Os 50 melhores discos de 2008: 20) Macaco Bong – Artista Igual a Pedreiro

Você gosta de Rush? E de heavy metal? Gosta de Helmet? Jazz fusion? E de Journey? E Pat Metheny? Dire Straits? Existem algumas escolas na música pop que tornaram-se malditas por alguns excessos, quase todos vinculado ao uso de desenfreado de timbres e maneirismos na guitarra elétrica. O trio matogrossense Macaco Bong faz desta sonoridade seu parque de diversões e é possível ouvir cada um destes virtuoses malditos em pequenos detalhes do épico instrumental Artista Igual a Pedreiro – mas não só. Cuidadosamente lapidado, o disco de estréia da banda de Cuiabá contém milhares de facetas diferentes e é tanto possível situá-la entre a safra sem vocal que inclui o Hurtmold, o Pata de Elefante, o Mamma Cadela e os Seychelles como entre filhotes setentistas brasileiros de Jimi Hendrix (Robertinho do Recife e os baianos Armandinho e Pepeu Gomes, por que não?) ou entre grupos de hardcore que descobriram o free jazz, inventando o pós-rock, como Slint e Tortoise. Mas se é pra definir o som dos três, este fica entre a técnica de músicos da banda de Frank Zappa com o senso pop do Thin Lizzy, a dinâmica de hits do Built to Spill, o senso melancólico do Arthur Lee (do Love) e a velocidade de Alvin Lee (do Ten Years After). Uma banda que aparenta ser deliciosamente retrô para enganar o ouvinte e catapultar seu senso estético para alguns anos no futuro, num disco virtuose e progressivo (as faixas têm em média sete minutos) que vai de encontro a todos os achismos cogitados sobre como fazer sucesso para deixar isso em segundo plano e aspirar a História.

20) Macaco Bong – Artista Igual a Pedreiro

Macaco Bong – “Black’s Fuck

Os 50 melhores discos de 2008: 22) 3 na Massa – Na Confraria das Sedutoras

A inspiração original é Serge Gainsbourg, com seu pop de aparente baixa periculosidade feito para ser sussurrado por vozes sensuais de mulheres com personalidade. Mas em vez de simplesmente homenagear o bardo francês, o 3 na Massa alinha-se a projetos que, por linhas diferentes, também vieram buscar inspiração no bon vivant original – como o Stereolab, o Portishead, os projetos paralelos de Dan the Automator (o Lovage com Mike Patton ou o Handsome Boy Modelling School com Prince Paul), os Beastie Boys instrumentais e o projeto Vampyros Lesbos, pairando entre instrumentais viajandões (a tal “Massa” do nome do grupo), letras por vezes decorativas (mas sempre pingando duplo sentido), suíngue lo-fi e clima cinematográfico. Este último vem graças à presença de cantoras que também são atrizes e atrizes que poderiam ser cantoras – Cyz, Alice Braga, Pitty, Thalma de Freitas, Céu, Simone Spoladore, Nina Becker, Karina Falcão, Leadra Leal e Nina Becker. O trio, formado por Rica Amabis (do Instituto) e pela cozinha da Nação Zumbi (o baixista Dengue e o baterista Pupilo), ainda chamou outros cúmplices para cuidar do que essas meninas cantariam – e assim veio esse pelotão de canalhas românticos da ponte aérea Vila Madalena-Recife, com escala no Rio de Janeiro (como Amarante, Lirinha, China, Du Peixe, Alex Antunes, Catatau e dois Mombojós), escrevendo na primeira pessoa feminina, deixando o ar teatral e voraz das vocalistas ainda mais terreno e mundano, ar que o trio deixa torna caseiro, familiar, aconchegante. Tudo em casa.

