Os 50 melhores discos de 2008: 32) Portishead – Third

“Essa lição você tem que aprender: você só ganha o que você merece”, diz a voz em português no início do tão aguardado terceiro disco do Portishead, anunciando uma desoladora paisagem sonora: ribombo de percussão, cordas sintéticas, ruídos de guitarra – tudo cessa quando entra a voz de Beth Gibbons, dramática e chorosa. A atmosfera pós-punk, o ritmo tenso, a temperatura fria e a voz épica confirmam que estamos tanto em 2008 quanto no meio de um disco do Portishead. Mas onde estão as canções? Por mais que as texturas e camadas de som superpostas pela base instrumental da banda seja afiadíssima, a melodia se desfaz entre grunhidos elétricos, teclados “colocados”, ecos e efeitos barulhentos. Fora a belíssima “The Rip” (que lá pela metade perde toda sua beleza rumo a um arranjo minimalista e industrial sem vontade), todo o resto do disco subiria algumas posições caso fosse uma digressão instrumental, uma sinfonia de ambiências que teria parentesco tanto na música eletrônica erudita quanto no hip hop sem MC ou no pop com aspirações à seriedade. Mas sem a voz da banda para defender dramas e tragédias como se chorar fosse sinônimo de cantar e canções estruturadas tradicionalmente (estrofe, refrão, estrofe, etc.), o novo do Portishead soa como um tiro no escuro: plasticamente é lindo, mas tanto quem atira quanto quem ouviu o disparo não conseguem saber se algo foi atingido.

32) Portishead – Third

Portishead – “The Rip

As 50 melhores músicas de 2008: 31) Vampire Weekend – “Cape Cod Kwassa Kwassa”

Inevitável que o revival dos anos 80 saísse das bandas da trilha sonora da Sessão da Tarde e do Globo de Ouro para avançar para outros territórios – e 2008 viu o cenário pop revisitar seu apreço pelo continente negro, com todo aquela culpa pós-colonialista disfarçado de pena (seja em filmes, discos-tributo, gêneros musicais redescobertos ou na ascensão de Nollywood para o olho mundial). Revisitando os mesmos anos 80 habitados pelo “We Are the World”, pela world music do Sting, Paul Simon e Peter Gabriel e pelo Live Aid, essa (nova) pilhagem ocorreu mais no plano das idéias do que na vida real, embora juju music, highlife, kwaito e afrobeat ainda sejam o mesmo tipo de som (“música africana”) para a maioria das pessoas (como se a África fosse um só país… Alou Sarah Palin!), que também não se importam com o que acontece por lá. Um dos expoentes desta nova tendência, o grupo nova-iorquino Vampire Weekend seria só mais uma bandinha indie nova-iorquina tentando soar inglesa se não fosse essa queda pela música do Congo, daquela vaibe praieira que deu ao Caribe a essência de sua musicalidade e ritmo (a influência espanhola veio por cima, como cobertura e, em alguns casos, recheio). O hit “The Kids Don’t Stand a Chance” (pô, Bruno, achei o remix bonzão) funcionaria em qualquer época, mas tem tanto de apelo popular quanto não tem de criatividade ou originalidade. Se lançado nos anos 90, o disco homônimo de estréia do grupo cairia na vala comum da terceira onda do ska – mas provavelmente com um prefixo “alt.” na frente, pois eles não jogam pelo pop descarado, optando pelo indiesmo. Mas no meio da pasmaceira há uma pérola. “Cape Cod Kwassa Kwassa” é toda certinha: do suíngue à economia dos instrumentos, do baixo recolhido aos vibrafones, do riff curto e preciso aos acordes que desenham uma linha de baixo, da percussão que fica atravessada no refrão aos “uuuuuuuuuu” que o vocalista Ezra Koenig puxa lá pelo final. “Parece tão inatural/Peter Gabriel também”, canta a canção, auto-referente. Mas é o Peter Gabriel que parece tão não-natural ou o sentimento da música que soa tanto inatural quanto Peter Gabriel, transformando o ex-vocalista do Genesis num adjetivo. Aposto na segunda opcão, que torna a faixa ainda mais eficaz – e preciosa. Esqueça o resto do disco, você só precisa desses três minutos e meio.


