Os 50 melhores discos de 2023 segundo o júri de música popular da APCA

Estes são os 50 discos mais importantes lançados em 2023 segundo o júri da comissão de música popular da Associação Paulista dos Críticos de Arte, da qual faço parte ao lado de Adriana de Barros (editora do site da TV Cultura e apresentadora do Mistura Cultural), José Norberto Flesch (Canal do Flesch), Marcelo Costa (Scream & Yell) e Pedro Antunes (Tem um Gato na Minha Vitrola, Popload e Primavera Sound). A amplitude de gêneros, estilos musicais, faixas etárias e localidades destas coleções de canções é uma bela amostra de como a música brasileira conseguiu se reerguer após o período pandêmico com o lançamento de álbuns emblemáticos tanto na carreiras de seus autores quanto no impacto junto ao público. Além dos discos contemporâneos, fizemos menções honrosas para dois álbuns maravilhosos que pertencem a outras décadas, mas que só conseguiram ver a luz do dia neste ano passado, um de João Gilberto e outro dos Tincoãs. Na semana que vem divulgaremos os indicados nas categorias Artista do Ano, Show e Artista Revelação, para, no final de janeiro, finalmente escolhermos os vencedores de cada categoria. Veja os 50 (e dois) discos escolhidos abaixo:  

O Elefante de Rodrigo Campos e Rômulo Froes

Dois mestres da música contemporânea paulistana, Rômulo Froes e Rodrigo Campos são compadres e parceiros de outros carnavais, mas resolveram trabalhar juntos numa mesma obra e se reuniram para registrar composições conjuntas no disco em parceria Elefante, safra de sambas desesperançosos que cruza as respectivas escolas de cada um de seus autores, que conversam com a mesma fluência que seus timbres de voz. Além das vozes, Ròmulo toca violão enquanto Rodrigo divide-se entre o violão, o cavaquinho e diversos instrumentos de percussão, além de contar com as presenças pontuais de velhos camaradas, como o sax de Thiago França, o contrabaixo acústico de Marcelo Cabral e a voz de Anna Vis, que surgem em algumas faixas para equilibrar – ou desequilibrar, dependendo do momento – o peso dos dois. Elefante é um disco urbano que decanta a cidade em versos nada confortáveis: “O caminho do exílio é vazio de alucinação”, “cada corpo é chama e chaminé”, “a bandeira dessa morte eu não vou tremular”, “como se viesse do futuro pra avisar que tudo já morreu”, “quando canto eu não essa voz”, “muda a rua, muda o chão, Não muda a cidade”, “aqui do alto não se vê o rio e a marginal, mas há de ter um novo amor e banca de jornal”, “o verso perdido no tempo trazido no vento mil anos depois”, “já morri nos meus pais” e “a cidade sou eu, não sou eu”. Será lançado nessa sexta-feira, mas os dois o adiantam em primeira mão para o Trabalho Sujo.

Ouça abaixo:  

Roda de dois

“O samba e o choro são bem constituintes da origem do meu enredo”, Maria Beraldo arrematou (bem, como ela mesma constatou) no meio de sua terceira noite no Centro da Terra, quando apresentou ao lado de Rodrigo Campos um amplo repertório de sambas, de clássicos da velha guarda a hits do pagode dos anos 90. Só os dois no palco, tomando uma cervejinha, cada um com um instrumento em diferentes momentos – Beraldo ia do cavaquinho ao clarinete ao violão enquanto Rodrigo ia do violão ao repique ao cavaquinho, numa roda a dois que teve momentos terrenos e sublimes. Da primeira música que Maria aprendeu ao cavaquinho (“Apaga o Fogo Mané”, de Adoniran Barbosa) à “Minha Missão” de João Nogueira, o repertório foi costurado por Chico Buarque (“Bom Tempo” e uma versão maravilhosa para “Dois Irmãos”), Exaltasamba (“Gamei”), Só Pra Contrariar (“Inigualável Paixão”) e Dona Ivone Lara (lembrada na maravilhosa “Tendência”, que Maria aproveitou para revelar qual é o tema da terceira lição de sua banda, o Quartabê). Os dois ainda tocaram duas inéditas que compuseram juntos, duas de Rodrigo Campos (“Firmeza?!” e “Batida Espiral”), mas o ponto nevrálgico da apresentação foi exatamente no meio quando emendaram “Lindeza” de Caetano Veloso (você conhece, “coisa liiiiindaaa…”) com “Recado À Minha Amada” do Katinguelê (você também conhece, “lua vai…”) mostrando que o samba segue samba não importa de onde ele venha.