22) 3 na Massa – Na Confraria das Sedutoras

3 na Massa e Cyz – “Quente Como Asfalto

As 50 melhores músicas de 2008: 22) Black Kids – “I’m Not Gonna Teach Your Boyfriend How to Dance with You (Twelves Remix)”

Não é senso de composição que falta aos Black Kids. O grupo americano tem noção do que faz uma música tornar-se memorável e realmente trabalha nesse sentido – seu disco de estréia, Partie Traumatic, é um esforço louvável de se fazer música pop pura e simples no século 21 e seu vocalista Reggie Youngblood tenha a voz com mais personalidade entre as bandas que não têm mais de dois discos de carreira. Mas a banda ainda não chegou lá – “I’ve Underestimated My Charm (Again)” e “Hurricane Jane” tem refrões irresistíveis, mas instrumentação frouxa, preguiçosa, desleixada – o que pra muitos é estilo. Mas a dupla carioca Twelves mata a charada ao costurar as pontas que sobram, subir um pouquinho o tempo e o pitch da faixa original e finalmente envernizá-la com um brilho oitentista, que, se sozinho reflete e brilha, sobre os Black Kids dá a textura ideal para que a banda aspire para além da própria vizinhança. Questão de postura – tem gente que prefere andar encurvado, tem gente que prefere esticar os ombros e estufar o peito. Os Twelves fazem os Black Kids andarem nos trilhos.


22) Black Kids – “I’m Not Gonna Teach Your Boyfriend How to Dance with You (Twelves Remix)

Os 50 melhores discos de 2008: 23) Little Joy

Com a possibilidade de estourar da noite pro dia se tornando cada vez mais regra do que exceção no jogo da música pop atual, vão-se aos poucos indo embora os tempos em que artistas podiam calibrar técnica, carisma e suas próprias músicas longe das multidões e das pressões do sucesso. Só por isso já seria suficiente para comemorar a existência do Little Joy, formado quando Rodrigo Amarante e Fabrízio Moretti deixam suas bandas principais de lado para tocarem em botecos de beira de estrada nos EUA e em eventos indies de médio porte no Brasil. Longe dos holofotes, podem tocar e compor sem stress nem cobranças, curtindo seu sonho de fazer parte de uma espécie de Velvet Underground californiano, uma parceria entre Lulu Santos clássico e Jack Johnson, tão metido à cabeça quanto bicho-grilo e assim compõem um conjunto de canções que ganha justamente pelo desprendimento e descontração, como uma banda new wave de férias na Jamaica. Porém, por mais que eles tentem fugir de seus ambientes originais, Little Joy soa essencialmente como se a latidindade de PUC do Rio do Los Hermanos (um elemento mais Amarante do que Camelo) contagiasse os hits mais Funhouse/Casa da Matriz dos Strokes. Um disco sem vergonha de assumir que rock e pop podem ser a mesma coisa sem que isso não necessariamente aponte para a adolescência ou para a caixa registradora. Nos shows no Brasil, não tocaram “Eat at Home”, do segundo disco solo de Paul McCartney, Ram, parente das mesmas condições de temperatura, umidade e pressão do Little Joy. Mas o recado parece dado – e aos poucos vamos separamos quem é o Paul e quem é o John nessa brincadeira…

23) Little Joy

Little Joy – “Keep Me in My Mind

As 50 melhores músicas de 2008: 23) Snoop Dogg – "Sensual Seduction"

O que acontece quando um dos gangstas da velha guarda resolve dar seu pitaco nessa conversa de revival dos anos 80? Pois Daft Punk e Chromeo bebem da mesma fonte de vocoders, sintetizadores e suíngue quadrado que o próprio gangsta reinventa há vinte anos – e que foi justamente o ponto de atrito entre aquele novo rap e a soul music dos anos 90, dando origem a esse cenário R&B de Beyoncés, John Legends e Chris Browns. Por isso quando Snoop Dogg surge no horizonte, antes de perguntar-se se aquilo tudo é fumaça branca ou gelo seco, preste atenção. Preguiçoso e cantando (rá!), o velho Snoop espreguiça-se em uma rede de cordas sintetizadas, deixando seu vocal modular-se pelo Autotune tendo como espelho mais a dupla Roger & Zapp do que Cher (chupa, Kanye West!). Fora o clipe, retrô no talo, que também é – fácil, fácil – um dos melhores do ano passado.


