18 de 2018: Centro do Rock

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Mais uma continuação do ano anterior, o Centro do Rock foi a recriação que fiz do antigo Sintonia do Rock em 2017, que reunia, durante o mês de julho, apresentações de rock no CCSP. Com o novo nome passei a focar em bandas de rock modernas e, em 2018, conseguir fazer quatro shows por semana (com duas bandas em cada show) e de forma gratuita para o público. Assim, reunimos Gorduratrans, Carne Doce, Papisa, Sky Down, Lava Divers, Far from Alaska, Black Pantera, Oruã, Deb and the Mentals, Mieta, Giallos, My Magical Glowing Lens, Molho Negro, Cora, In Venus, Odradek, Frieza, Stratus Luna, Marcelo Gross, Bruna Mendez, Bike, Maquinas, Kalouv, Goldenloki, Picanha de Chernobill, Def, Bombay Groovy, Basalt, Macaco Bong e Astronauta Marinho em um considerável leque do que significa esta sonoridade elétrica no Brasil neste ano, trazendo para o mesmo palco artistas de todos os lugares do Brasil e de todas as variantes de um gênero sempre colocado em xeque, mas cada vez mais popular. Ainda tivemos noites em que as duas bandas convidadas aproveitavam para tocar juntas – improvisando em alguns casos, ensaiando para esta apresentação conjunta noutros. A meta para 2019 é melhorar ainda mais o elenco e tornar este mês de apresentações um minifestival para entrar no calendário de shows do rock independente brasileiro.

18 de 2018: Radiohead

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Num ano em que assisti a quase 300 shows (284, para ser mais exato), nenhum teve o impacto maior do que o Radiohead no estádio do Palmeiras. Não é apenas uma questão de gosto pessoal, do fato de estar entre amigos ou das décadas de experiência que o grupo inglês carrega. O Radiohead é um formato avesso ao show em estádio, embora tenha sido realizado em um e terminado com um dos hits mais próximos do formato rock de arena da carreira da banda (“Fake Plastic Trees”, embora utilizada com um efeito anticlimático). É o tratamento camerístico de a banda de rock, a substituição do conservatório do rock progressivo pelo laboratório de música eletrônica que envolve e impressiona, tanto pela complexidade quanto pelo lirismo. Diferente do show catártico que o Brasil assistiu há quase dez anos, quando o grupo passeava pelo mundo mostrando seu melhor disco, In Rainbows, este de 2018 apertou em outros pontos emotivos, principalmente à luz fria de seu disco mais recente, A Moon Shaped Pool. O entrosamento da banda torna mesmo momentos mais cerebrais como “Everything in Its Right Place”, “Pyramid Song”, “2 + 2 = 5” e “The Numbers” entregas intensas, fazendo números ainda mais emocionais (como “Daydreaming”, “All I Need”, “No Surprises”, “Nude”, “Bodysnatchers”, “There There” e, claro, “Paranoid Android”) transcenderem. Seguem sendo a melhor banda de rock do mundo e um dos espetáculos ao vivo mais fortes deste século, indo além do que se espera deste formato já ultrapassado. Infelizmente a acústica exata para o show só funcionou para quem esteve na infame área vip do evento, tornando um sofrimento assistir ao show da pista comum (ou na “classe econômica”, como disse o Lúcio). Precisamos superar este complexo, inclusive.

18 de 2018: Resista ao neofascismo

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A mensagem que apareceu no telão em todos os shows de Roger Waters no Brasil deixava tudo evidente. Foi ali que, para muitos, a ficha caiu. Não era uma paranoia ou uma teoria da conspiração: o neofascismo está aí. O ódio saiu do armário e está pronto para sair grunhindo suas maldades amplificadas por ferramentas que se embrenharam em nossas vidas. Redes sociais, sites de vídeo, smartphones e programas de troca de mensagem forjaram uma nova realidade digital distorcida cujo flerte intenso com a teocracia e o autoritarismo não é mais um alerta distante – é real e palpável. Uma das principais lições deste ano é lidar com esta inevitabilidade e simplesmente resistir. Erguer suas crenças e pensamentos ainda mais alto e manter foco no próprio trabalho, resistindo ao pânico, ao medo e à raiva, sentimentos mais próximos do reacionarismo do que a construção de um horizonte próximo, única meta possível nestes tempos sombrios. Só assim poderemos fazer uma política possível diferente desta orquestração de interesses que ocorre a cada quatro anos – e que está cada vez mais suscetível a influências sinistras.

