instagram dele.
Entrevistei o pessoal do Bixiga 70 sobre seu terceiro disco pra edição de hoje da Ilustrada – o disco vai ser lançado com shows hoje e amanhã na choperia do Sesc Pompeia. Vai ser foda!
Banda Bixiga 70 apresenta disco composto a 20 mãos
Só com criações coletivas, terceiro álbum está disponível para download
Os dez integrantes do grupo paulistano de música instrumental Bixiga 70 são tachativos em afirmar que estão mais juntos do que nunca: “É o fim de um ciclo”, comemoram. A união está explícita na ficha técnica de seu terceiro disco, mais uma vez batizado apenas com o nome da banda, que sublinha que todo o trabalho foi composto, arranjado e produzido coletivamente, diferentemente dos dois anteriores, em que cada músico trazia um tema para ser desenvolvido em grupo.
“Acho que a gente conseguiu chegar em um lugar coletivo graças à dinâmica desses cinco anos juntos”, explica o baterista e um dos fundadores da banda, Décio 7. “Bixiga 70”, o novo disco, já está para download gratuito no site da banda (www.bixiga70.com.br) e marca uma maturidade musical em que as diferentes influências de músicos se diluem no groove instrumental ritualístico próprio das apresentações do grupo.
Diferentes musicalidades – nordestinas, caribenhas, jamaicanas, africanas, jazz, cumbia, funk – se fundem num caldo grosso cada vez mais característico do som paulistano da banda. “A gente tá muito embriagado nisso, de curtir o lance dos dez estarem muito alinhados em fazer som juntos”, emenda o saxofonista Cuca Ferreira.
O novo disco também traz uma mudança em relação às composições, que desta vez foram realizadas em estúdio, ao contrário dos discos anteriores, quando eram compostas entre ensaios e passagens de som. “Chegamos no estúdio sem nenhuma ideia pré-concebida, tudo foi composto do zero no estúdio”, explica o guitarrista e tecladista Maurício Fleury. Após sua terceira turnê europeia, no meio do ano passado, o Bixiga 70 voltou ao Brasil e descobriu que tinha um prazo estreito para entregar o disco contemplado através de um edital – este foi o primeiro disco da banda que não foi autoproduzido. A data-limite obrigou os dez integrantes a se enfurnar no estúdio-casa da banda, o Traquitana.
Localizado no número 70 da rua 13 de maio, no baixo do Bixiga (daí o nome), o estúdio é o motivo de existência da banda, que começou quando Décio e o guitarrista Cris Scabello passaram a tomar conta do lugar, mudando seu nome para Traquitana. A história daquele endereço remete à virada dos anos 60 para os 70, quando ali funcionava o bar Telecoteco da Paróquia, ponto favorito dos músicos profissionais da época para beber – e tocar – após o expediente. Reza a lenda que nomes como Sarah Vaughan e Stevie Wonder se apresentaram no local, quando estiveram no Brasil. “Foi aqui que o Benito di Paula lançou o ‘Retalhos de Cetim’”, lembra Décio.
Foram 45 dias em que a banda não arredou pé do Traquitana até fechar o disco que será lançado em dois shows no Sesc Pompeia, nos dias 16 e 17 da semana que vem. Forte influência no novo trabalho foi a parte final da viagem europeia, quando a banda passou pelo Marrocos e, além de um show, ainda pode coordenar um workshop que teve momentos cruciais para o desenvolvimento do novo disco. “Teve um cara que eu tive que parar e pedir pra ele me ensinar como é que ele tirava microtons africanos de um instrumento europeu, o saxofone, que não foi feito para tocar aquilo”, entusiasma-se Cuca.
Além de alinhada musicalmente, a banda também divide os trabalhos do lado empresarial: Cris toma conta do administrativo da banda, Maurício cuida das mídias sociais e das negociações com selos e turnês pela Europa, função dividida com o saxofonista Daniel Nogueira, que também cuida da divulgação nos Estados Unidos, enquanto Décio e o trompetista Daniel Gralha cuidam da parte técnica e de logística de shows. Completam a banda o baixista Marcelo Dworecki, o trombonista Douglas Antunes e os percussionistas Rômulo Nardes e Gustávo Cék.