23) Snoop Dogg – “Sensual Seduction

Os 50 melhores discos de 2008: 24) Júpiter Maçã – Uma Tarde na Fruteira

Gravado no começo da década e lançado originalmente em 2006 pela gravadora espanhola Elefant, o quarto disco de Júpiter Maçã finalmente foi lançado em seu próprio país – e como os três anteriores, é uma viagem. Depois de derreter-se na psicodelia sessentista (A Sétima Efervescência), no lounge de brechó pra turista (Plastic Soda) e no futurismo cabeça (Hiss-Civilization), dessa vez a trip do velho Júpiter é rumo ao início dos anos 70, de Beatles solo, folk sentimental, cinema marginal paulistano e pós-tropicalismo. E por mais que a paisagem ecoe seus dois primeiros discos, Uma Tarde na Fruteira é uma coleção de canções maduras e sentimentais, em que o cinismo pop art e o ruído do rock’n’roll surgem em momentos específicos (o primeiro na “Marcinha Psicótica do Doutor Stu”, o segundo na garageira “Síndrome de Pânico”). O resto é domado pela consciência de Basso em construir um cenário sonoro adulto e moderno – o interlúdio instrumental de “Little Raver” ecoa Pet Sounds e Sgt. Pepper’s ao mesmo tempo, “O Retirante” alinha Sérgio Mendes e a bossa nova política do Teatro de Arena e do Opinião de Nara Leão, “Um Sorvete Pra Você” poderia estar no Panis et Circensis, “Violão de Aço” clona, em partes diferentes, Walter Franco e Bob Dylan e “A Menina Super Brasil” requenta Marcos Valle e Mutantes via Stereolab. Isso quer dizer que Júpiter Maçã cresceu? Só ele pode dizer.

24) Júpiter Maçã – Uma Tarde na Fruteira

Júpiter Maçã– “A Marchinha Psicótica do Doutor Stu

As 50 melhores músicas de 2008: 24) MGMT – "Kids"

Se o MGMT pode ser encarado como o filho improvável do LCD Soundsystem com os Flaming Lips, “Kids” é o desenho colorido que ele vem mostrar feliz. Construída ao redor de uma única frase musical, um mantra repetido num teclado cafona, ela é uma espécie de busca ao tempo perdido da infância através da dança, encontrando paralelos no quase autismo de qualquer criança no pequeno universo de seu quarto e a dança de olhos fechados na pista de dança indie. Synthpop disfarçado de psicodelia dance, “Kids” existe desde 2003 (quando o grupo ainda se chamava The Management) e funcionou como a base dos três pilares que tornaram a dupla nova-iorquina em um dos principais nomes de 2008.


MGMT – “Kids

Os 50 melhores discos de 2008: 25) Britney Spears – Circus

Aos poucos, Britney Spears vem construindo uma discografia considerável – e se afirmando como uma das artistas mais importantes da atualidade. Ponha as aspas no “artista” caso se o seu escárnio queira, mas mesmo que ela não mova um centímetro na concepção estética de sua carreira (o que é mentira), ela tem uma qualidade que funciona sob quaisquer condições, uma espécie de fotogenia tridimensional, que faz com que ela se encaixe em toda paisagem em que é posta, no topo do pop adolescente ou no fundo do poço sensacionalista. Enumere todas as cantoras da recente safra de “novas musas” desta década e só com muita boa vontade todas elas, juntas, podem chegar perto do impacto de Britney – talvez apenas Amy a peite de igual para igual, o que aumenta ainda mais a importância de Ms. Winehouse (dado que, primeiro, ela é uma artista no sentido tradicional do termo e, depois, poir possuir apenas dois discos na carreira e três anos de exposição), mas essa é outra história. Mesmo completamente produzida pelos powers-that-be de uma indústria que insiste em negar a própria derrocada, Britney reúne méritos que vão além de sua futilidade pessoal ou de sua voz de pato – e funciona seja produzida pelo N*E*R*D ou James Murphy, seja num filme adolescente qualquer, mostrando a calcinha, participando de um seriado ou regravando Bobby Brown. Circus, aclamado como “grande volta” por quem só foi ouvir “Gimme More” do começo de 2008, na verdade é a continuação de uma reinvenção iniciada em Blackout, em que Britney sacode a poeira de dois fantasmas do passado – o ícone teen e a biatch pé-na-jaca – e se reveste com a cobertura que provavelmente a acompanhará por toda a carreira, a de diva pop, equiparando-se a Madonna e Kylie Minogue, enquanto deixa para trás Rihannas, Aguilleras, Katy Perrys, Feists, Duffys e Adeles. O único porém é sua insistência em baladas horrorosas – e em Circus elas são “Out from Under” e “My Baby”. O resto, no entanto, desce redondíssimo e funciona em qualquer situação e não apenas na pista de dança.

25) Britney Spears – Circus

Britney Spears – “Circus

Os 50 melhores discos de 2008: 26) Beck – Modern Guilt

Se analisarmos as carreiras de Dangermouse e Beck ao mesmo tempo, é possível traçar diversos paralelos, de diferentes naturezas, sejam estéticas ou temáticas, que levariam ambos a, inevitavelmente, trabalharem juntos em algum momento de suas vidas. Mas ao mesmo tempo em que seus marcos e clássicos (“Loser”, o Gray Album, Odelay, “Feel Good Inc.” e “Dare”, The Information, “Crazy”, Midnite Vultures) tendem a rotulá-los como artesãos do pop descartável irônico, como se fossem artistas plásticos que descobriram o toque de Midas do hit e o usassem sempre tendendo à brincadeira e ao humor, existe um lado negro intrínseco aos dois. E longe do soul ensolarado e da psicodelia pseudo-californiana (olhando direito, o Beck é pai do MGMT) existe uma tristeza de blues que ambos não escondem em sua música, embora deixem propositalmente em segundo plano, como um segredo que só os amigos mais próximos podem saber. Sob este ponto de vista, toda carreira do produtor que é metade do Gnarls Barkley torna-se subitamente melancólica – da cor escolhida para sua estréia no showbusiness (o cinza do mashup de Beatles com Jay-Z) à dor recolhida tanto em “Crazy” quanto em qualquer outra música de sua dupla com Cee-lo – sem contar o tom noturno que sua produção deu a discos tão diferentes quanto à estréia do The Good, The Bad & The Queen quanto o último do Black Keys. Beck, por sua vez, destila sua tristeza quase sempre sozinho, caminhando por pântanos e praias à noite, ao violão (Mutations) ou ao piano (Sea Change), sempre sublinhando sua necessidade por mudança. Em Modern Guilt, o azul da paisagem é composto por samples e colagens sonoras, mas nunca com as cores quentes do humor infantil, dos trocadilhos espertinhos ou da nostalgia retrô. Não que isso queira dizer que o disco é horizontal e sem solavancos – pelo contrário, o groove e o ritmo tomam conta de quase todas as músicas, embora na maioria das vezes tenha uma função meramente contemplativa, de balançar a cabeça concordando enquanto se dirige. É isso: em vez de outro passeio apreciando a natureza, Beck se propõe à introspecção na estrada, pegando carona com motoristas que são diferentes personalidades de Dangermouse.

26) Beck – Modern Guilt

Beck – “Youthless

As 50 melhores músicas de 2008: 25) Does it Offend You Yeah? – "We Are Rockstars"

Qual é o melhor exemplo do maximalismo que toma conta da música de pista hoje em dia? Os riffs metal do Justice? O pânico desenfreado do Goose? O quase-rock do Digitalism? O brutalismo ritmico do MSTRFKRFT? Embora surja em diferentes praias (as bandas listadas vêm da França, Bélgica, Alemanha e Canadá), a música que talvez melhor sintetize essa tendência, que começou a desenrolar a partir do raivoso Robot Rock do Daft Punk, seja o hit do quarteto inglês Does it Offend You Yeah?, que, no meio de bordoadas sintetizadas, sirenes, efeitos, vocoders, cowbell e levada de rock ainda resume, bem ou mal, o que anda acontecendo com a música em tempos de redes sociais:

You’re all rock stars now in a network town
theres no place to go,
to be on your own
making friends and foes
watch the network grow,

Will you find a time
when you’re not online
standing all alone,

Where’s your real friends now?
you have let them down
you’re a download pal.

Yeah.

25) Does it Offend You Yeah? – “We Are Rockstars