31) Vampire Weekend – “Cape Cod Kwassa Kwassa

Os 50 melhores discos de 2008: 33) Girl Talk – Feed the Animals

Se o mashup é o gênero musical que melhor reflete a década (remixada, esquizofrênica, rock e dance ao mesmo tempo, infame e divertida), Girl Talk é o espelho que os 2ManyDJs haviam imaginado no ano 2000. Mas se o Night Ripper tinha sido um dos discos cruciais para entender 2006, neste ano Gregg Gills simplesmente fez um upgrade básico, sem propor nada propriamente novo. A impressionante montanha russa de samples ainda causa espanto e delírio ao mesmo tempo em que é impossível acompanhá-la de forma racional – esqueça quem está cantando o que, deixe-se levar pelo convite de ouvir boa parte da produção pop do final do século 20 num flashback no liquificador, que não tritura as diferentes partes dos singles usados transformando-os em uma maçaroca de som – e sim os derrete com gosto e pulso firme, deixando todos os temperos usados facilmente reconhecível. Feed the Animals ainda se deu ao luxo de desafiar abertamente os detentores dos direitos autorais usados – se o primeiro disco teve uma prensagem mínima e foi mais distribuído em formas não tradicionais de divulgação oficial (como sites de compartilhamento e redes P2P), o Girl Talk em 2008 tinha endereço virtual para ser encontrado e quem quisesse ainda podia pagar por sua obra, como o Radiohead havia cogitado em 2007. Mas mesmo repetindo a própria fórmula, Gills ainda conseguiu fazer um discaço – tão bom quanto importante. Agora é torcer para ele se reinventar – porque ele sabe que essa é a regra.

33) Girl Talk – Feed the Animals

Girl Talk – “Give Me a Beat

As 50 melhores músicas de 2008: 32) Mickey Gang – “I Was Born in the 90s”

Num ano em que uma das principais protagonista foi uma menina de 15/16 anos, quatro moleques um pouco mais velhos que isso (mas com menos de 20 anos) surgiam de Colatina, no interior do Espírito Santo, cantando a seguinte canção:

“I was born in the 90s and asked my mom
“Why did i came so late?”
Cause all my friends born in 80s
And i’m still lost in 90s
Oh my god, something isn’t OK

When i go to the club
Waiting DJ play J-Lo
The only thing i hear is another Devo song
I wish Spice Girls were younger
So they could save the world

I was born in the 90s

(91 or 92 or 93 or 94)
We were all born silly guys
Now all we think is about fuck

(I’d say I love Prince if you stay
Come and wash my “Purple Rain”)

I still love my walkman
Cause these ipods are only trends

Come to my house
Spend the afternoon watching friends
Then we could go my room
Do the “Macarena” dance
Can’t touch this?
Can’t touch this?
Don’t go on baby cause it’s not working
I’m horny but I’m not a slut
I was born in the 90s

Save my posters of Backstreet Boys
My Nintendo and Lion King box
Hold on mother I’m coming home tonight”

Toda “I Was Born in the 90s” é noventista: irônica, cospe referências como se precisasse delas para parar em pé, transformando pós-punk inglês em hit de rádio, enquanto finge apatia e casa riffs secos com bateria crua e camas de teclado que resvalam no gótico. E a música é uma demo. Forma e conteúdo não se distinguem e faz com que a Gangue do Mickey soe moderna e retrô ao mesmo tempo – algo como se o tema dos anos 00 fossem a volta dos anos 00.

32) Mickey Gang – “I Was Born in the 90s (Demo)

As 50 melhores músicas de 2008: 33) Santogold – “L.E.S. Artistes”

Não se deixe enganar pelo visual street e pela voz gemida: Santogold tem tanto a ver com a M.I.A. ou Missy Elliott, quanto com os Strokes ou os Yeah Yeah Yeahs. E onde melhor que “L.E.S. Artistes” para perceber a indie chorona que se esconde por trás de seus bonés, perucas e óculos escuros? Da guitarrinha cata-milho da introdução ao refrão pop anos 80 (new wave de arena anyone?) passando por uma letra que poderia ser assinada por Kurt Cobain, o hit de Santogold é mais uma prova de que o melhor rock de hoje é encontrado onde menos se espera.