BIXIGA 70
Artista Bixiga 70
Gravadora independente
Quanto gratuito, para download no site bixiga70.com.br
Lançamento qui. (16) e sex. (17), no Sesc Pompeia, ingressos esgotados
Conversei com o Tricky, um dos papas do trip hop, que finalmente põe os pés no Brasil durante o festival paulistano Nublu, que acontece neste fim de semana no Sesc Pompéia. Confira a entrevista lá no meu blog do UOL: http://matias.blogosfera.uol.com.br/2015/03/28/tricky-como-antidoto-ao-lollapalooza/
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Se você não tem pique nem paciência para encarar as dezenas de horas e artistas que desfilam pelo Lollapalooza Brasil neste fim de semana, uma alternativa de porte menos adolescente é o Nublu Jazz Festival, que chega a sua quinta edição neste fim de semana, com apresentações em unidades do Sesc em São Paulo (no Sesc Pompeia) e em São José dos Campos.
O Nublu é um pequeno clube de jazz em Nova York que realiza festivais itinerantes na cidade, em São Paulo e em Istambul na Turquia, cidade-natal de seu seu dono, o saxofonista Ilhan Ersahin. Ele é o idealizador do evento que reúne titãs do groove do passado e novos talentos da música brasileira. Em edições anteriores desfilaram, lado a lado, nomes como Headhunters, o DJ Nuts, a Sun Ra Arkestra, Tulipa Ruiz, o trio Marginals, o baterista Karriem Higgins, Kassin, Guizado, Roy Ayers e o Marcos Paiva Sexteto, além dos projetos de Ersahin, como Love Trio e Wax Poetics.
A grande atração deste ano, no entanto, não vem propriamente do jazz. Desconhecido pelo seu próprio nome, Adrian Thaws é um dos pioneiros da cena de música urbana negra que começou a despontar em Bristol, na Inglaterra, no final dos anos 80. Entre o início do jungle e um hip hop cada vez mais desacelerado, com acento no jazz e funk dos anos 70 e larga reverência à toda a música jamaicana, esta cena deu origem ao soundsystem Wild Bunch que, influenciado pela nova cena dance do segundo verão do amor londrino, virou o Massive Attack. Adrian começou a rimar e participou do primeiro disco do Massive Attack, o clássico Blue Lines, de 1991. À época ele já assinava seus trabalhos como Tricky.
No ano seguinte deixou o Massive Attack e em 1995 lançou seu primeiro disco, Maxinquaye, batizado a partir do nome de sua mãe, e atingiu o nível dos mestres, fechando, ao lado do Massive Attack e do Portishead, a santíssima trindade do trip hop. O gênero, que evolui da desaceleração da acid house dos anos 90 e da absorção de referências mais orgânicas serviu como contraponto à cada vez mais veloz música eletrônica daquela década.
Vinte anos depois de Maxinquaye, Tricky finalmente chega ao Brasil, um ano após lançar um disco batizado com seu próprio nome, o festejado Adrian Thaws. “Sempre quis ir para o Brasil e algumas vezes quase fui”, me conta em entrevista por email. “Eu tenho muitos amigos que estiveram aí e me dizem que é um lugar incrível, por isso estou realmente animado de conhecer e descobrir. Não tenho nenhuma expectativa, série, só quero eu mesmo ver, sabe.” Uma ponte já foi feita, pois o rapper regravou a canção “Something in the Way”, que havia gravado com Francesca Belmonte no ano passado, com a brasileira Mallu Magalhães. Ele comentou sobre a parceria e seu último disco, entre outros assuntos, na entrevista abaixo.
Seu último disco tem seu próprio nome.
Sabe, eu venho usando o nome Tricky por anos e meu primeiro disco foi lançado com o nome da minha mãe, então é como se eu fechasse um ciclo, voltasse ao começo. Tirei cinco anos de folga quando fui morar em Los Angeles, então estou de volta agora. É como se fosse o próximo capítulo. Maxinquaye me pariu e também pariu a minha carreira, porque foi a base de toda a minha carreira. Minha mãe me deu, Adrian Thaws, a luz, e com isso eu fecho o ciclo e começo o segundo capítulo.
Como serão seus shows no Brasil?
Todo tipo de música, velha, nova, um pouco de tudo. Sou eu, minha vocalista Kamila Bleax, um baterista e um guitarrista.
Você gravou uma música com a Mallu Magalhães. Vai gravar mais algo com ela?
Sim, eu adoraria. Ela tem uma voz incrível. É tão… delicada. Uma voz linda. Desta vez ela me mandou os vocais, mas eu adoraria ir para o estúdio com ela. Seria ótimo.
O que você gosta na música pop atual?