Assista aqui:  

Maria Beraldo: Manguezal

Prazer enorme receber Maria Beraldo para sua temporada no Centro da Terra, que toma conta do palco do teatro do Sumaré a partir desta segunda-feira até o final de julho. Em Manguezal ela recebe chapas e comparsas em fusões de diferentes ecossistemas – daí o título da temporada, esta vegetação que funciona como palco para o encontro de águas, floras e faunas, que ela se refere como berçário do mar. A cada nova segunda ela recebe diferentes convidados para aproveitar o momento de transição entre seu disco de estreia e o próximo álbum, que vem burilando há tempos. Ela começa convidando a irmã Mariá Portugal para uma noite de improviso nessa primeira apresentação, dia 10, e na semana seguinte recebe a maravilhosa Josyara para um tributo a Cássia Eller, no dia 17. Depois, dia 24, ela envereda pelo pagode ao lado do compadre Rodrigo Campos e encerra a temporada no dia 31, reunindo os chapas Marcelo Cabral e Lello Bezerra para mostrar algumas canções inéditas. As apresentações acontecem sempre às 20h e os ingressos podem ser comprados antecipadamente neste link.

Um Brasil aos pedaços

Quando dedicou-se a visitar o repertório clássico – no limite do clichê – da música brasileira reconhecida no exterior em seu Brazliian Songbook, Marcela Lucatelli despedaçou símbolos da MPB como uma forma de confronto estético, iconoclastia que inevitavelmente tem natureza política. Isso muito pelo fato de que o projeto foi gravado com músicos do país em que Marcela reside há anos, a Dinamarca, cuja visão de nossa sonoridade é muito específica (e também no limite do clichê). Mas quando ela arregimentou um timaço de músicos brasileiros para reviver esta premissa no palco do Centro da Terra, nesta segunda-feira, a abordagem foi para um outro patamar. Livre dos clichês que permeiam o álbum – o pianinho bucólico, o violão percussivo com acordes dissonantes, a bateria segurando o beat no aro da caixa -, ela partiu do improviso livre ao lado de quatro jovens mestres nesta arte, todos eles mais do que escolados na música brasileira, mas parte desta. Marcelo Cabral, Rodrigo Campos, Alana Ananias e Lello Bezerra criaram um conjunto abstrato de ruído que em poucos momentos resvalava no que se reconhecia como clássico da música brasileira, deixando a hiperbólica apresentação vocal e cênica de Marcela como fio condutor desta sonoridade. Ela disseca versos e frases musicais com um ataque musical entre a violência e o escárnio, enquanto sua performance cênica, solta naquela teia de ruído tão bem tramada (ainda que ao acaso), relê estas canções entre o encanto e a ironia. À frente daqueles quatro cientistas do som, transmutou seu Songbook em ouro puro.

Assista aqui.  

Marcela Lucatelli: Brazilian Songbook

Quase chegando no final do mês, recebemos mais uma vez, no Centro da Terra, a cantora mineira Marcela Lucatelli para fazer a primeira apresentação de seu Brazilian Songbook em solo brasileiro. Residente há quase duas décadas na Dinamarca, ela estabeleceu-se como uma referência no canto de improviso livre na Europa e neste trabalho, ela viaja por clássicos da música brasileira, desconstruindo-os à medida em que embaralha as fronteiras entre samba, free jazz, musica pop, ópera, heavy metal e música experimental. Para montar este quebra-cabeças psíquico, ela conta com uma banda formada especialmente para esta ocasião, com Rodrigo Campos no cavaquinho, Lello Bezerra na guitarra, Marcelo Cabral no baixo e Alana Ananias na bateria, o que abre outras tantas dimensões nesta improvável equação. O espetáculo começa pontualmente às 20h e os ingressos estão à venda neste link.

