Mais uma apresentação de tirar o fôlego conduzida por Juçara Marçal no Centro da Terra. Na segunda noite em que trouxe seu Encarnado em versão acústica este ano para o palco do Sumaré, a maior cantora do Brasil hoje não só fechou esta pequena temporada com uma apresentação ainda mais intensa que a da terça anterior, como encerrou outro ciclo, ainda maior, aberto quando realizou a primeira data de uma temporada interrompida no fatídico março de 2020 da pandemia. Acompanhada dos cúmplices de sempre – Kiko Dinucci, Rodrigo Campos e Thomas Rohrer, todos eles empunhando instrumentos sem eletricidade -, ela transformou mais uma vez seu disco de estreia no véiculo perfeito para a expor a intensidade de sua performance ao vivo, quando transforma sua voz e presença de palco em uma passagem para entidades, cada uma em uma canção. E assim ela foi enfileirando sambas de Siba e Paulinho da Viola, Itamar Assumpção e Gui Amabis, Romulo Froes e Chico Buarque, Tom Zè e Douglas Germano cujas histórias e letras misturam causos do cotidiano com casos de polícia, dramas pessoais com traumas íntimos, rezas e cânticos, sempre amparada pela complexa trama formada pelo entrelaçamento ímpar das cordas de Kiko e Rodrigo e coberta pela lânguida rabeca de Thomas. Uma noite que não apenas tirou o fòlego como livrou o encosto dos traumas dos anos recentes. Pura magia.
Encarnado e desencantado! Como Juçara falou logo no começo da primeira das duas apresentações que está fazendo no Centro da Terra neste começo de mês, retomar seu primeiro disco solo em formato acústico fecha a tampa de um alçapão que nos foi aberto bem quando ela começava uma temporada de shows no teatro revisitando seu primeiro disco (que naquele março de 2020, que viu o começo da pandemia, completava seis anos) sem instrumentos elétricos – e sem microfones ou amplificadores, só no gogó e na unha, como ela mesma disse. A nova versão acústica de seu Encarnado, que agora completa 10 anos, foi diferente daquela antes de entrarmos na tragédia pandêmica, pois além de microfone e instrumentos plugados também contava com a iluminação de Olívia Munhoz, que já havia feito no primeiro aniversário do disco esse ano, no Sesc Vila Mariana. Ao seu lado, os suspeitos de sempre (Kiko Dinucci, pela primeira vez tocando violão com cordas de aço num show, Rodrigo Campos e Thomas Rohrer) a ajudavam a conduzir-nos a um território cru e direto, sem meios termos passando por novos (“A Velha da Capa Preta” de Siba, “Ciranda do Aborto” – o momento mais intenso do disco e do show – e “João Caranca” de Kiko, “Pena Mais Que Perfeita” de Gui Amabis, “Velho Amarelo” de Rodrigo, “Presente de Casamento” de Romulo Froes e Thiago França e “Canção Pra Ninar o Oxum” de Douglas Germano, entre outras) e velhos (“E o Quico?” de Itamar Assumpção e “Não Tenha Ódio no Verão” de Tom Zé) clássicos da música brasileira. Dois destes últimos surgiram nessa versão ao vivo, primeiro “Xote de Navegação”, de Chico Buarque (em que Juçara foi acompanhada apenas por Rohrer tocando um fuê!), e depois “Comprimido” de Paulinho da Viola (em que trocou “um samba do Chico” por “um samba do Kiko”). Com a luz de Olívia perseguindo os silêncios e esporros do som (indo da penumbra quase completa aos faróis na cara do público), a apresentação terminou com um bis intenso, quando ela voltou a música do Tom Zé e pediu para que o público a acompanhasse seus gritos do refrão, fazendo com que todos exorcisassem, aos berros, o pesadelo dos últimos quatro anos, transformando o teatro numa câmara de descompressão de frustrações do período pandêmico. Irretocável. E terça que vem tem mais.