Sabe, tudo é muito comercial. Mas tem um cara, Sam Smith. Eu não curto essa música muito comercializada, mas Sam Smith está trazendo a música pop de volta, dando um nome ao pop. Ele não é um Sam Cooke, não me entenda mal, não é um Bob Marley, nada desse tipo, mas ele tem canções lindas. Ele é bom para o pop, acho. Prefiro ele que o Justin Timberlake.
Eu escuto muito hip hop velho, quase nada novo. Muito do hip hop atual é música pop e eu não curto isso. Sabe, quando escuto hip hop eu não quero ouvir pop. Eu não quero ouvir o 50 Cent. Eu ouço hip hop underground, ou mais hardcore. Nunca gostei de música pop.
E como você escuta música atualmente?
Eu escuto CDs ou ouço no YouTube, com fones de ouvido. Quando escuto música, tenho que ouvir muito alto – ou com fones. Não tem meio-termo. Música pra mim é como uma conversa, é uma coisa muito pessoal.
E o que você tem achado deste novo cenário da música digital?
É bom, mas também é ruim. Por exemplo, se as pessoas baixam música de graça. Sabe, tem gente que não entende, mas é assim que você tira seu sustento, como você consegue fazer sua música. As pessoas deviam ao menos apoiar isso. Sabe, podem até baixar músicas de graça, mas então apoia de alguma outra forma, compra algumas músicas no iTunes ou coisa do tipo, sei lá…
As pessoas deviam apoiar mais os artistas. Eles têm a ilusão que os artistas estão ganhando dinheiro o tempo todo. Quer dizer, se você é enorme, você ganha sim. Mas aí, pra começar, você tem que que tocar no rádio. Eu não toco no rádio, não sou milionário nem nada. Se quiser baixar de graça, baixa a Madonna. Não é um grande problema pra ela, ela tem tanto dinheiro que não precisa. Mas artistad como eu, que colocam tudo em seu próprio trabalho, acho que deveriam ser apoiados.
Depois de dois shows inacreditáveis no Sesc Pompéia (que filme quase na íntegra, veja abaixo) e de uma jam session com os Single Parents na Casa do Mancha, o Sebadoh toca mais uma vez em São Paulo, desta vez na Red Bull Station, em São Paulo (depois de passar pelo interior de Minas Gerais, pelo Abril Pro Rock no Recife e pelo Circo Voador no Rio de Janeiro). A programação de hoje também inclui shows do Single Parents e da carioca The John Candy, e os ingressos já estão sendo vendidos aqui.
Bati um papo com Lou Barlow (à direita, com o rosto virado), líder do Sebadoh, por telefone no fim da tarde deste sábado – a banda tinha chegado pela manhã no Brasil. A banda se apresenta hoje e amanhã no Sesc Pompéia e os shows começam pontualmente às 19h.
Esta é a sua segunda vez no Brasil, na primeira você veio para cá como baixista do Dinosaur Jr. e teve a oportunidade de fazer um show solo. Quais lembranças você tem daquele dia?
O show solo foi muito bom, foi um dos momentos mais doces da minha carreira, acho (ri). Foi bem surpreendente pra mim, porque todo mundo estava sendo muito legal e o show foi organizado em, sei lá, umas seis horas. Muita gente foi e todos foram muito legais. O público no Brasil foi muito bom com o Dinosaur Jr. também. As pessoas amam música aqui, São Paulo é uma cidade absurdamente enorme (ri) e só uma porcentagem pequena deve ir ao show, como é o que acontece quando tocamos em Londres ou em Nova York. E sempre tive vontade de voltar e agora estou feliz de estar aqui com o Sebadoh.
Você tinha alguma idéia da quantidade de fãs que têm aqui no Brasil?
Não. Fiquei surpreso quando vi as pessoas no show solo da outra vez, mas não sei o que esperar com o Sebadoh. Acabamos de fazer uma turnê pela Austrália e Nova Zelândia que foi bem divertida, mas não teve muito público e ultimamente nossas turnês pelos EUA têm cada vez menos gente na platéia.
Acredito que o público do Sebadoh é o mesmo que pode, ainda nos anos 90, comprar CDs importados numa época em que isso começou a ficar mais barato por aqui, no início dos anos 90. Ao mesmo tempo foi uma época em que a cultura independente norte-americana começou a ser mais conhecida pelo mundo e isso acabou influenciando a música independente brasileira. Atualmente os limites entre música independente e mainstream estão cada vez mais misturados. Como você vê isso?
