Recordando o Vale das Maçãs
Foto: Alexandre Matias
Na MacWorld, Steve Jobs mostra notebook mais fino do mundo e, além de música, entra firme na venda de filmes online
Primeiro, foi um MP3 player. Depois, uma loja online de música digital. Mais tarde, um celular. E assim, uma das marcas mais tradicionais da era da computação pessoal aos poucos foi se tornando uma das marcas mais tradicionais de nossa era. A Apple se estabeleceu como uma grife de computadores e programas destinados a um nicho específico de usuários, tão preocupados com a performance de seus dispositivos quanto com o design e o status de possuí-los. Mas à medida em que avançava no século 21, a empresa de Steve Jobs aos poucos passou a conquistar um público que, longe da tecnofilia metida a cool e do elitismo geek de seus fiéis seguidores, aos poucos se encantou com o iPod, depois com iTunes Music Store e, finalmente, com o iPhone, lançado na feira anual da empresa do ano passado. Mesmo com a ponte feita entre tais novidades e o computador, a Apple deste século aos poucos deixava de ser uma empresa de computadores para abraçar o novo mercado digital como um todo.
Isso fez com que, naturalmente, todos os olhos se voltassem para a Macworld 2008, que aconteceu semana passada em San Francisco, nos Estados Unidos. Afinal, sua última edição, em janeiro do ano passado, apresentou ao mundo um celular que, mais do que causar um terremoto no mercado de telefonia móvel, acelerou a inevitável convergência de dispositivos portáteis que movia-se a lentos passos desde o início da década. Mas se o iPhone entusiasmou até quem nunca tinha dado bola para computador, uma mudança sutil apontou os rumos e as intenções da empresa em sua nova fase, quando deixou de se chamar Apple Computers para apresentar-se apenas como Apple Inc.
E toda a expectativa para a edição deste ano da feira gerou uma resposta morna às novidades de 2008. Claro que os súditos de Jobs exclamaram de emoção com o anúncio com as quatro novidades para este ano – e dificilmente responderiam de outra forma, afinal, são fãs (e sabemos como fãs se comportam em relação a seus ídolos, sejam popstars, políticos, times ou marcas). Mas, se por um lado a empresa não lançou nada que chegasse perto do impacto inicial do iPod ou do iPhone, é possível perceber que a Apple não se contenta mais apenas com o mercado de hardware e software: ela quer o mercado como um todo.
Foram quatro as novidades apresentadas por Steve Jobs na manhã da terça passada para um auditório com mais de seis mil pessoas. Primeiro, o Time Capsule, um HD externo sem fio que, além de fazer backups de todo o computador automaticamente, ainda permite que o usuário procure e resgate dados passados como a função “histórico” dos navegadores de internet, expandindo ainda mais o recurso Time Machine, uma das vedetes da edição mais recente do sistema operacional da empresa, o Leopard. A segunda foram as atualizações para o iPhone e para o iPod Touch, que cada vez estão mais parecidos entre si e, pelo jeito, num futuro próximo se tornarão o mesmo aparelho.
Mas foram a terceira e a quarta novidades que realmente fizeram o auditório do Moscone Center ir ao delírio: o sistema digital de aluguel de filmes (e a nova versão da Apple TV) e o que Jobs chamou de “o laptop mais fino do mundo”, o Macbook Air. Ambos anúncios concretizavam as especulações que movimentaram a imprensa especializada desde o fim de 2007: a que a Apple faria parceria com alguns estúdios de Hollywood para distribuir filmes através de sua loja virtual e o lançamento de um computador que, segundo as fontes, seria um “subnotebook” (reduzindo ainda mais o tamanho dos computadores portáteis) ou um “computador ultraportátil”.
Quando Jobs sacou o novo computador de dentro de um envelope pardo, tudo indicava que era o início de mais um degrau na escalada de produtos mirabolantes criados pela empresa neste século. Cool até dizer chega, o novo computador da empresa é uma jóia estética e sua aparência foi a grande vedete do evento da semana passada, quando as notícias sobre o início da feira eram inevitavelmente ilustradas pela imagem de Jobs carregando seu novo computador com apenas uma mão. O fato de ter sido a última novidade a ser apresentada e de ser o gancho para os enormes displays espalhados por San Francisco antes da abertura da feira (onde se lia “Há algo no ar”, em inglês) ajudou o foco a cair sobre o notebook fininho.