Em março de 2020, Juçara Marçal começou uma temporada no Centro da Terra em que visitava seu primeiro disco solo, Encarnado, num formato diferente – colocando seus chapas Kiko Dinucci, Rodrigo Campos e Thomas Rohrer, que marcaram presença no disco, para tocar instrumentos acústicos, dando uma outra roupagem às canções. Mas o mês desta temporada também foi o mesmo em que afundamos naquele pesadelo chamado pandemia do coronavírus e inevitavelmente a série de apresentações foi suspensa após a primeira noite. Mas sempre conversava com ela sobre a possibilidade de retomarmos aqueles shows. Eis que finalmente conseguimos realizá-los novamente agora neste início de junho, com duas apresentações, que além de ter Kiko tocando violão de aço, Rodrigo no violão e cavaquinho e Thomas na rabeca, ainda traz a luz da Olívia Munhoz, que iluminou o show de aniversário do disco, que completa 10 anos em 2024, agora no início do ano. Serão duas apresentações em duas terças, 4 e 11, e a primeira delas já está com ingressos esgotados.
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Chegou ao fim nesta segunda-feira a jornada que Thiago França, Rômulo Froes e Rodrigo Campos se propuseram ao encarar a temporada 3 na Ribanceira que tomou conta das segundas de abril no Centro da Terra – e a quarta noite foi de pura celebração, com os três lembrando diferentes momentos de suas carreiras ao mesmo tempo em que recebiam dois cúmplices de encruza, ninguém menos que Juçara Marçal e Marcelo Cabral. A apresentação começou com Thiago segurando a respiração do público com seu mantra de fôlego circular no saxofone, abrindo caminho primeiro para Rômulo (com sua “Pra Comer”), depois para Rodrigo (que entrou com sua “Meu Samba Quer Se Dissolver”) e os três tocaram a marchinha “Adeus Saudade”, feita para um dos primeiros desfiles da Charanga do França. Depois entrou Cabral, tocando baixo elétrico, para acompanhá-los primeiro numa versão pagode para “Muro”, de Rômulo, e depois com a faixa-título do primeiro disco do baixista, Motor, esta já com a presença da segunda convidada, Juçara. Juntos os cinco, passaram por “Três Amigos” (do Metá Metá), “Ladeira” (do trio Sambas do Absurdo), “Queimando a Língua” (do primeiro disco da Juçara), “Presente de Casamento” e “Espera” (de Rômulo), “Califórnia Azul” e “Velho Amarelo” (de Rodrigo). A ausência da noite foi Kiko Dinucci, que não pode comparecer por questões pessoais e foi lembrado quando tocaram a bela “São Paulo de Noite”, do Thiago – ou “Dinucci”, como brincaram. Também foi sentida a ausência de qualquer canção do grupo Passo Torto, que tinha 3/4 de sua formação no palco. Entre as músicas o tom era de conversa de bar, com Thiago brincando que Juçara tinha o colocado no time dos saxofonistas compositores ao lado de Milton Guedes e Jorge Israel enquanto Rômulo fazia a genealogia de cada uma das canções. Ele ainda brincou que estava chegando na beira da ribanceira, “olhando o precipício e ele olhando de volta” pouco antes de um deslize de memória (quem viu viu) que veio antes do encerramento da noite e da temporada, quando emendaram “Fim de Cidade” e “Mulher do Fim do Mundo”. Uma noite especial – e Juçara ainda soltou um spoiler do que vem por aí…
A terceira noite da temporada que Rodrigo Campos, Rômulo Fróes e Thiago França estão fazendo no Centro da Terra era um salto no escuro – e provou-se a melhor da temporada até aqui. Apresentando um repertório composto apenas por músicas inéditas, a noite contou com um elemento de experimentação que fez o trio baixar a guarda e assumir o aspecto laboratorial desta temporada chamada de 3 na Ribanceira. Pois lá estavam os três, soltando pérolas arquivadas no passado e músicas que tiraram da gaveta do período pandêmico sem pudor de recomeçar faixas, discutir letras, arranjos e melodias (“se o Ed Motta falou…” foi um comentário recorrente) e soltar farpas apenas para espezinhar uns aos outros, como quando Thiago lamentou que sua “Bodeado” havia ficado de fora do Barulho Feio de Rômulo ou quando este reclamou que uma música sua não entrou no Elefante que gravou com Rodrigo ano passado porque tinha “muita letra”. A pegação no pé mútua ajudava a dissipar o clima sério e por vezes soturno (pois algumas faixas haviam sido compostas durante a pandemia) de parte daquele repertório, que ainda trouxe uma composição de Ròmulo e Ná Ozzetti que havia sido tocada apenas uma vez exatamente naquele palco, em março do ano passado e a mesma “Cadê Meu Dinheiro?” que Campos lançou na primeira noite da temporada. A noite terminou com um aperitivo da próxima segunda, quando receberão Marcelo Cabral e Juçara Marçal para revisitar clássicos próprios, e Rômulo puxou sua “Espera”, que também havia sido tocada na primeira segunda-feira desta safra de shows.