33) Santogold – “L.E.S. Artistes

Os 20 melhores mashups de 2008: DJ Schmolli – “M.I.A. Wanted Dead or Alive”

A melhor releitura para “Paper Planes”?

DJ Schmolli – “M.I.A. Wanted Dead or Alive

De volta a 2008

E hoje continuo com a retrospectiva do ano passado que havia parado pouco antes do natal. E amanhã nós dOEsquema começamos uma retrospectiva geral de 2008 apontando para o ano que começa: cada um dos quatro escreverá um texto sobre um determinado assunto por semana, até o carnaval, quando o ano começa de fato. Enquanto isso, vou acrescentando aos melhores discos e músicas do ano passado listas com 20 itens dos melhores mashups, filmes e shows de 2008, todos estes apresentados sem ordem específica.

Link – 29 de dezembro de 2008 a 4 de janeiro de 2009

2008 e as redes sociais2008: o ano do conteúdo de graçaComputadores menores e celulares que fazem tudoO ano do fail e os fails do anoUm ano complicadoOnde o Link esteve esse ano no mundoAs melhores entrevistas do ano

Os melhores de 2008 até aqui

O Sujo continua no ar até terça-feira, mas tou dando um tempo nos melhores do ano oficialmente aqui. Continuamos a contagem regressiva depois do réveillon. E aqui seguem os melhores até agora:

Melhores músicas de 2008
35) Sam Sparro – “Black & Gold”
36) Kills – “Cheap and Cheerful”
37) Kaiser Chiefs – “Never Miss a Beat (Cut Copy Remix)”
38) Vítor Araújo – “Paranoid Android”
39) Cicada – “Falling Rockets (Just a Band Remix)”
40) Justice – “Planisphere”
41) Bag Raiders – “Turbo Love”
42) We Are Scientists – “Chick Lit (Danger TV Remix Edit)”
43) “Tchubaruba” – Mallu Magalhães
44) Katy Perry – “I Kissed a Girl”
45) Robyn – “Cobrastyle”
46) David Byrne & Brian Eno – “Strange Overtones”
47) Copacabana Club – “Just Do It”
48) Lil Mama – “Shawty Get Loose (feat. Chris Brown & T-Pain) (Don-Zee Remix)”
49) Weezer – “Pork & Beans”
50) A-Trak – “Say Whoa”

Melhores discos de 2008
35) Killers – Day & Age
36) Studio – Yearbook 2
37) Foals – Antidotes
38) Wado – Terceiro Mundo Festivo
39) Jamie Lidell – Jim
40) Lykke Li – Youth Novels
41) Gnarls Barkley – The Odd Couple
42) Nick Cave & the Bad Seeds – Dig Lazarus Dig!
43) Pipodélica – Não Esperem por Nós
44) KL Jay – Fita Mixada em 33 Rotações
45) Black Angels – Directions to See a Ghost
46) Hercules & Love Affair
47) Santogold
48) Mallu Magalhães
49) Charque Side of the Moon
50) Wale – The Mixtape About Nothing

Também falei destes nos dois últimos Vida Fodona (aqui tem a parte 1 e aqui tem a parte 2). E em janeiro, além de continuar essa lista, falo de filmes, fatos, shows, programas de TV e o que mais rolou, fora chamar os outros dOEsquema pra lembrar 2008. Lembre-se que temos até o carnaval para zerarmos a conta, como sempre.

Leitura Aleatória 232


Foto: psmphotography – Run Over by Christmas!

1) Feliz natal, Bruno (o natal e o trânsito no Rio)
2) Feliz natal, Arnaldo (festa de natal)
3) Feliz natal, Mini (Autopista de natal)
4) Feliz natal, Fred (o papai noel da Coca-Cola em Copacabana)
5) Feliz natal, Tomate (o natal como ele é)
6) Feliz natal, Dani (natal nostálgico)
7) Feliz natal, Cissa (chegando em São Paulo)
8) Feliz natal, Terron (os peitos da Amy Winehouse)
9) Feliz natal, Ronaldo (mixtape de natal)
10) Feliz natal, Bressane (retrospectiva 2008)