Mas olhando de perto, o computador não é tudo isso – há uma série de recursos ausentes, muitas limitações técnicas e o preço apresentado (US$ 1799, no modelo standart) não ajuda muito. Comparando com o preço dos outros laptops da Apple (US$ 1099 no Macbook e US$ 1999 no Macbook Pro) e colocando suas especificações ao lado destes outros computadores, percebe-se que a relação custo-benefício não é das mais convidativas – talvez apenas para aquele pequeno grupo de consumidores de produtos tecnológicos que gostam mais de exibir seus aparelhos do que desfrutá-los plenamente.
O anúncio do Macbook Air ofuscou o grande passo dado pela Apple neste começo de 2008: seu sistema de locação de vídeos via internet, por enquanto restrito aos vinte e três países que podem comprar através da loja do iTunes. É mais do que a simples opção de assistir filmes e programas de TV sem ter de ir a uma locadora ou comprar via pay-per-view. É a Apple se posicionando ombro a ombro com os principais estúdios de Hollywood e as emissoras de TV norte-americanas – fazendo valer a mudança do nome de sua pessoa jurídica na prática. Não, não é mais uma empresa de computadores. E também não é mais uma franquia para publicitários, designers e videomakers se considerarem melhores do que o resto das pessoas só porque usam outro tipo de computador. Estamos falando de uma empresa que quer falar com todo mundo: crianças, jovens, adultos, idosos, familiarizados com o mundo digital ou não.
Com a Macworld 2008, a empresa aparou arestas de produtos mal resolvidos (com a Apple TV) e anunciou melhorias em outros bem sucedidos (como o iPod Touch e o iPhone), além de começar o ano parceira dos principais agentes da indústria de entretenimento atual (uma vez que as gravadoras de disco enfrentam grave crise pós-MP3). Não se deixe levar pelo entusiasmo do Macbook Air: é fogo de palha. A Apple quer te cercar por todos os lados e, aos poucos, está conseguindo.
iTunes vende filmes de grandes estúdios
Após vender 4 bilhões de músicas, Apple faz acordo com grandes estúdios para alugar filmes em sua loja virtual
As locadoras que se cuidem: a Apple deu um passo decisivo para definir não apenas o futuro desse tipo de comércio, ameaçado pela popularização da banda larga, como a forma de assistirmos filmes em casa. O lançamento do iTunes Movie Rentals foi saudado como histórico: a Apple agora distribui digitalmente filmes de todos os grandes estúdios de Hollywood através de sua loja virtual, o iTunes.
Mais: reinventou sua Apple TV como uma espécie de set-top box para aparelhos televisores. Agora, o equipamento permite acessar o iTunes sem que seja preciso sequer ligar o computador. Esses anúncios foram os destaques do discurso de Steve Jobs na abertura da Macworld, no último dia 15.
No novo sistema, o usuário acessa a loja virtual da Apple e escolhe um filme (US$ 2,99, filmes em catálogo, e US$ 3,99, lançamentos) e tem 30 dias para começar a assisti-lo. Então, deve terminá-lo em 24 horas. Depois, o filme é automaticamente deletado do disco rígido.
A locação digital de filmes vem acompanhada da versão 2 da Apple TV, que permite visitar a parte de vídeos da loja da Apple por meio do monitor da televisão. O aparelho se conecta à internet via Wi-Fi (a casa precisa ter um roteador sem fio), é só efetuar a compra para que o filme seja baixado via internet, mas no disco rígido da Apple TV, sem o computador no meio do processo.
É um passo ousado e uma decisão fascinante, ao mesmo tempo em que uma idéia óbvia executada de uma forma simples e genial – próprio da Apple. A convergência digital como imaginada até agora parecia supor que todo conteúdo migraria para um mesmo dispositivo, descartando o fato de que as pessoas podem fazer coisas idênticas em situações diferentes. No caso da Apple, o ponto de atração não é um aparelho e sim um site – sua própria loja online.
Mas tem um problema: por enquanto o iTunes Movie Rentals só está disponível nos EUA. Mais para frente, deve ser estendido para os demais países onde também há a loja virtual iTunes. O Brasil não faz parte dessa relação e não há planos concretos para que isso aconteça (leia mais na página 7). Ou seja, esqueceram de nós.