18 de 2018: Miranda

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Estava no meio do show da Patife Band no Centro Cultural São Paulo quando o Tejo me cutucou no Whatsapp: “Meu mano, Miranda faleceu? Não tô acreditando e passando mal aqui”. Tinha conversado com o próprio no fim da manhã daquela quinta e ele havia me contado a saga do trimestre anterior, quando se isolou de todos devido a um problema de saúde. Achei que a notícia podia ter sido um ruído de comunicação, que alguém tinha ouvido que ele quase havia morrido e que um telefone sem fio chegara àquela conclusão fatal. Passado, percorri os contatos do Whatsapp procurando por ele quando o encontrei – estava online e um alívio atravessou meu fôlego. Perguntei como ele estava e quem me respondeu foi a Letz. Era real. Uma bigorna mental caiu na minha cabeça e fiquei alguns minutos fora de si. Não fazia sentido, havia acabado de conversar com o cara, ele estava mal mas tinha melhorado, iríamos nos encontrar na semana seguinte. “Vou renascer com o Cristo!”, foi uma das últimas coisas que me disse, ao sugerir que o nosso próximo encontro ocorresse depois do domingo de Páscoa.

Os dias seguintes misturaram o velório com telefonemas de horas e encontros com pessoas que sei que tinham Miranda em tanta conta quanto eu, que o viam para além do olheiro de bandas, farejador de tendências, contador de lorotas e causador da cultura que ele era. Que o conheciam e estimavam por seu imenso coração – que incluía disposição para lhe dar um esporro, um alento, um chega-pra-lá. Ele nem sempre vinha com a palavra certa ou com o sentimento preciso, mas chacoalhava a expectativa e a transformava em esperança, mesmo quando não estava inspirado. Quando estava, era o céu: fartos almoços, um monte de gente legal, música boa, festas sem fim, altas viagens, papos de horas, sonhos lúcidos. Miranda abria portas para possibilidades que ninguém queria cogitar imaginar e estendia o tapete vermelho logo depois de abrir caminho à marretada.

Conheço-o desde 1994, convivi mais intensamente com ele por cinco anos seguidos – logo que comecei a trabalhar na Trama e um pouco depois, entre 2004 e 2009 – e em pouco tempo ele havia entrado numa categoria específica de amigos que não vejo com muita frequência, mas que sempre mantenho contato e, quando o reencontro acontece, parece que o anterior aconteceu na semana passada – algo que só acontece com meus pais e irmãos. Não vou ficar fazendo as vezes de médium de crônica, mas sempre escutei sua voz em momentos específicos da minha vida, mais precisamente quando escolhas ou dilemas surgem prontos para dividir o destino ao meio. “O que o Miranda faria?”, consegui resumir resoluções basicamente concentrando minhas forças nesta frase de efeito, que sempre me obriga a partir para o inusitado, o impensável, o surreal. A resposta sempre vem acompanhada daquele maldito sotaque, do timbre de voz manhoso, da fala estar sendo dita com um sorriso e do completo absurdo que surge como sugestão. E é assim que o mantenho vivo, tratando-o como o guru imortal que sempre foi mas longe do pedestal inatingível que muitos o colocavam – e disposto a ouvir sua jocosa risada, mesmo quando a piada era sobre nós mesmos.

18 de 2018: Quartabê

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Num ano em que vi shows brasileiro às centenas, a apresentação ao vivo que mais me impressionou foi o show de lançamento que o Quartabê fez para seu disco Lição #2: Dorival no Auditório Ibirapuera. O grupo causa um certo estranhamento inicial por seu jazz heterodoxo de formação inusitada e pelo clima de piada interna que mistura desde o nome da banda (que brinca com o tipo de humor entre seus quatro integrantes) até a própria escolha deste formato de discos, em que mergulham na obra de um professor para fazer este inusitado fichamento musical. Por sua formação acadêmica, o grupo disseca seus autores favoritos num nível de ciência que vai além do improviso, do ritmo, do timbre, da orelhada, do feeling – sem nunca abandonar nada disso. Mas algo foi para um lado sobrenatural neste primeiro show. Claro que a sincronicidade interna ajudou – fui ao show com zero expectativa, principalmente após ser atordoado pela intensidade do lançamento da mixtape Comunista Rico de Diomedes Chinaski no CCSP -, mas a sinergia de Beraldo, Chicão, Joana e Mariá no palco – tanto musical quanto cênica – aliada à luz miraculosa de Olívia Munhoz fez a reinvenção de Dorival Caymmi alcançar uma estratosférica estética que poucos shows brasileiros conseguiram chegar perto. Que momento mágico!

18 de 2018: Kátia

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E teve a Katia, que chegou no finzinho do ano passado, depois de quase quinze anos de amizade, e de repente virou minha melhor amiga, companheira, namorada, mulher e esposa, tudo ao mesmo tempo. O convívio intenso transformou o primeiro ano de namoro em uma grande jornada em que moramos e viajamos juntos, conhecemos os parentes, os amigos e os amigos de infância uns dos outros, chocamos quem ainda não sabia que éramos um casal e sempre estivemos um do lado do outro para segurar cada barra que passamos – num ano que pareceu um século. 2018 foram 100 anos que se passaram quase febris, mas que ao lado um do outro fluíram melhor do que podíamos supor – isso sem contar os ramens. Estamos prontos para 2019!

