Também desenterro uma minirresenha à trilha sonora do filme de 1981 dos Trapalhões, um dos maiores sucessos do grupo no cinema. Escrevi o texto para uma votação dos 100 melhores discos brasileiros, feita pela Rolling Stone brasileira há dois anos, mas, no fim, o disco ficou de fora – e o texto também. Ei-lo:
O encontro improvável entre um bardo sambista da MPB e um grupo de humor televisivo soltou faísca ao menor atrito. Bom pra todos: Chico Buarque procurava outros temas, uma vez que a resistência à ditadura tornava-se redundante com a abertura do general Figueiredo (seu disco daquele ano, Almanaque, não tinha uma música de protesto sequer), e os Trapalhões precisavam de um prumo para ajudar sua carreira cinematográfica deslanchar de vez. E descobrimos um Chico acanalhado e Didi, Dedé, Mussum e Zacarias funcionando – e bem – sem a ajuda da TV. Da circense – e emblemática – “Piruetas” à cândida “Minha Canção”, a trilha passa pelo forró “Rebichada”, o rock “A Cidade dos Artistas” (com Elba Ramalho), a doce “Hollywood” (com Lucinha Lins) e o xote “Alô Liberdade” (com Bebel Gilberto), sem perder o rebolado e a graça. Mas o Chico subversivo ainda dava sinais nas entrelinhas – das desculpas ao “Meu Caro Barão” à “réstia de luz onde dorme o meu irmão” (que, sutilmente, aponta os últimos porões do Dops). Fora o próprio tema do filme, adaptado da versão que Chico fez de uma peça infantil italiana nos anos 70 – que canta, sem remorso, “todos juntos somos fortes/ Não há nada a temer”.
A trilha – citada pelos Los Hermanos na turnê do Bloco do Eu Sozinho – foi escrita por Chico Buarque em um de seus períodos mais produtivos e embalou a segunda parte da minha infância, uma vez que foi o primeiro filme – e não desenho animado – que assisti no cinema. Fico pensando o quanto músicas como “Meu Caro Barão” e a disco music “Cidade dos Artistas” não podem ter me influenciado de um jeito ou de outro…
Chico Buarque + Trapalhões – “Meu Caro Barão“
Elba Ramalho + Trapalhões – “Cidade dos Artistas“
Resenha do disco novo do Júpiter, na mesma edição…
Jam session, baile de máscaras e aperitivo
Enquanto cria a mística em torno de seu quarto álbum – Uma Tarde na Fruteira, dizem, sai ainda este ano por um selo europeu -, Júpiter Maçã encontra tempo para alimentar sua mitologia pessoal com um disco quase bastardo, composto ao lado da parceira Bibmo, e gravado praticamente ao vivo. Em um clima de jam session (algumas músicas passam dos cinco minutos, a psicodelia californiana de “Deep” chega a 14!), Bitter é um baile de máscaras em que Flávio Basso veste suas fantasias prediletas (beatlemania, Sgt. Pepper’s, David Bowie, Roberto Carlos, Nuggets, Syd Barrett) e algumas novas – ao menos, para nós: “Exactly” é puro rock de Detroit (com Bo Diddley na veia), “Any Job” é um clone perfeito da fase Gram Parsons dos Stones, “Lovely Riverside” o coloca em pastos irlandeses. Mesmo assim, o disco tem mais cara de registro corrido do que propriamente de um álbum e faz as vezes de aperitivo para o aguardado próximo disco de Júpiter, sucessor do estranho Hisscivilization, que já tem algumas versões correndo na internet. Tudo para aumentar a lenda. Júpiter pode parecer maluco, mas, em alguns sentidos, ele sabe o que faz.