“Even I never know where I go when my eyes are closed…”

, por Alexandre Matias

Psicodelia cítrica

Terça-feira é dia falar de discos que merecem ir pra prateleira. Pode baixar e ouvir à vontade, mas nada como ter o pedaço de plástico original nas mãos. Simbora.

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Resumindo a carreira do XTC até o meio dos anos 80: uma banda punk transformada na marra em new wave que deixou de ter um baterista fixo, cujo principal compositor passou a sofrer de crise do pânico no palco e cujo disco mais recente, Skylarking (outra jóia, de 1986), foi friamente manipulado pelo guru pop Todd Rudgren, que viu a banda como ferramente para suas incursões em estúdio – como é de praxe na carreira do sujeito.

Com apenas um hit em toda sua discografia (“Making Plans for Nigel”, de 1979) e sem fazer shows, restava ao XTC acontecer ou acabar. Já tinham saído do rol das bandas independentes, mas ainda não estavam entre os grandes. Com a gravadora cobrando ao menos um hit, os três – o vocalista e guitarrista Andy Patridge, o baixista e vocalista Colin Moulding e o tecladista e guitarrista David Gregory – se enfiaram no estúdio em Los Angeles com o produtor novato Paul Fox.

Sentiu o drama? Banda new wave inglesa com um produtor de primeira viagem em Hollywood prontos para gravar um disco que teria que ter, pelo menos, um hit pra gravadora estar satisfeita. Estamos em 88, as rádios começam a ficar perdidas com o ocaso do megapopstar e ascensão da acid house e do hip hop. Patridge estava sendo cobrado para, depois de dez anos de, sem querer, encostar no inconsciente coletivo dos compradores de disco, repetir a dose para uma safra de ouvintes bem diferente da que ouviu seu primeiro sucesso – gente que havia comprado “True Blue” e agora estava comprando “Fight the Power”. Foi quando ele teve a idéia de fazer um álbum duplo psicodélico.

Orange and Lemons é um senhor álbum psicodélico – que, pra tornar tudo mais difícil, não soa sessentista em momento algum, talvez apenas no excesso de referências aos Beatles (do desenho da capa a trechos de músicas e inspiração para temas das canções). O resto é tudo aquilo que os Tears for Fears achavam que conseguiriam fazer no disco Seeds of Love, daquele mesmo ano, mas não conseguiriam: arranjos detalhistas, instrumentos em profusão, amostras de som aprisionadas entre ruídos escondidos, solos de trás pra frente, pop barroco e fulgor adolescente disfarçado de maturidade elegante.

O disco não apenas tem algumas das melhores composições de Patridge (“The Loving”, “Merely a Man”, “Poor Skeleton Steps Out”, “Chalkhills and Children”, “Garden of Earthly Delights”, “Here Comes President Kill Again”) e de Moulding (“King for a Day”, “One of the Millions”) como libertou o trio da pecha de new wave que o permite até hoje lançar discos de pura sofisticação pop (e tem gente que acha que o Flaming Lips é isso – no máximo, no Soft Bulletin), como pérolas do século 21 que os ouvidos da massa não deram atenção (Apple Venus de 1999, Wasp Star de 2000). Além disso, eles ainda conseguiram o hit que a gravadora queria, “Mayor of Simpleton”, que fez o álbum chegar ao Top 40 americano.

Vai fundo, que não tem erro.