Eu acho que o que acontece com a maioria das pessoas, eu incluso, é que você tem que fazer as coisas você mesmo. Há um momento em que as pessoas se deixam levar pelo lado empresarial, querendo se tornar imensamente populares e isso não é muito realista. E as pessoas percebem isso. Acho que o maravilhoso da cultura independente é que ela sempre vai existir, em algum lugar. E que o underground sempre vai ser um vasto território para a música. Eu vejo as pessoas reclamando que a música está chata, que não tem coisa legal sendo feita, mas acho que é mais provável que essas pessoas que reclamam não estejam procurando. Elas não se importam. Elas não se importam com o que os moleques de 23 anos de hoje em dia estão ouvindo. Elas não se importam se tem um galpão abandonado fora da cidade que recebeu um show que reuniu mil pessoas pra ver uma banda que ela nunca ouviu falar. Isso não quer dizer que não esteja acontecendo. Está e sempre estará. Sempre haverá comunicação entre as pessoas em um nível bem básico e debaixo de toda essa lógica comercial e empresarial. Sempre acontecerá e isso é impressionante.
Mas as coisas estão bem mais misturadas hoje em dia. Era impensável que uma gravadora indie dos anos 90 teria uma música no topo da parada de discos mais vendidos na Billboard, como aconteceu com o Arcade Fire que é um artista da Merge.
Ao mesmo tempo a Merge é uma gravadora consciente de seu papel, de uma forma bem realista. É uma gravadora fundada a partir da integridade artística, o que também acontece com a Domino. Eles continuaram fazendo o mesmo por anos, os gostos musicais mudam e aconteceu que algo como o Arcade Fire se tornasse comercial. A Merge é formada por pessoas espertas e honestas e eu acredito que este é o grande fator que tornou possível que tivessem um disco no topo da parada, sua integridade artística. E depois de 25, 30 anos, isso torna-se uma habilidade de mudar a forma como as coisas funcionam.
É que eles são comerciais mas não tratam isso apenas como um negócio.
Sim. É exatamente isso. Isso acontece com a Merge, com a Domino, com a Sub Pop… Gente que pensa de forma realista o tempo todo.
O Sebadoh apareceu no final dos anos 80, uma época em que era muito difícil conseguir gravar seu próprio disco e você foi um dos pioneiros ao lançar gravações caseiras, que se tornou uma estética conhecida na época como lo-fi. Isso foi importante para mostrar que você não precisava ser superproduzido para soar bem. Hoje, com computador e acesso à internet, qualquer um consegue gravar músicas com um mínimo de esforço e espalhá-las para o mundo inteiro sem precisar fazer concessões sonoras para soar mais comercial e conseguir um público cada vez maior. O que você acha disso?
Acho que isso é verdade. Eu estava pensando num dia desses sobre como, nos anos 90, as bandas acabavam fazendo isso para ver se atingiam um público maior e seus discos acabavam vendendo menos que os anteriores (ri). Isso não ocorre com os discos independentes e eles acabam vendendo mais, porque as pessoas têm uma conexão pessoal com isso. É há uma diferença quando você não trabalha nisso como se estivesse lidando apenas com uma empresa, seja por uma decisão política ou porque a sonoridade acaba se tornando mais fria para deixá-la com uma cara mais corporativa. Algumas bandas são exceções, como, claro, o Nirvana. Mas bandas como o Arcade Fire ou o Spoon continuaram na Merge porque sabiam que era a coisa certa a ser feita, especialmente o Spoon, que já esteve numa gravadora grande e foi muito mal, passou por dificuldades. Mas aí eles voltaram para algo mais realista e tudo melhorou.
Ao mesmo tempo, estamos vivendo em uma época em que cada vez mais pessoas lançam seus trabalhos, nunca foi tão fácil se tornar um artista e ter sua obra publicada. Você acha que isso não vai acabar enfraquecendo esse lado mais corporativo do mercado da música, que faz as pessoas serem guiadas por quem está na capa da revista, no topo das paradas, com os discos mais vendidos…
Hm… Tem outra coisa também: as pessoas gostam de música pop porque ela é gigantesca. E a música pop passa por ângulo cultural que a torna onipresente, espalhada em cartazes, e isso é parte do negócio. Mas qualquer um que desconfie que há algo diferente acaba procurando outro tipo de música, claro, graças à internet, que tornou tudo mais fácil. Você pode passar a noite procurando por sua nova banda favorita.