Backup automático
Outra atração apresentada no início da feira foi o Time Capsule, um disco rígido externo e sem fio que faz backup automático de tudo que você faz em seu computador. Uma caixinha branca que pode armazenar não apenas o histórico de uma máquina, mas de todos os Macs que eventualmente você tenha em casa – sejam desktops ou laptops. Tem duas versões, uma de US$ 299 (com 500 gigas de memória) e outra de US$ 499 (com o dobro da capacidade).
Com isso, a Apple acompanha a marca estabelecida pela Asus na Consumer Electronic Show, que aconteceu em Las Vegas na semana anterior à Macworld. No evento, a marca lançou um notebook com capacidade de armazenamento de 1 terabyte, ultrapassando a barreira do tera (mil gigas) e trazendo-a para o uso doméstico, como agora com o Time Capsule.
Finalmente, as novidades do iPhone. O kit de desenvolvimento de softwares para o celular da Apple será lançado no mês que vem, ampliando a quantidade de opções possíveis para o aparelho, uma vez que terceiros podem desenvolver aplicativos. Entre as novas funções, a possibilidade de reorganizar os ícones da página de entrada. É só escolher a função que os ícones da tela começam a balançar (mesmo!), indicando que podem ser movidos. Aí é só arrastá-los com o toque do dedo.
Também é possível criar até nove home pages para o iPhone, além da Apple ter habilitado a ampliação de textos e trechos de páginas da web com o toque do dedo. Jobs também chamou seu telefone de “o melhor iPod” e anunciou que, a partir daquele dia, já era possível pular capítulos em vídeos assistidos no celular, além de acompanhar letras de músicas e incluir legendas em filmes (mais uma peça no quebra-cabeças que inclui o iTunes e a Apple TV).
Outra novidade é um novo recurso para a função Google Maps que utiliza antenas de transmissão de celular para localizar a posição do iPhone que faz a chamada, tornando possível traçar rotas do ponto em que você está para qualquer destino sem que se tenha que especificar o endereço original.
Algumas das novidades para o iPhone, como a possibilidade de mandar a mesma mensagem de texto para mais de uma pessoa, já haviam aparecido graças ao trabalho de desenvolvedores independentes. Agora, todas estão disponíveis gratuitamente para os celulares.
Já as atualizações do iPod Touch, que se parece ao iPhone mas não faz ligações telefônicas, têm preço: US$ 20 para ter acesso a opções que deixam o player mais próximo do celular. Pagando, é possível acessar emails, previsão do tempo, bloco de notas, mapas e informações sobre o mercado de ações, além das legendas, letras e capítulos presentes no novo software do iPhone.
O problema é que, para os brasileiros (e residentes de países que, como o Brasil, também não têm iTunes Store) que compraram a versão mais recente do player da Apple, não é possível atualizá-lo, uma vez que o software só pode ser comprado online e através da loja virtual da empresa. Novamente, esqueceram de nós!
Fino, MacBook Air cabe em um envelope
Novo notebook da Apple tem entre 0,4 e 1,9 cm de espessura, com configuração potente; nos EUA, custará US$ 1.800
Quando Steve Jobs anunciou que “o computador mais fino do mundo cabe num envelope de escritório” e a imagem de um envelope surgiu na telona, o público riu. Era verdade. Jobs pegou um envelope pardo de cima da mesa e tirou mais uma jóia de sua coleção de produtos finos. Fechado, o MacBook Air mede entre 0,4 e 1,9 cm de espessura, um feito invejável.
O produto já pode ser encomendado nos EUA e chegará às lojas em fevereiro. No Brasil, provavelmente em março. É o único produto lançado este ano que deve chegar por aqui. Mas ele substituirá o computador da casa? A empresa diz que não, que o fez mirando o público que viaja bastante, pois suas especificações técnicas o transformam em um aparelho prático e funcional.
Mas ele também é potente, com processador dual core de 1,8 GHz e boa quantidade de memória RAM – 2 gigabytes. A tela é de 13 polegadas, com resolução de 1.280×800 pontos, e o teclado tem teclas bem separadas e iluminação LED.
Outro forte é o trackpad (aquele sensor que substitui o mouse), em que é possível fazer os mesmos movimentos com os dedos do iPhone, para ampliar e rotacionar fotos e texto, passar gráficos e páginas e correr sites de internet para cima e para baixo. Microfone e câmeras são sutilmente embutidos.
O Air é o primeiro artefato ecologicamente correto da empresa. Depois de liderar a lista das empresas menos verdes de acordo com o Greenpeace, o notebook vem em alumínio reciclável, não contém nem arsênico, nem mercúrio. Mas parece que não foi suficiente para o grupo ambientalista (http://tinyurl.com/2xnyts).
Entre os pontos fracos, está o disco rígido de apenas 80 GB – pouco para os padrões atuais. Fica a impressão de que a Apple economizou no HD do Air para estimular as vendas do seu disco rígido externo, o Time Capsule, que faz backup automático sem fio
O MacBook Air também não vem com gravador de DVD, mas pode-se utilizar o computador principal para ler e gravar DVDs ou conectar um pequeno gravador portátil, da própria Apple. É bom lembrar também que será possível baixar filmes pelo iTunes, fechando o ciclo. E boa parte dos softwares da empresa estão online.
Finalmente, o Air tem apenas uma entrada USB. Isso é um problema? Não necessariamente, pois dificilmente alguém utiliza mais de uma entrada USB quando em movimento e, em casa, é possível conectar um adaptador com várias entradas USB.
Um ponto polêmico é a bateria, que é selada e só pode ser trocada em uma loja da Apple. Mas, salvo exceções, ela durará em torno de 3 a 4 anos, quando provavelmente o usuário já estará pensando em trocar de máquina.
Ou seja, o MacBook Air é uma boa opção para quem precisa de um notebook muito leve, mas potente. Mas exige alguns equipamentos periféricos ou uma máquina principal para cumprir sua função. Mas o maior obstáculo para que o computador mais fino do mundo se torne um grande sucesso é o preço. Nos EUA, custará US$ 1.800 (no Brasil, R$ 6.500).
É caro, mas não tanto se comparado com os outros notebooks pequenos e leves concorrentes. O Dell XPS custa US$ 2.100, mas no site americano da Dell está em promoção por US$ 1.500. Já o Sony TZ25 custa a partir de US$ 2.100 no site da Sony.
Se o lançamento de um laptop muito fino e leve, mas bem potente, forçar outros fabricantes a correrem atrás do prejuízo, a Apple terá, novamente, feito sua parte, como no caso do iPod e do iPhone.
Não há planos de loja da Apple no Brasil, diz presidente regional
Com uma base ainda pequena de usuários de computadores da marca, o Brasil aos poucos vai entrando no mundo da maçã, principalmente devido ao iPod. Mas o principal elo da experiência de entretenimento da empresa, a loja iTunes, não só não funciona no País (é preciso ter uma conta bancária aberta em outro país que possua a loja para conseguir comprar música e vídeos através dela), como não há previsão de chegada.
“Nós estamos dando os primeiros passos”, explica Alexandre Szapiro, presidente da empresa no Brasil, “e, nesta etapa, o que achamos mais importante é mostrar para o consumidor o que é a experiência Apple. Não queremos que ele entre numa loja e compre o computador mais caro que temos, preferimos descobrir o que ele vai fazer com ele para tornar sua vida mais prática”.
Com isso, a ênfase da empresa no País atualmente é vender suas máquinas. “Estamos muito afinados com o varejo”, continua, “cada vez mais somos procurados por lojas que querem ser representantes oficiais da Apple e conversamos para podermos entrar com o jeito Apple dentro da loja. Não é uma questão de simplesmente colocar os produtos para vender, mas há toda uma preocupação com o treinamento e a capacitação dos vendedores, pois eles devem não apenas conhecer o produto como explicar por que e qual computador funciona melhor com cada pessoa”.
Assim, a empresa já fez parcerias com cadeias de lojas como a Fnac, os supermercados Extra e a livraria Saraiva. “Também sabemos que uma das principais barreiras para o público brasileiro é o preço dos produtos, por isso, no ano passado, colocamos como prioridade vender aparelhos parcelados em até dez vezes sem juros, o que facilita muito as coisas para o consumidor”, explica Szapiro.
Ele nega que a loja iTunes nunca virá ao Brasil. “Não é o momento por enquanto, mas há intenção de fazer com que chegue por aqui.” O mesmo acontece em relação ao iPhone, que ainda deverá ser lançado no mercado asiático para, depois, seguir para outros países como Austrália e México. Mas a própria Apple não comenta.
O que Szapiro é categórico em dizer é que não há intenção de abrir uma Apple Store (uma loja física) no Brasil. “Há muitas pessoas que falam que irão fazer isso, que conversaram com a gente, que já está tudo certo”, ele reclama, “não, não está nada certo, tem gente falando o que não sabe e querendo se aproveitar da nossa marca para valorizar a sua”.
Dos novos lançamentos da empresa, apenas o Macbook Air tem data de chegada ao Brasil – em março, com preço ainda a definir. Todos os outros não têm previsão de estréia no País: embora fosse relativamente fácil trazer a atualização do iPod Touch ou o Time Capsule, não há planos para esses dois produtos por aqui.
A Igreja Universal do Reino da Maçã
A apresentação de Steve Jobs, discurso inaugural que abre anualmente a convenção da Apple, é, ao mesmo tempo, o ponto de partida e o ponto alto da Macworld. Então não é de se estranhar que a fila para assisti-lo pessoalmente este ano já começasse a se formar no fim da tarde do dia anterior. O frio de menos de dez graus e a pesada neblina que cobriu a cidade da segunda para a terça passada dissiparam-se à medida em que o dia começava a clarear, e antes das sete da manhã o saguão de acesso ao auditório principal da ala oeste do monstruoso Moscone Center já estava tomado por milhares de convidados, repórteres e fãs da marca da maçã.
É, literalmente, gente de todo o mundo. Americanos, europeus, asiáticos e latinos se espremem na porta de entrada do auditório principal, contando os minutos para a abertura dos portões. Não é exagero comparar a palestra de Jobs com um show de rock: a expectativa e a empolgação de grande parte do público é de fã mesmo, todos dispostos a entrar no tal campo de distorção de realidade que dizem emanar do pai da matéria.
Abrem-se os portões, de baixo para cima, e tem gente se jogando por baixo da porta para correr e pegar um bom lugar. No som, bandas como Coldplay (“Yellow” é a música que faz as portas se abrirem), Linkin Park e Green Day dão uma idéia de quem é o público que compra música online em tempos de Torrent. Todos têm aparelhos de última geração: smartphones, câmeras digitais de alta definição, notebooks e, por todo lugar, iPhones. O brinquedinho que a Apple lançou no ano passado não é apenas o celular dos sonhos para o público da feira – é a prova que eles seguiram direitinho as palavras do pastor Jobs e pagaram o dízimo do culto. No centro do palco, luzes apagadas e apenas a silhueta de uma maçã negra, aguardando a chegada do dono da manhã. Não consigo evitar de me lembrar do culto à Deusa Eris, o Discordianismo, do livro Trilogia Illuminatus, de Robert Anton Wilson e Robert Shea, uma igreja cujo símbolo é uma maçã dourada e que prega o hedonismo e o prazer.
Sim, é um culto, como um show de rock também é um culto. Entra Steve Jobs e o auditório enlouquece. Não há outro termo: en-lou-que-ce. Mas aperte os olhos e tente enxergá-lo direito. Aplaudido como um astro do rock, ele tem um sorriso banal e um olhar triste por trás dos óculos. Quando seus ombros encolhem para frente, eles parecem estar na posição original, não recurvados. A movimentação pelo palco é contida e ensaiada – e parece que a contenção veio antes do ensaio. Olho ao redor e entre sorrisos boquiabertos e olhos brilhando de emoção vejo pessoas que nem ele, só que em níveis anteriores.
Jobs é um nerd que conseguiu convencer-se de que é um popstar. Foi o primeiro passo para convencer todo o resto do planeta. E ele segue convencendo. Não há nada de errado em ser um nerd, muito pelo contrário – o fato de ter conseguido erguer esse culto apenas com seu amor por computadores é um feito e tanto. Enquanto Bill Gates (outro nerd) se disfarça de executivo, Jobs usa calça jeans e sorri calmamente. Com sua fala determinada, pronuncia adjetivos e superlativos como se estivesse comemorando o bom desempenho em uma partida de videogame – mas sem gritar, para não acordar os pais.
Mas 2008 veio bater na porta e, durante a apresentação, ele viveu seu momento “tela azul” quando, no meio do show, a tela simplesmente se escureceu – tal como os históricos paus do Windows durante as apresentações de Bill Gates. E não houve o famoso “one more thing” (“só mais uma coisa”) com que ele tradicionalmente encerra seus discursos. Disse adeus pouco depois de chamar Randy Newman ao palco e pouco antes do som no local tocar: “Pride (In the Name of Love)”, do U2. Alguma coisa mudou em Steve Jobs – e é essa noção de que ele realmente deixou de ser um nerd bem-sucedido e hoje é, de fato, um popstar.
Só mais uma coisa, Steve: não é fácil. Te prepara.