O título da noite era Samba no Tablado e Thiago França, Rômulo Froes e Rodrigo Campos foram literais ao colocar a mesa da roda de samba no palco do Centro da Terra, colocando cadeiras ao redor da mesa e puxando o público para participar da celebração junto com eles no palco – quem não quisesse poderia assisti-los das poltronas, assistindo aos poucos os outros integrantes da audiência cantarolar os sambas, bater palmas e acompanhar os la-la-laiás típicos deste formato. Os três donos da temporada dividiam os vocais com quatro convidadas, as já anunciadas Victória dos Santos, Fernanda Sangirardi e Bia Falleiros e a convidada surpresa Mari Tavares. Enquanto Thiago e Rodrigo puxavam harmonias com os cavaquinhos, Mari e Victória revezavam-se entre instrumentos de percussão enquanto o grupo desfilava clássicos eternos do samba (“Diz Que Fui Por Aí” do Zé Keti, “Ainda Mais” e “Argumento” do Paulinho da Viola, “Mora Na Filosofia” de Monsueto, “O Sol Nascerá” de Cartola e “Luz Negra” de Nelson Cavaquinho), reverenciavam as grandes damas Dona Ivone Lara, Clara Nunes, Beth Carvalho e Clementina de Jesus (“Na Linha do Mar”, “Na Hora Da Sede”, “Acreditar”, “Sonho Meu”. “Alguém Me Avisou” e “Vou Festejar”) e novos clássicos do pagode (“Malandro”, “Eu e Você Sempre” e “Tendência” de Jorge Aragão, “Será Que É Amor” de Arlindo Cruz, “Conselho” e “Trilha do Amor” do grupo Revelação e “Ainda É Tempo Pra Ser Feliz” de Zeca Pagodinho), além de passar por Gil e Caetano (“Desde Que o Samba É Samba”) e uma do próprio Campos (“Fim da Cidade”). A empolgação da roda teve de chegar ao fim devido ao horário do teatro e a falta de cerveja no palco, mas tinha tudo pra varar horas de samba.
E a temporada de abril no Centro da Terra começou devagarinho, como quem não quer nada, e aos poucos dominou o público que saiu de casa numa segunda-feira chuvosa para encher o teatro do Sumaré. Rodrigo Campos, Rômulo Froes e Thiago França começaram pelo projeto mais recente dos dois primeiros (o ótimo Elefante, lançado no ano passado), contando com a presença de Marcelo Cabral e Anna Vis como convidados. Cabral esteve no palco desde o início, quase um quarto integrante da temporada, e enquanto Rômulo e Rodrigo dividiam-se nos violões, ele e Thiago alternavam de instrumentos a cada nova canção: Thiago ia do sax pra flauta pro surdo pro cavaco e pra caixinha de fósforos, enquanto Cabral alternava seu contrabaixo acústico (tocado com ou sem arco e com ou sem efeitos) com outros instrumentos de percussão. Da metade da apresentação em diante, Anna Vis veio sem instrumentos para o centro do quarteto, dobrando vozes com os outros dois vocalistas, que expandiam o repertório para além do disco de 2023, puxando músicas em comum aos envolvidos, desde canções solo de Rômulo e Rodrigo (que estreou uma inédita, “Cadê o Dinheiro?”) a uma natalina fora de época (e triiiiste) “Boas Festas” de Assis Valente até “Da Vila Guilherme até o Imirim”, do Passo Torto, e “Dono da Bateria”, do disco Conversas Com Toshiro, de Rodrigo, que encerraram a apresentação.
