David Lynch é pouco. Lana Del Rey mira no coração daquilo que conhecemos como os Estados Unidos da América do Norte e reinventa “Bittersweet Symphony” como um rap de brinquedo encenado na Casa Branca da Camelot dos Kennedy de um clipe épico, ousando encarnar a primeira dama (revivendo o filme Zapruder) e a segunda (em seu clássico presente de aniversário ao Jack) damas de um JFK negro e rapper – uma crítica à atual decadência dos EUA que se apega ao seu passado histórico como porto seguro que ecoa em versos que falam de armas, sucesso, dinheiro e sexo como se fossem slogans de um filme patriota. Eis a história se repetindo, e como previam, como farsa.
Um dos ases que Tulipa sacou de sua manga para fugir da possível armadilha de seu álbum de estreia (ficar presa numa temática romântica-brejeira) foi o dueto com Lulu Santos, melhor momento de seu segundo disco. O apoio grave que o timbre da voz de Lulu faz ao soprano natural da senhorita Ruiz também funciona como fiel da balança para “Dois Cafés” e a chancela do senhor pop brasileiro na canção (solando e tudo) tira a canção do quintal e a leva para a rua, para o meio de todo mundo, para longe da conveniente timidez de cidade do interior que pairava sobre a cantora, didaticamente apontando que o caminho do topo do pop “é pra cima!”.
A turbinada disco music básica – com aquele ar de maximalismo 2007 que é característico de sua escola – que são típicos dos remixes de SebastiAn caem como uma luva nesse quase-hit do Van She, que deixa o quase com a versão do remix, que ainda consegue manter o clima fúnebre do final da canção sem comprometer a própria reinvenção.
Marcel Everett tem 17 anos e, bastou um clipe chapado, beats em câmera lenta, timbres de vozes femininas escorregando em rotações aleatórias e um pseudônimo cifrado para emplacar um dos hits que mais tem a cara do ano – que engana na velocidade, parece anunciar o fim do mundo, mas se sobressai pelas texturas, no detalhe.
Eis o primeiro acontecimento registrado após a guinada que o Toro y Moi deu pra cima do funk dos anos 70 no EP Freaking Out. “Happy Home” é o futuro solitário – mas feliz – que o chillwave nunca imaginou ser possível.
Vamos recapitular as melhores músicas e discos de 2012? Começando pelas 75 melhores músicas de 2012.
A segunda década da filmografia de Quentin Tarantino não repetiu a atuação esplendorosa da primeira. Foi quando ele resolveu sair dos anos 70 de Scorsese, da blaxploitation e de Peckinpah para dedicar-se a filmes de gênero, em épicos de mentira como Kill Bill, À Prova de Morte ou Bastardos Inglórios. Por melhores que sejam estes filmes, eles não deixam escapar uma sensação de que tudo ali é de mentirinha, inclusive as altas aspirações cinematográficas. O excesso de referências pop tira o ar de filme japonês que deveria atravessar os dois volumes de Kill Bill, Deathproof celebra o filme de quinta categoria e Bastardos Inglórios é mais divertido porque você sabe quem é o Brad Pitt fora do cinema de Tarantino. Tudo que antes aspirava ao primeiro escalão em seu cinema nos anos 90 (a cena da tortura ou o Pietá de Cães de Aluguel, a edição rápida de Pulp Fiction, a abertura de Jackie Brown) cai para a paródia, a caricatura, a desfaçatez. Não que Django Unchained não tenha seus momentos de puro humor idiota ou escolha o lado para quem torce, mas sua fotografia classuda, seus personagens densos e, principalmente, sua longa saga de vingança mostram que o velho Quentin entrou em uma nova fase. Se Bastardos Inglórios partia do grande cinema (segunda guerra mundial, Sergio Leone) para transformar tudo – literalmente – numa sessão da tarde, Django faz o caminho inverso e mexe nas entranhas do faroeste mais vagabundo para içá-lo ao patamar de John Huston. Longas tomadas em ritmo lento dão o tom de todo o filme, bem como o sangue de desenho animado que explode a cada vilão alvejado e a dor agressiva imposta a seus protagonistas negros. A quantidade de “niggas” – uma palavra que, para o público norte-americano, pesa muito mais que o “preto” dito em português – dita pelas quase três horas de Django é suficiente para constranger qualquer aspirante a bom moço, mas assisti ao filme em uma sessão no dia da estréia, coalhada de negros nova-iorquinos num cinema no Village, e todos riam alto – inclusive do maldito personagem de Samuel L. Jackson, talvez em sua melhor atuação. E ao cutucar um tema complicado (a escravidão) com toques de ultraviolência (perceba a referência à Laranja Mecânica na cena em que toca “Für Elise”), Tarantino finalmente deixa de ser um enfant terrible para colocar em si mesmo a coroa do primeiro escalão. Isso sem abandonar suas marcas registradas, como o copy+paste cinematográfico, uma trilha sonora tão presente quanto um novo personagem e diálogos extensos, cheios de referência, humor adolescente e o prazer em representar graficamente a dor. Antes de assisti-lo, os melhores filmes do ano (Drive, Cosmópolis e Holy Motors) tinham o carro como personagem central – todos ultrapassados pelo galope firme de um espécime exemplar dessa raça chamada cinema. Não foi à toa que a sessão terminou com aplausos.