Romulo Fróes: Transa 50

E quase no fim da programação de 2022 no Centro da Terra, convidei o grande Romulo Fróes para mostrar mais uma encarnação que faz do clássico Transa, de Caetano Veloso, que completa 50 anos neste 2022. Sempre bem acompanhado – Rodrigo Campos no cavaquinho, Guilherme Held na guitarra, Marcelo Cabral no baixo e Décio 7 e Richard Ribeiro nas baterias (sim, duas baterias!) -, ele nos conduz mais uma vez neste disco-chave não apenas para a carreira de um dos maiores nomes de nossa cultura, mas também para nossa música, quando, ainda exilado na Inglaterra, o cantor e compositor baiano mergulhou no DNA de nossa música para apontar seu futuro. Meio século depois, o Transa 50 de Romulo Fróes confirma algumas daquelas previsões ao mesmo tempo em que abre novos rumos para ideias seculares sobre a natureza de nosso país. Ainda mais fechando um ano como esse… O espetáculo começa pontualmente às 20h e ainda tem ingressos à venda neste link, embora estejam quase no fim…

Centro da Terra: Dezembro de 2022

Como já é tradição, no último mês do ano o Centro da Terra conta apenas com uma semana de programação antes de encerrar suas atividades. Originalmente teríamos três apresentações nesta última semana de 2022, mas como uma delas coincidia com o fim de um jogo do Brasil na Copa do Mundo, abrimos mão da segunda-feira para focarmos em duas datas: na primeira terça-feira do mês Romulo Fróes traz para o teatro do Sumaré a versão que fez para um dos discos mais clássicos da música brasileira, o Transa de Caetano Veloso que completa meio século de idade neste ano que chega ao fim. Ao seu lado, os suspeitos de sempre, Rodrigo Campos, Guilherme Held, Richard Ribeiro, Décio 7 e Marcelo Cabral ajudam-no a levar o disco para ambientes sonoros improváveis e ao mesmo tempo próximos da atmosfera original do disco. E na quarta-feira, Kiko Dinucci encerra as atividades do ano convidando a cantora Marcela Lucatelli e a baterista Alana Ananias para uma noite de improviso livre – e você sabe como são estas noites no Centro da Terra… Os ingressos já estão à venda neste link e correm o risco de acabar rapidinho, não dê mole!

Amarelo: Síntese e Máquina

Originalmente, a apresentação do duo Amarelo – formado pelo guitarrista Allen Alencar e pelo baixista Meno Del Picchia – no Centro da Terra iria acontecer em junho, mas como ainda estamos numa pandemia, aquela apresentação teve de ser adiada por motivos sanitários e finalmente será realizada nesta terça, 16 de agosto. Síntese e Máquina, experimento que eles propõem ao teatro, passa por canções de seus dois primeiros EPs e músicas de seu próximo trabalho. Na apresentação, eles são acompanhados pelos amigos Verônica Ferriani e Rodrigo Campos, que interferem no formato já estabelecidos destas músicas. O espetáculo começa pontualmente às 20h e os ingressos podem ser comprado antecipadamente neste link.

80 anos de Benito di Paula


Foto: Murilo Alvesso (Divulgação)

Neste domingo Benito di Paula completa 80 anos lançando seu primeiro disco com faixas inéditas em 25 anos, O Infalível Zen. Produzido pelo filho Rodrigo Vellozo ao lado do professor Rômulo Froes (e com o auxílio luxuoso dos bambas Thiago França, Marcelo Cabral, Rodrigo Campos, Igor Caracas e Allen Alencar), o disco resgata ideias de canções que vinha trabalhando há décadas e mais outras tantas compostas há pouco, Conversei com os produtores e com o velho compositor em mais uma colaboração para o site da CNN Brasil.