Eita que abril já começou desequilibrando tudo – e a temporada das segundas-feiras no Centro da Terra reúne um trio da pesada que só aumenta a responsa do mês. Imensa honra receber Rodrigo Campos, Rômulo Froes e Thiago França, que brilham em quatro datas diferentes no nosso querido teatro do Sumaré em uma temporada em que cruzam e misturam obras e canções feitas em várias mãos na temporada 3 na Ribanceira. A primeira noite, dia 8, vê os três passeando pelas canções do disco que Rômulo e Rodrigo lançaram no ano passado, como Anna Vis e Marcelo Cabral como convidados da apresentação chamada Elefante, O Oráculo da Noite. Na próxima segunda, dia 15, eles recebem Victória dos Santos, Fernanda Sangirardi e Bia Falleiros para uma roda de samba montada no palco do teatro, batizada de Samba de Tablado. Na terceira segunda-feira, os três apresentam apenas músicas inéditas sem convidados na noite chamada Sem Paralelo e encerram a temporada chamando mais uma vez Marcelo Cabral e desta vez Juçara Marçal para desfilar seus repertórios conjunto na noite chamada Coisas Nossas. Os espetáculos começam pontualmente às 20h e os ingressos para todas as noites já estão à venda neste link.
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Março chegando ao fim, é hora de anunciar as atrações de música do Centro da Terra em abril. Como o mês tem cinco segundas-feiras, começamos no dia primeiro com uma segunda sem temporada, deixando a abertura do mês para a primeira apresentação solo do baiano Felipe Vaqueiro, líder da banda Tangolo Mangos. Sozinho com seu violão, ele recebe convidados como Bruno Fechine e Sophia Chablau para dar início aos trabalhos no espetáculo Dando Nome aos Bois. No dia seguinte, dia 2, é a vez do quinteto de jazz e música brasileira Orfeu Menino começar sua mutação no espetáculo Orfeutanásia – Presságios da Metamorfose, quando misturam músicas alheias e autorais com sua verve de improviso, finalmente incorporada à apresentação. A partir do dia 8, segunda segunda-feira do mês, o trio Rodrigo Campos, Rômulo Fróes e Thiago França misturam trabalhos na temporada 3 na Ribanceira, trazendo convidados e obras diferentes a cada segunda, recebendo velhos conhecidos para apontar para novos rumos. Na segunda terça do mês, dia 9, é a vez do grupo Música de Selvagem apresentar-se mais uma vez no Centro da Terra, abrindo o processo ao redor do disco que criaram durante a pandemia pela primeira vez, reunindo-se ao trompetista Rômulo Alexis e à vocalista Inês Terra. No dia 16, quem sobe no palco central do Sumaré é a querida Juliana Perdigão, em que convida Chicão, Boi, Barulhista e Filipe Franco para um jogo de perguntas sem respostas chamado Fraga? Quem vem dia 23 é o gaúcho Pedro Pastoriz, que encerra o ciclo de seu disco mais recente, Pingue-Pongue com o Abismo, no espetáculo Replay, em que recebe vários convidados, que participaram do disco ou não. E fechamos o mês com a cearense Soledad apresentando o espetáculo Desterros, em que disseca as canções do grupo conhecido como Pessoal do Ceará, um dos grandes segredos da nossa música popular. As apresentações começam pontualmente às 20h e os ingressos já estão à venda neste link.
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Rodrigo Campos não para! Lançou dois discos o ano passado e já embicou em 2024 vislumbrando disco novo – na verdade transformar sua roda de samba, o Pagode do Rodrigueta, numa coleção de fonogramas, que ele ainda não sabe se vira disco ou se vão ser apenas singles. O primeiro deles chega às plataformas digitais nesta sexta-feira, mas ele antecipou em primeira mão aqui pro Trabalho Sujo pra quem quiser sacar antes da hora. E para começar estes trabalhos, pinçou um clássico do Exaltasamba como faixa de abertura – e ele explica porque escolheu “Gamei”, que gravou sozinho, apenas com a participação de Thiago França: “Na adolescência eu tocava numa casa de show chamada Chopapo, em São Bernardo, dividíamos o domingo meu grupo – que se chamava Apoteose -e o grupo Katinguelê”, lembra o sambista. “Aos sábados tocava o grupo Inspirasamba, que mais tarde se tornaria o Exaltasamba. Nessa época ninguém tinha gravado ainda, lembro de esperar ônibus no ponto com o Péricles. Era a época da foto que escolhi pra capa. Poucos anos depois vi o Exalsamba gravar e virar sucesso nacional. Acho que ‘Gamei’ simboliza essa transição deles, foi um dos maiores sucessos da época. Faço assim uma homenagem ao grupo e ao adolescente que fui no início dos anos 90.”