Acho meio irônico o fato de a primeira foto que postei no Instagram ser a da imagem uma versão 8-bits para o jogo Angry Birds (acima). Até o lançamento do aplicativo com filtros de fotos vintage para o Android, meu app favorito era o joguinho dos pássaros e eu achava que o Instagram era só isso – um jeito de tirar onda de fotógrafo cool com a câmera de seu celular. Ledo engano. Ao me embrenhar na versão orkutizada do aplicativo antes restrito para iPhone, descobri que os filtros das fotos são o de menos. O que importa no aplicativo é o elemento de rede social minimalista, onde as longas discussões do Facebook e bate-bocas do Twitter ficam em segundo plano em detrimento de monólogos contemplativos de alto astral. Com um celular no bolso e a internet móvel, começamos a experimentar a sensação de independência do desktop, com seu teclado e mouse tão impositivos como grilhões com bolas de ferro ao tornozelo. O Instagram é o primeiro ambiente digital e social em que o celular é o protagonista e o texto é acessório. Não por acaso desbravei uma das únicas áreas da comunicação que ainda não tinha explorado (a da fotografia), ao entender que o recorte oferecido pelo aplicativo-rede social era um ponto de vista introspectivo e bem pessoal, bem diferente do coro de links e opiniões repetidos em outros ambientes digitais. Não dá pra discordar no Instagram (a fonte de todas imagens desta retrospectiva).
Entrei no Estadão no mesmo ano em que saí da Trama. O Trama Universitário, projeto da gravadora em que eu trabalhava, encerrou suas atividades em fevereiro de 2007 e dois meses depois o Guilherme Werneck me chamava para ocupar sua vaga como editor-assistente do Link Estadão, o caderno de cultura digital criado três anos antes por Ricardo Anderaos, que substituiu o antigo caderno de Informática do jornal. Entrei no Link quando ele ainda era um caderno de avaliação de produtos, numa época em que o Orkut era soberano, quando a economia dos aplicativos ainda engatinhava, no mesmo ano em que Steve Jobs lançou o iPhone. Dois anos depois, eu me tornaria o editor do caderno, quando comecei a finalmente, botar as mangas de fora e mostrar como poderia ser um caderno de tecnologia e cultura digital na segunda década do século 21. Junto ao novo cargo veio a coluna Impressão Digital, que começou aos domingos no Caderno 2 e que continuou mesmo após a minha saída do Link, em outubro. Destes cinco anos no Limão, não custa lembrar a satisfação que foi trabalhar num dos principais veículos do jornalismo brasileiro (o mesmo que publicou Os Sertões, que brigou contra a censura na ditadura militar e que declara o voto no dia da eleição – e que também foi o mesmo lugar em que publiquei meu primeiro frila pago, quando Syd Barrett completou 50 anos, em 1996), cujo clima de tranquilidade e franqueza sempre dominou seus corredores (a não ser em períodos tensos específicos, como Copa do Mundo, eleições e passaralhos). Mas a principal recordação destes cinco anos trabalhando ao lado da Marginal Tietê é, sem dúvida, o monte de amigos que fiz naquela redação, seja entre meus amigos e colegas do Link (todos vocês, vocês sabem quem vocês são – não preciso citá-los mais uma vez), até a vizinhança com as turmas do Divirta-se, do Paladar, dos tradutores, da arte, do portal, do pessoal do dia e de todos que conheci nestes anos todos. Lembranças que também se perdem entre as múltiplas referências internas, como os almoços no Puras, as idas à rádio, as noites que terminavam com Seu Matos, os gritos de “Thunder!” do Santana (que confundia o meu HAL 9000 de descanso de tela com o olho de Thundera), as travessuras do Thiagueira, as idas ao Brooklyn ou ao Central Park para fumar um cigarro, as risadas com a Denise. 2012 viu o fim deste ciclo, que foi bem importante para o jornalismo de tecnologia no Brasil (veja o que aconteceu com a Info Exame e o Folha Informática depois de 2009) e para mim, que consegui atingir um novo parâmetro em minha carreira profissional – e juntar tantos amigos nesta jornada. Foi incrível, valeu!
Com terças e sextas comprometidas com saídas de casa semanais, 2012 acabou, por outro lado, sendo um ano bem indoor, em que além de organizar as coisas em casa, consegui dar cabo em várias pendências televisivas que não consegui acompanhar em tempo real. Matei séries inteiras que acabaram faz tempo (My Name is Earl, Arrested Development, Freaks & Geeks, o longo débito com The Wire) e consegui acompanhar hits atuais para acompanhar em tempo real (Sherlock, Parks & Recreation, Homeland, Modern Family, Mad Men, Louie, Ancient Aliens, Breaking Bad, Dexter, Newsroom) – que passaram a acompanhar a única série atual que sigo desde o início, Fringe. Com esse intensivão, comecei a encarar as séries como encaro sagas em quadrinhos – e em vez de acompanhá-las semanalmente, prefiro digeri-las às temporadas (no caso dos quadrinhos, aos volumes dos TPBs). Já havia feito isso em anos passados, assistindo Sopranos, A Sete Palmos e Battlestar Galactica às tijoladas enquanto criava um ranking interior, mas 2012 me ensinou que esteve talvez seja o melhor jeito de consumir estes seriados, que devem estar entre as principais obras de arte pop da atualidade (mesmo que eu não tenha nem conseguido começar a acompanhar coisas como Games of Thrones ou Walking Dead). O que também dá uma sensação ímpar ao final de qualquer série – o ar de dever cumprido e o astral de ser uma pessoa melhor, como Earl ao final de cada episódio em que riscava um item de sua lista.