18 de 2018: Professor Duprat

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Minha maior aventura profissional de 2018 foi inventar um show. Uma dúvida já acompanhava o início do ano quando me perguntava sobre a execução do trabalho de curadoria para além de um espaço físico específico, como já vinha fazendo em 2017, quando consegui me explicar a separação entre programação e curadoria, sempre provocando artistas a fazer algo diferente ou único ao apresentar-se para onde estava o convidando, seja no CCSP ou no Centro da Terra. Mas vislumbrava em buscar outros espaços para mostrar obras em que eu poderia influenciar em sua criação, mais do que simplesmente abrir espaço para a criação alheia. Foi quando pensei no gancho dos 50 anos da Tropicália e como ir além da celebração da invasão baiana de São Paulo, da reverência aos Mutantes ou ao disco-manifesto que fundou o movimento. Foi quando me veio à lembrança a importância de Duprat.

Quase vinte anos antes, eu havia entrevistado o próprio Rogério Duprat pessoalmente em uma matéria sobre os Mutantes para a falecida revista Bizz. Na pesquisa para fazer a entrevista com aquele que então conhecia como um dos mentores acadêmicos do tropicalismo, descobri um maestro erudito rebelde, progressista que flertava com o cinema e a publicidade e que tinha assinado obras históricas da música brasileira que iam para além da ebulição tropicalista. Ao cogitar um espetáculo que celebrasse a importância de Duprat, eu também estava reverenciando um personagem pouco lembrando nas homenagens clássicas da música brasileira, que quase sempre comemoram o intérprete, o compositor ou o músico. Era a possibilidade de festejar um arranjador – e transformar esta festa em um reforço sobre a importância deste personagem.

Chamei o João Bagdadi, do selo Risco, com quem havia trabalhado no ano anterior no Centro da Terra, e ele colocou o produtor Charles Tixier e o músico Arthur Decloedt para pensar como fazer este projeto. Os dois assumiriam a bateria e o baixo de uma banda que recriaria as obras arranjadas por Duprat no palco e também assinariam os arranjos e a direção musical do espetáculo. Juntos, pensamos em uma obra que pudesse ser apresentada como uma composição erudita, sem espaço para apresentações ou palmas, enfileirando diferentes aspectos da produção de Duprat à medida em que os convidados entravam. Juntos, nós quatro e o produtor Gui Jesus, pensamos em outros aspectos da apresentação: quem seria a banda, os intérpretes, quem assinaria o figurino, a iluminação, a direção de palco, o som, qual seria o repertório e quem tocaria qual instrumento. Assim nascia o Professor Duprat – Maestro da Invenção.

O resultado foram duas apresentações memoráveis no Sesc Pompeia que reuniram alguns dos maiores nomes da atual música brasileira cantando clássicos de nosso cancioneiro devidamente reverenciados pelas referências de Duprat. O time que reunimos desenvolveu-se muito tranquilamente, sem nenhum atrito e em pouco tempo tínhamos uma senhora apresentação de pé. Foi minha primeira assinatura com diretor artístico, atividade que irei exercer mais nos próximos anos, e também o primeiro trabalho com novos amigos que certamente me ajudarão a criar mais coisas.

E o Professor Duprat não ficou apenas em 2018 não – devemos ter novidades no ano que vem.

18 de 2018: Vida Fodona

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De tudo que faço, o Vida Fodona é o que o mais faço só porque quero. É também o que menos me dá retorno, mesmo pessoal, pois não sei quem o escuta, quando escuta, porque escuta e porque continua escutando. Tudo bem. Pois acho que isso é reflexo exato da minha vontade inicial – fazer um podcast com cara de programa de rádio, atualizado periodicamente com minhas impressões sobre músicas novas e como elas conversam com meus clássicos de sempre. Mas nos últimos dois anos, o podcast deu uma desandada – a vida pessoal me obrigou ter outras prioridades e o trabalho me levou a ressuscitá-lo mal e porcamente como uma playlist do Spotify, algo que fugia completamente de seus atributos desde o início: qualquer um pode ouvi-lo, desde que tenha acesso à internet. O shopping center musical que é o Spotify também restringe bastante a seleção de músicas e funcionou apenas como um paliativo para não deixar o Vida Fodona morrer. Novamente no formato de podcast, ele ressuscitou de jeito neste 2018, ainda um tanto capenga no que diz respeito à periodicidade, mas efetivamente mais próximo de suas intenções originais: fazer a sua trilha sonora…

2019 é o ano de azeitar ainda mais essa máquina e começar a focar melhor em outras áreas que estão quase perdendo o fôlego: minhas traduções e a festa que faço todo mês na Trackers.