Jason Pierce apresentou seu Spiritualized a 2012 com um longo noise de dois acordes que, graças a uma insistência hipnótica e uma graça bruta, eleva esta incursão ao submundo Velvet Underground a um nível épico que chega a resvalar no sublime. O clipe, cru, pessimista e poético, só ajuda a traduzir em imagens os sentimentos deste gospel elétrico que usa o rock’n’roll para sair da sarjeta rumo ao céu.
Dono de dois dos melhores discos de eletrônica do ano (Six Cups of Rebel e o excelente Smalhans), o norueguês Hans-Peter Lindstrøm vem aos poucos se estabelecendo como um dos principais produtores de música do planeta. Seu conterrâneo Todd Terje – um dos grandes remixadores do novo século – sabe bem disso e quando se dispõe a lidar com o trabalho do amigo, tem a plena consciência de estar fazendo história. “Eg-ged-osis”, progressiva, cíclica e não-linear, retoma uma linha evolutiva do techno como se a música eletrônica nunca tivesse tido um momento mainstream – e ainda fosse aquele segredo bem guardado que a caracterizava como tribo. E seu remix a trata como um registro deste momento – apenas para quem é de verdade.
É bom quando o Diplo acerta. Imerso na Jamaica durante a maioria de 2012, o produtor convocou a vocalista dos Dirty Projectors para passear sobre um reggae desconfiado e niilista, que, se cantado por uma voz masculina, talvez causasse apreensão e insegurança. Mas o vocal de Amber Coffman, às vezes superposto sobre si mesmo, causa uma sensação simultânea de desespero e esperança, tornando “Get Free” uma canção de protesto tensa e calma ao mesmo tempo, como um reggae clássico.
Timbres elétricos e açucarados que ecoam na alma, texturas de microfonia na freqüência do sono, um vocal sensual e cadavérico – “The Page”, outra pérola dos Chromatics, parece ter sido escrita na luz, no frio, sem saber se queria ser fria ou quente, escolhendo, no fim, ser os dois.
A inesperada volta de Bobby Womack trouxe a ainda mais inusitada parceria com Lana Del Rey, em “Dayglo Reflection”. E o blue beat que transforma a canção num híbrido de soul elemental com balada dubstep funciona como cenário tanto para a introspecção gospel do vocal emotivo do velho Bobby como para o tom gélido e fatal do timbre da jovem Lana. O resultado, que soa indigesto à primeira vista, torna-se um envolvente lamento que transcende idade, gênero, raça.
(E com o Damon Albarn acompanhando então… A música entra a partir dos quatro minutos no vídeo abaixo.)
E a promessa vai se concretizando – e à medida em que Chazwick Bundick vai se distanciando do quarto e do computador, rumo a um funk que ao mesmo tempo é marrento feito os anos 70 (deixando os timbres dos anos 80 apenas como acessórios, não protagonista) sem perder o minimalismo eletrônico que agora o aproxima do electro que surgiu na era de ouro do hip hop. Seu terceiro disco é de 2013, mas a faixa de aperitivo que nos foi oferecida em 2012 já serviu pra mostrar como ele cumprirá as expectativas – com outra abordagem para o conceito de groove transcendental.
“Pés não falhem agora” – eis o primeiro salto, o momento em que Lana Del Rey, agora com contrato, turnê e cachês, resolve ampliar seu espectro e deixar de ser a Jessica Rabbit do YouTube. Para isso, ela começou 2012 com a faixa que batizava seu disco de estréia, dando, a partir do título, operático e dramático, a noção da amplitude que gostaria de percorrer por 2012 e além, numa música existencialista e dramática, trágica e cética – o clipe superpõe um mundano acidente de carro a um trono cercado por tigres e funciona como um trampolim para Lana ir ainda mais longe.
Agora que Frank Ocean começa a jogar luz sobre um outro lado da gangue do Odd Future – em que a acabação hip hop dá espaço para a introspecção R&B -, era inevitável que o holofote também fosse pra cima da dupla The Internet, que na cinematográfica “Fast Lane” (evasiva, blasé, preguiçosa) chamam atenção para qualidades que 2012 preferiu fingir que não existiam.
Silva surgiu no final de 2011 feito o sol em Ipanema numa tarde fria, espantando as nuvens de um possível inverno carioca ao mesmo tempo em que inventava um inusitado outono cujo clima europeu dava um ar mediterrâneo ao balneário descrito em sua música. Embora várias faixas se destaquem em seu disco de estréia, é a hipnótica “Moletom” que assume o papel central, resumindo a paixão tímida da letra com a paisagem horizontal formada pelos timbres eletrônicos da música. Silva é promissor e se deixa a melancolia de lado pode ser o próximo Lulu Santos – posto que nunca foi almejado por nenhum artista depois do próprio Lulu.
A expectativa em relação ao segundo disco do Xx pode ter estragado seu impacto – quando a bela “Angels” deu as caras pela primeira vez, já anunciada como a primeira faixa do novo disco, esperava-se um vôo ainda mais ousado que o do primeiro disco, levando as texturas dubstep que davam o tom da banda – junto com o R&B noventista e a dinâmica vocal indie – para um novo patamar. Coexist, no entanto, frustrou as melhores esperança e mostrou-se um disco apenas correto, quase uma sobra de músicas que não puderam entrar no álbum de estréia. A exceção ficou por conta da tensa e bucólica Tides, que realmente leva a fórmula criada pelo grupo inglês para outro nível.