Rock e letras

Retomei minhas colaborações com o jornal Valor Econômico batendo um papo com o compadre Rodrigo Carneiro, a voz e a presença dos Mickey Junkies, que está lançando seu terceiro livro, Jardim Quitaúna – Crônicas de paixão, política e cultura pop, pela Terreno Estranho.
Memórias de um poeta do rock
Em seu terceiro livro, Rodrigo Carneiro, da banda Mickey Junkies, relembra encontros com grandes nomes da música
O cantor Criolo anunciou para a plateia lotada de seu show no Sesi Osasco, em julho: “Um dos maiores escritores da cena underground de São Paulo, do Brasil, do mundo, é de Osasco”, disse, enquanto conduzia o cantor, escritor e jornalista Rodrigo Carneiro, 53, ao palco. “Procurem saber, hein? Escritor maravilhoso, é da terra de vocês, podem fazer barulho também.”
Mais conhecido no cenário musical pela sua atuação como vocalista da banda Mickey Junkies, Carneiro lança seu terceiro livro, “Jardim Quitaúna – Crônicas de paixão, política e cultura pop” (Terreno Estranho, 144 págs., R$ 49,50). Não é apenas uma oportunidade que o autor tem de embarcar nas próprias memórias, mas também de deixar de ser apenas um diletante das letras para se direcionar cada vez mais ao universo dos livros.
Carneiro despontou na música em 1993, durante a primeira edição do hoje lendário festival Juntatribo, em Campinas, uma espécie de versão modesta do Lollapalooza. Com ampla cobertura da MTV, o festival teve a primeira apresentação da banda brasiliense Raimundos no estado de São Paulo, ainda antes da fama, mas ficou a cargo dos Mickey Junkies o encerramento, em tom catártico, do evento que reuniu a nata da cena independente brasileira do início dos anos 90.
Atento ao histórico de Carneiro, o mitológico ex-VJ e radialista Fabio Massari, hoje atuando na editora Terreno Estranho, encomendou a escrita de “Jardim Quitaúna”. Estimulado por uma publicação em rede social em que Carneiro misturava a própria biografia a referências de política e cultura pop, Massari perguntou se aquele tipo de abordagem não renderia um livro, o que empolgou o vocalista dos Mickey Junkies.
São pequenos causos e historietas dos tempos em que Carneiro atuava como jornalista profissional. Na época, ele também escrevia em publicações independentes impressas ou online. Alguns textos em redes sociais foram parar no livro. Sua prosa informal nunca deixa de lado a elegância e a intensidade características de sua presença, pessoalmente ou no palco.
“Em alguns capítulos, os cenários ressurgiram límpidos, e os causos, idem”, diz Carneiro. Houve, por exemplo uma noite em que profissionais do sexo invadiram o palco em um protesto punk e interpretaram um sucesso da Xuxa. Em outras passagens, ele repassa as primeiras apresentações dos Mickey Junkies e as noites de drum’n’bass comandadas pelo DJ Marky num extinto clube paulistano.
Outros personagens clássicos da cultura pop brasileira e internacional vão surgindo pessoalmente como um desfile de almas mágicas que passearam por sua vida. Um encontro com Joe Strummer (1952-2002), vocalista da banda punk inglesa The Clash, é comentado por uma entrevista com Tom Verlaine (1949-2023), “guitar hero” do grupo americano Television.
Itamar Assumpção (1949-2003), Chico Science (1966-1997), Jamelão (1923- 2008), Ratos de Porão, Bob Dylan, Racionais MC’s, Sidney Magal, Public Enemy, Britney Spears e muitos outros aparecem pelas páginas de leitura dinâmica do livro — uns como encontros fugazes em corredores de hotel, outros em shows ou entrevistas. E cada encontro abre espaço para observações sobre o Brasil e divagações sobre a vida.
“Fora a produção poética de gente como Angélica Freitas, Marcelo Montenegro, Ricardo Aleixo, Ana Cristina Cesar, João Cabral de Melo Neto e Paulo Scott, eu amo as crônicas do Antônio Maria”, diz Carneiro. Entre os títulos que serviram de influência, ele cita “Uma história à margem”, de Chacal; “Autobiografia poética e outros textos”, de Ferreira Gullar; “Só garotos”, de Patti Smith; “Quando me descobri negra”, de Bianca Santana; e “Abaixo a vida dura”, de Cadão Volpato, além da célebre coleção Vagalume.
“Emprestei do jornalismo o deadline”, brinca, referindo-se ao jargão usado para definir o prazo máximo para a entrega de um texto. “Claro que estourei prazos imaginários e combinei comigo mesmo de não sofrer no processo, mas há também uma checagem rigorosa dos fatos e dados.”
Frontman dos Mickey Junkies, que fez parte de uma geração de bandas brasileiras que cantavam em inglês, como Pin Ups, Killing Chainsaw e Second Come, Carneiro esteve com o grupo até 1997, quando o grupo entrou num hiato.
Nesse período, ele começou a explorar os limites do texto falado ao participar de saraus e projetos de spoken word, o que levou a seu primeiro livro, “Barítono” (2018), que puxou o segundo, “Afetos sísmicos” (2022). Este último trouxe seus textos para a música, ao lado do multi-instrumentista Paulo Beto, do grupo Anvil FX.
Mas, em 2007, ele já havia retomado os Mickey Junkies, fazendo shows e gravações esporádicas para manter a parceria com os companheiros de banda, que terá novos singles em breve. “Estão devidamente registrados, aguardando a mixagem e a masterização.”
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