Você soube do disco-tributo que bandas brasileiras gravaram com as canções do Sebadoh?
Ouvi falar, mas não ouvi ainda.
Não é improvável pensar em um tributo feito por bandas brasileiras?
Mas fazem tributos pra tantas coisas diferentes… Na verdade, umas bandas francesas já fizeram um tributo ao Sebadoh e outras bandas da Bélgica também, então não é tão improvável assim pra mim. Acho que nos anos 90 o Brasil realmente parecia distante. Mas, hoje, com a internet, você fala no Brasil e parece normal, não é como se estivesse falando de uma coisa completamente distante. E tem tantos brasileiros no Facebook… E na minha visão superficial do país, acho que é um lugar muito musical, onde as pessoas amam música e agem de forma muito passional em relação à música, vi isso na resposta dos shows com o Dinosaur Jr. quanto nas bandas brasileiras que tocaram junto com a gente e eram muito boas! E além de ter uma tradição musical incrível, as pessoas daí gostam de rock. Isso é tão incomum, porque na maior parte dos lugares há a presença da dance music, que é tão invasiva e está em todos os lugares e todo mundo gosta… Estávamos no aeroporto hoje, saímos do avião e estávamos sentados em um pequeno café e tá tocando Stooges, num café pequeno num aeroporto e isso é incomum (ri)! Não é um bar, é um lugar normal pra pessoas comuns… e tá tocando Stooges! E logo em seguida tocou uma canção melancólica qualquer. Foi tão estranho. Isso nunca aconteceria nos Estados Unidos. Você nunca vai ouvir os Stooges tocando num aeroporto. E não é por causa do que está sendo dito, mas pela sonoridade. Isso não é música para pessoas em seu dia-a-dia. E por aqui toca. Acho engraçado como as pessoas na América do Sul gostam mais de rock do que nos outros lugares que conheço.
Aproveitando a deixa, o que você conhece de música brasileira?
Não muito. Conheço os Mutantes porque fez parte de um onda nos anos 90, com coletâneas e relançamentos, são discos incríveis, que hoje fazem parte da coleção de qualquer fã de música, junto dos discos dos Zombies e dos Beatles, já são considerados um clássico. Não conheço o hard rock brasileiro, mas imagino que deva ser incrível (ri). Quando começou o hardcore tinham umas ótimas bandas de hardcore brasileira, como o Olho Seco, e também a cena de speed metal, principalmente por conta do Sepultura, que era a melhor banda do mundo naquela época. Quando morei em Boston, eu assinava TV a cabo e pegava a MTV Latina e eu via muita coisa da América Latina e adorava muita coisa. A versão latina do programa 120 Minutes, que era o programa de rock alternativo, sempre mostrava umas bandas indies latinas, tinha muita coisa legal.
Você vai sair por aqui pra comprar discos?
Não (ri). Sou um pai de família, não posso sair comprando discos o tempo todo.
E como é a primeira vez do Sebadoh por aqui vocês vão preparar alguma coisa diferente?
Eu não sei. Nós tocamos músicas novas mas sempre tocamos músicas velhas… Mas o melhor é tocar em um lugar onde nunca tocamos. É sempre incrível. Mesmo porque você não precisa se preocupar em tocar de outro jeito diferente da outra vez (ri).
O grupo de Lou Barlow estréia sua turnê pelo Brasil neste domingo, quando acontece o primeiro dos dois shows do Sebadoh em São Paulo. Os ingressos evaporaram num instante (não sabia que havia tantos fãs da banda em São Paulo), mas consegui descolar um único ingresso – para o show de segunda-feira – para sortear aqui. Para concorrer, basta escrever nos comentários abaixo (não esqueça de colocar seu email) dizendo qual é a sua música favorita da banda e por quê? Anuncio o vencedor amanhã até a hora do almoço, que ainda leva o pôster bonitão acima (vai que rola pegar um autógrafo…).
É isso aí: Nação Zumbi e Jorge Ben juntos num show só com músicas da fase clássica do nosso são Jorge. Quer ver melhorar? No Sesc Pompéia! Chega mais janeiro!
O pai do Hüsker Dü está entre nós e toca hoje e amanhã na choperia do Sesc Poméia. O Fernando Dotta, do Single Parents, o entrevistou antes de ele chegar ao Brasil e ele falou sobre método de composição, sua autobiografia e bandas novas (ele curte Toro y Moi!). Dá uma sacada:
A transcrição traduzida da entrevista segue abaixo: