Ricardo Rosas partiu!
Dia desses fiquei sabendo por umas duas listas de discussão que assino que o Ricardo Rosas partiu pro outro lado. Uma bomba! Não só pela morte de um camarada, mas pelo fato do Rosas nem ter começado a trilhar o rumo dele por aqui. Não que não tivesse feito nada – mas quem conhecia o sujeito, sabia que aquilo era só o começo de uma biografia brilhante. Rosas era o editor do www.rizoma.net, um dos melhores repositórios em português de idéias, teses e artigos sobre tudo que quebra o padrão monotônico da cultura atual. O falava de software livre e afrofuturismo, incluía drogas, copyleft, xamanismo e manifestos século 21 num balaio que ainda contava com doses cavalares de hackerismo e libertinagens mil, entre outros assuntos que fogem do trivial/convencional que (ainda) nos assola diariamente.
Conheci o Ricardo através da comadre Giseli, que, ao mesmo tempo que carregava o piano da internet da Conrad nas costas com o Mateus, ainda tinha tempo pra organizar eventos e pensar em matar a sede de conhecimento deste nosso Brasil varonil. Gi, Rosas e a Tati (Tatiana Wells, que vez por outra encontro pelos corredores copyleft da vida) ainda estavam esquemando o que seria um acontecimento-chave pra cultura brasileira no novo século – o festival Mídia Tática Brasil. Inspirado no holandês Next5Minutes . o evento reuniu boa parte da produção artística que sabia, há cinco anos, que internet não era apenas email, bookmarks e jpgs engraçadinhos (puxando pela memória, parece a pré-história: não existia Orkut nem MySpace, blog era uma história ainda começando, um MP3 levava mais tempo para ser baixado do que para ser ouvido, YouTube era uma utopia distante, o Creative Commons não tinha sido inventado). Política, cultura, protesto, coletivismo, inclusão digital, manifestações espontâneas, performances, artivismo eram apenas alguns temas que circularam nos quatro (cinco? Não lembro) dias do festival, que aconteceu em março de 2003 e reuniu nomes como Geert Lovink, Al Giordano, Richard Barbrook e John Perry Barlow, além de diferentes manifestações nacionais como o Bicicletada, o Centro de Mídia Independente, a revista Ocas, a rádio Muda da Unicamp (que instalou uma rádio pirata na Casa das Rosas), o Projeto:Metáfora, os Telecentros da prefeitura de São Paulo, os coletivos Sid Moreira, Bijari, LSDiscos e A Revolução Não Será Televisionada, a festa TEMP, o cartunista Latuff, o Metareciclagem, entre outros, nos arredores da Paulista – e nos quatro dias os quarteirões entre o Sesc, o Itaú Cultural e a Casa das Rosas foram povoados por soundsystems, música ao vivo, panfletagens, nuvens de bicicletas, ativistas anônimos, exposições não convencionais, desfiles irônicos e protestos mascarados. Quem passava ou se assustava e saía correndo pro Shopping Paulista pra se refugiar ou entrava no clima e se divertia junto com quem tava fazendo o povo se divertir. Eu mesmo participei de três destas ocasiões: discotecando na oficina de fanzines que o Dr. Ailton instalou no porão da Casa das Rosas (quando uma ativista mais empolgada veio me chamar de sexista porque eu tava tocando “Baba Baby” da Kelly Key – detalhe, a versão instrumental), quando toquei na segunda TEMP (que aconteceu num prédio perto do Largo do Anhangabaú) e participando de uma palestra – e depois de uma mesa – sobre o que aconteceu com a música com a chegada da internet. É, desde aquela época, heheheeh…
E desde que o conheci já dava pra sacar que Ricardo não era um paraquedista ou um entusiasta de primeira hora. Além dos temas sérios e cabeça (e do lado palhaço destes mesmos temas), ele era fissurado por ficção científica, literatura beat, quadrinhos europeus e teorias de conspiração em geral. Não era só um intelectual ou um teórico que botava a mão na massa – era um broder gente finíssima, que falava o mesmo tanto que escutava, sempre tinha uma visão diferente de um assunto batido ou uma questão inesperada sobre a notícia do dia. Bom papo, boa cabeça, boas idéias – o mínimo que você espera de uma pessoa legal.
A gente só se liga dessas coisas quando é tarde demais. Enfim, Ricardo foi chamado antes da hora no dia 11 de abril passado, depois de passar um tempo meio mal, em Fortaleza, onde nasceu. Fica aqui a frustração de não ter conversado mais com o sujeito, de não saber que ele estava mal há pouco tempo, de não ter me despedido. Mas ao mesmo tempo, mais do que chorar mortes, vamos celebrar o legado do Ricardo, que pode não estar mais entre nós, mas começou uma brincadeira que nem tão cedo vai terminar. Pensando nisso, o Marcelo compilou alguns textos do cara que estão espalhados aí pela rede. E apesar do Rizoma está fora do ar, a Grazi disse que irá recuperá-lo em breve.
Taí a compilação:
» Táticas de Aglomeração – Publicação do Reverberações 2006
» Gambiarra: alguns pontos para se pensar uma tecnologia recombinante (PDF) – Caderno VideoBrasil
» Nome: coletivos | Senha: colaboração – FILE / Sabotagem
» Notas sobre o coletivismo artístico no Brasi – Trópico/UOL
» Hibridismo Coletivo no Brasil: Transversalidade ou Cooptação? – Fórum Permanente/Fapesp
» Alguns comentários sobre Arte e Política – Canal Contemporâneo
» Hacklabs, do digital ao analógico (tradução) – Suburbia
» The Revenge of Lowtech : Autolabs, Telecentros and Tactical Media in Sao Paulo (PDF) – Sarai.net
É isso aí, compadre: valeu pelo tempo gasto e pela paciência didática com todo mundo. Qualquer dia neguinho se esbarra de novo.